Evasão de divisas – Suspensa ordem de prisão de bispos da Renascer

por Priscyla Costa

Está suspenso o decreto de prisão preventiva expedido contra Estevam e Sônia Hernandes, pelo crime de evasão de divisas. A decisão é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Sônia e Estavam Hernandes foram presos no aeroporto de Miami, Estados Unidos, em janeiro de 2007. Ao entrar no país, o casal declarou que não levava dinheiro além do limite de US$ 10 mil dólares, permitido pela lei. Submetidos a revista, a polícia do aeroporto encontrou US$ 56 mil escondidos entre os pertences do casal. Com base nessa descoberta, o Ministério Público Federal apresentou denúncia contra o casal por evasão de divisas.

Nos Estados Unidos, o casal foi condenado pelo crime de “contrabando de dinheiro” e cumpre pena de reclusão. A defesa alega que os valores citados na denúncia oferecida à Justiça brasileira “foram devidamente declarados, tendo sido recolhidos todos os impostos a eles referentes”.

A primeira prisão preventiva referente ao crime de evasão de divisas (artigo 1º, inciso VII da Lei 9.613/98 — dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores) foi suspensa por decisão da mesma 5ª Turma do STJ. Um novo pedido de prisão foi feito e deferido pela 1ª Vara Criminal de São Paulo. Contra esse segundo decreto, a defesa recorreu ao Tribunal de Justiça, que manteve a ordem. Por isso o caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça.

A relatora, ministra Laurita Vaz, classificou esse decreto de prisão como “medida extrema”. Para a ministra, o argumento de que o casal tentou entrar nos EUA com US$ 56 mil para “custear a vida fora do Brasil” não tem razoabilidade.

“Esse fato não é o bastante, por si só, para subsidiar um decreto de prisão preventiva lastreado na presunção de que estariam os réus preparando meios para uma fuga. Se fosse esse mesmo o propósito, é razoável supor que seus bens naquele país, avaliados em US$ 465 mil, já serviriam para viabilizá-lo, sendo que tal circunstância não ensejou, antes, a medida cautelar extrema. Medida extrema que se apresenta desproporcional e sem base fática concreta suficiente para justificá-la”, considerou.

“Nesse contexto, creio ser desproporcional a medida e sem base fática concreta suficiente para justificá-la”, concluiu a ministra.

Leia a decisão

HABEAS CORPUS Nº 75.818 – SP (2007⁄0017624-3)

RELATÓRIO

EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de ESTEVAN HERNANDES FILHO e SÔNIA HADDAD MORAES HERNANDES, em face de decisão do Desembargador Relator do Habeas Corpus n.º 1049.112.3⁄2, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que indeferiu o pedido de liminar, mantendo o decreto de prisão preventiva exarado pelo Juízo de primeiro grau.

Em 31 de julho de 2006, os ora Pacientes, intitulados bispos e fundadores da Igreja Renascer em Cristo, foram denunciados, juntamente com outros, como incursos no art. 1.º, inciso VII, da Lei n.º 9.613⁄98, por suposta lavagem de dinheiro e ocultação de bens, por meio de organização criminosa pretensamente instalada na Igreja que lideram e em empresas a ela ligadas.

Em 07 de agosto de 2006 a denúncia foi recebida pelo Juízo da 1.ª Vara Criminal de São Paulo⁄SP, instaurando-se a Ação Penal n.º 050.02.063631-8 – controle n.º 1.063⁄2006. Depois de seus interrogatórios, por deixarem de comparecer à audiência de oitiva de testemunhas, o Ministério Público requereu a prisão preventiva dos acusados, no que foi atendido pelo Juízo processante. O pedido de reconsideração não foi acolhido pelo Juiz de primeiro grau, que manteve a prisão preventiva decretada.

Inconformados, impetraram o HC n.º 1.034.546.3⁄8 perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Prestadas as informações, o Desembargador Relator do feito indeferiu o pedido de liminar, o que ensejou a impetração do HC n.º 72.735⁄SP nesta Superior Instância, a mim distribuído. Deferi o pedido de liminar para cassar a ordem de prisão, “até o julgamento do habeas corpus originário pelo Tribunal a quo, sem prejuízo de nova decretação de prisão preventiva por motivos supervenientes.”

