por Jorge Alexandre Karatzios
Assevera o artigo 595 do Código Processual Penal que se o réu condenado fugir após haver ajuizado recurso de apelação, ocorrerá o não conhecimento deste apelo, caracterizando o instituto denominado “deserção”, que diante de nossa lei processual ocorre em duas situações: a falta de pagamento de custas (artigo 601, parágrafo 1º e artigo 806, parágrafo 2º do CPP) e a fuga do réu.
Caso prático e real: Agente é preso em flagrante face suposta prática de latrocínio, e durante a instrução criminal, é negado o pedido de liberdade provisória, assim, o acusado aguarda recluso o deslinde penal, advindo, posteriormente, sentença condenatória. Inconformado, manifesta seu lídimo exercício à ampla defesa e ao duplo grau de jurisdição, protocolizando habilmente, nos termos do artigo 593, inciso I, do CPP.
Posteriormente, aproveitando uma rebelião o recorrente foge do cárcere, e ocorrendo tal fato, o apelo ajuizado não será conhecido, vez que a lei processual, prevê uma sanção, isto é, o não conhecimento de seu recurso, no termos da lei processual, artigo 595 do CPP.
Contudo, este artigo merece uma releitura, ou seja, necessitamos interpretá-lo conforme os postulados de direitos e garantias fundamentais expressamente consignados na Carta Magna.
Não se nega que a lei processual penal possa prever requisitos ou pressupostos de admissibilidade recursal (tempestividade, adequação, legitimidade etc), entretanto, esses requisitos devem necessariamente respeitar o conceito de uma Justiça Principiológica (orientada por princípios constitucionais,) vez que não é lícito condicionar o conhecimento da apelação, à custódia do réu, pois, tal raciocínio vai de encontro ao postulado do devido processo legal, mais especificamente acerca da ampla defesa, exercício do duplo grau jurisdicional, e da presunção de inocência.
Explica-se: É que a utilização de garantias e direitos constitucionais, não podem sofrer limitações ou restrições advindas de normas infra-constitucionais, pois, estas devem ser escritas conforme os preceitos maiores (Constitucionais), e não ao contrário, vez que, caso seja proclamada a deserção (não conhecimento), estar-se-á impondo (mediante norma inferior) uma supressão às garantias e direitos constitucionais, que dentro da pirâmide normativa, estão no ápice, isto é, possuem hierarquia superior.
Em síntese, quer-se dizer que a fuga do réu não pode ensejar uma punição ao recorrente (não conhecimento do apelo), pois, o direito ao apelo não pode ser condicionado à manutenção do encarceramento do réu, pois, inclusive, enquanto não transitar em julgado a decisão judicial, o apelante é presumidamente inocente, e o recurso interposto é a afirmação desse postulado, qual seja, a presunção da não-culpabilidade.
Então, como deverá se posicionar o julgador se o condenado proceder à fuga após a interposição do apelo? Simplesmente deverá ignorar a existência do artigo em análise, e dar curso normal ao processo, ou seja, não decretará a deserção, cabendo à polícia providenciar a captura do preso-recorrente, pois, a defesa ampla é um direito de cunho constitucional, não podendo sofre qualquer restrição ou limitação pelo legislador ordinário.
Mas o que poderá fazer a defesa do acusado, caso o julgador declare o não conhecimento do Recurso de Apelação? Nesse caso duas medidas podem ser acionadas, isto é, o Recurso em Sentido Estrito, nos termos do artigo 581, inciso XV, do CPP, sendo nessa hipótese observado o juízo de retratação (artigo 589), e caso denegado , impetra-se carta testemunhável (artigo 639, inciso I), ou pode-se ajuizar a ação de Habeas Corpus, pois, o que não pode acontecer é a restrição ou limitação do princípio da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição, seja pelo legislador ou pelo Poder Judiciário.
Solidificando o aqui externado, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou em abril a Súmula 347, no seguinte sentido: “O conhecimento do recurso de apelação do réu independe de sua prisão”. Assim, consolida-se ainda vez mais, a aplicação dos princípios constitucionais ao nosso processo penal, vez que nenhuma lei pode restringir os princípios orientadores de um processo penal justo e garantista.
Observe-se que de acordo com a legislação processual penal, a deserção é somente aplicável ao recurso de Apelação, não sendo, portanto, aplicável a outras modalidades recursais e nem tampouco, ao agente ministerial que apelar em favor do réu.
Observe-se que nem mesmo a Justiça Castrense possui uma legislação processual tão prejudicial aos direitos do condenado, pois, o artigo 528 do Código Processual Penal Militar, prevê como conseqüência da fuga, o mero sobrestamento (suspensão) do recurso de apelação, todavia, frise-se que tal disposição, também é, mediante a visão garantista, inconstitucional.
Bibliografia
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Torinho Filho, Fernando da Costa, “Código de Processo Penal Comentado”, v. 2, 9ª edição, Saraiva, 2006.
Pacheco, Denílson Feitoza, “Direito Processual Penal, Teoria, Crítica e Práxis”, 4ª edição, Impetus, 2006.
Revista Consultor Jurídico