Nesse ínterim, conforme amplamente divulgado pela imprensa nacional, em 08 de janeiro de 2007, os Pacientes viajaram para os Estados Unidos da América, acompanhados de parentes, tendo sido presos por estarem levando consigo a quantia não-declarada de U$ 56.000,00 (cinqüenta e seis mil dólares). A partir desse fato, em 10 de janeiro, os Promotores de Justiça da GAECO que oficiam no feito requereram a decretação de nova prisão preventiva, no que foram atendidos. Instado a reconsiderar, o MM. Juiz de primeiro grau denegou o pleito, oportunidade em que, acolhendo manifestação ministerial, pediu a extradição dos réus.

Esta Egrégia Quinta Turma, ao julgar o HC n.º 72.735⁄SP, por mim relatado, concedeu a ordem “para revogar o decreto de prisão preventiva em tela [o primeiro], ressaltando a higidez da decisão posterior do Juízo de primeiro grau que tornou a decretá-la por motivos supervenientes, fato que é objeto de outro habeas corpus” (DJ de 14⁄05⁄2007).

Em decorrência da expedição da segunda ordem de prisão preventiva contra os Réus, ora Pacientes, a Defesa bateu mais uma vez às portas do Tribunal de Justiça paulista com a impetração do HC n.º 1.049.112.3⁄2, buscando a cassação do decreto prisional, alegando falta de fundamentação e incompetência do Juízo Estadual. O Desembargador Relator do feito indeferiu o pedido de liminar nos termos da decisão de fls. 97⁄98, ensejando o manejo neste Superior Tribunal de Justiça do presente habeas corpus, em que reitera a insurgência.

Alega o Impetrante constrangimento ilegal, na medida em que, ao indeferir a liminar pleiteada, o aludido Relator manteve “válido o decreto de prisão preventiva exarado pelo MM. Juiz de Direito da 1.ª Vara Criminal da Capital nos autos do processo-crime n.º 1063⁄2006, o qual se mostra evidentemente ilegal, sem fundamentação e em repetição à decreto anterior já reformado por Vossa Excelência nos autos do Habeas Corpus n.º 72.735⁄SP, sendo, além de tudo, e frise-se uma vez mais, INFUNDAMENTADO, SEM RAZÃO LEGAL OU NECESSIDADE PROCESSUAL, SENDO, AINDA, A JUSTIÇA ESTADUAL, INCOMPETENTE PARA FAZÊ-LO” (fl. 04). Pondera o causídico que o suposto crime de evasão de divisas é da competência da Justiça Federal e que, por isso, não pode servir de base para a Justiça Estadual determinar a prisão preventiva. Assevera que o novo decreto prisional é uma burla à decisão anterior desta Relatora e se lastreia em considerações subjetivas, sem correspondência em fatos concretos.

Requer, assim, a concessão de liminar “sobrestando a ordem prisão decretada contra si, expedindo-se contramandados com as cautelas de praxe, ou, se for o caso, competentes alvarás de soltura, requisitando-se, ao depois, as informações da autoridade coatora, para que terminantemente, no defira-se em definitivo, a liberdade dos mesmos, quer por ser a preventiva sem fundamento legal objetivo, absolutamente em desacordo com o previsto pelo art. 312 da lei penal adjetiva, quer por se a autoridade coatora incompetente para decretar a prisão por fato alheio à sua competência, privativo que é da Justiça federal” (fls. 53⁄54).

O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fls. 109⁄111.

As judiciosas informações foram prestadas às fls. 122⁄124, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 399⁄412, opinando pelo não-conhecimento do habeas corpus e, se conhecido, pela denegação da ordem.

É o relatório.

EMENTA

HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. INCISO VII DO ART. 1.º DA LEI N.º 9.613⁄98. SEGUNDO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA A MEDIDA EXTREMA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

1. Hipótese em que o MM. Juiz da causa, em face de os réus terem sido surpreendidos tentando entrar nos EUA com US$ 56.000,00, erigiu como fundamento relevante a presunção de que estariam “providenciando meios […] para custear vida fora do Brasil, dificultando com isso, em caso de fuga, a busca da verdade real e a correta aplicação da lei penal”.

2. Sem embargo da reprovabilidade da conduta em tela – que merece oportuna apuração, e reprimenda, se for o caso, perante o Juízo Federal competente –, esse fato não é o bastante, por si só, para subsidiar um decreto de prisão preventiva lastreado na presunção de que estariam os Réus preparando meios para uma fuga. Se fosse esse mesmo o propósito, é razoável supor que seus bens naquele país, mormente a mansão mencionada na denúncia, avaliada em US$ 465.000,00 (quatrocentos mil dólares americanos), já serviriam para viabilizá-lo, sendo que tal circunstância não ensejou, antes, a medida cautelar extrema. Medida extrema que se apresenta desproporcional e sem base fática concreta suficiente para justificá-la.

3. Ordem concedida para cassar o decreto de prisão preventiva em tela, sem prejuízo de nova decretação de custódia cautelar, desde que devidamente fundamentada por razões supervenientes.

VOTO

EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

Cumpre ressaltar, desde logo, que o aludido acórdão prolatado por esta Egrégia Quinta Turma, ao julgar o HC n.º 72.735⁄SP, por mim relatado, havia concedido a ordem “para revogar o decreto de prisão preventiva em tela [o primeiro], ressaltando a higidez da decisão posterior do Juízo de primeiro grau que tornou a decretá-la por motivos supervenientes, fato que é objeto de outro habeas corpus [referência aos presentes autos]” (DJ de 14⁄05⁄2007).

Assim, do ponto de vista formal, não houve descumprimento da decisão proferida por esta Corte. Resta analisar, no entanto, se desta vez foi declinado fundamento idôneo para a constrição cautelar dos Pacientes.

Anoto, outrossim, que durante o processamento do writ nesta Corte, sobreveio o julgamento da impetração originária pela Nona Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou a ordem, mantendo a decretação da prisão preventiva dos Pacientes, nos termos do acórdão cuja cópia, que ora faço juntar, foi remetida ao meu Gabinete via e-mail.

Busca o Impetrante a desconstituição do segundo decreto prisional, que foi exarado pelo Juízo processante nos seguintes termos:

“[…] Verifica-se pelo que consta do pedido de fls. 3666⁄3670, inclusive pelos documentos de fls. 3671⁄3681, que os réus Estevam Hernandes Filho e Sônia Haddad Moraes Hernandes foram surpreendidos pelo Departamento da Polícia Federal Americana, tentando entrar naquele país com US$ 56.000,00 (cinqüenta e seis mil dólares) americanos, não declarados, praticando, em tese, delito no país estrangeiro.

Diante desses fatos, verifica-se motivo novo, que leva este Juízo presumir que os réus Estevam e Sônia estariam providenciando meios, face os dólares apreendidos, para custear vida fora do Brasil, dificultando com isso, em caso de fuga, a busca da verdade real e a correta aplicação da lei penal, portanto, decreto, face aos novos e graves acontecimentos, a prisão preventiva dos réus mencionados.” (fls. 93⁄94)

Pelo que se vê, o MM. Juiz da causa, em face dos fatos narrados, erigiu como fundamento relevante a presunção de que os Réus estariam “providenciando meios […] para custear vida fora do Brasil, dificultando com isso, em caso de fuga, a busca da verdade real e a correta aplicação da lei penal”.

Ora, sem embargo da reprovabilidade da conduta em tela — que merece oportuna apuração, e reprimenda, se for o caso, perante o Juízo Federal competente —, esse fato não é o bastante, por si só, para subsidiar um decreto de prisão preventiva lastreado na presunção de que estariam os Réus preparando meios para uma fuga. Se fosse esse mesmo o propósito, é razoável supor que seus bens naquele país, mormente a mansão mencionada na denúncia, avaliada em US$ 465.000,00 (quatrocentos mil dólares americanos), já serviriam para viabilizá-lo, sendo que tal circunstância não ensejou, antes, a medida cautelar extrema.

Nesse contexto, creio ser desproporcional a medida e sem base fática concreta suficiente para justificá-la.

Ante o exposto, CONCEDO a ordem para cassar o decreto de prisão preventiva em tela, sem prejuízo de nova decretação de custódia cautelar, desde que devidamente fundamentada por razões supervenientes.

É o voto.

MINISTRA LAURITA VAZ

Relatora

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Felix Fischer votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 08 de maio de 2008 (Data do Julgamento)

Revista Consultor Jurídico

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