Defesa do consumidor – Cobrança da Taxa de Comissão de Permanência é ilegal

por Mauro Sergio Rodrigues

Sabe-se que taxa de comissão de permanência é um encargo criado pelos bancos do país sem amparo em legislação competente. Soa duvidosa sua aplicação pelos bancos diante do que dispõe a Carta Maior assecuratória de que somente seremos obrigados a fazer ou deixar de fazer alguma senão em virtude da lei (CF/88, artigo 5º, inciso II).

Os bancos empregam esta taxa quando ocorre inadimplência contratual pelo tomador do financiamento. Nestas hipóteses o banco cobra quanto imagina ser possível do tomador, quer ele goste ou não. Geralmente a cobrança supera as taxas do contrato e as praticadas pelo mercado financeiro (ex vi, Selic/Bacen, CDB/Cetip), que eles bancos, usam entre si e para financiar o Tesouro Nacional. Dando nítida impressão de que contra o consumidor bancário tudo é permitido.

Aparentemente o Egrégio Superior Tribunal de Justiça suavizou um pouco a vida dos mutuários de empréstimos inadimplidos, ao proibir a cumulação desta cobrança com juros remuneratórios (Súmula 296/STJ), mas liberando sua exigibilidade pela taxa média apurada pelo Bacen com limitação a taxa do contrato (Súmula 294/STJ). Em outras palavras, a conta continua salgadíssima para o consumidor bancário! Diante de inexistência de legislação competente o v. entendimento sumular do STJ afigura-se equivocado, concessa venia.

A cobrança da Taxa de Comissão de Permanência é ilegal porque atenta contra os princípios da proteção e defesa do consumidor, especialmente o princípio da prévia ciência dos encargos moratórios que estará sujeito. Ora, se a relação contratual bancária é estritamente de consumo (Súmula 297/STJ e ADin 2.591/STF), os comandos do CDC em matéria de inadimplência do seu tutelado inadmite a comissão de permanência, segundo rol dos encargos moratórios previsto no artigo 52, da Lei 8.078/90. Veja que o texto somente admite cobrança de juros moratórios de 1% a.m. (simples) e multa de 2% (incisos I a V e parágrafo 1º).

Dá a impressão que para muitos “a ficha ainda não caiu”! A partir do advento da Constituição Federal de 88 estamos vivendo sob império de novo macrossistema jurídico: proteção e defesa do consumidor (artigo 5º, XXXII). Sendo assim, qualquer legislação infraconstitucional deve refletir o comando da Lei Maior, sob pena de nulidade absoluta, como é o caso da “forçada” interpretação que dão ao artigo 9º, da Lei 4.595/64, tendente a justificar a autoridade legislativa do Bacen para imposição da Comissão de Permanência.

Confronte o espírito da comissão de permanência, de reposição constante e avassaladora dos juros remuneratórios, agora travestidos de “compensatórios”, com o cerne do CDC: relação equilibrada de consumo! Que tipo ou espécie de consumo o consumidor realiza quando paga esta famigerada comissão de permanência? Absolutamente nenhum! O consumidor é forçado a pagar sem nada receber em troca. Ah! Mas ele está inadimplente. É verdade. Então porque não permitir que o senhor José da quitanda também cobre dita taxa de sua clientela, o Pedro do açougue, a Maria da farmácia? Por que só banco neste país tem e exerce direito superprotegido e hiperdiferenciado?

Se nas demais relações de consumo, os fornecedores de produtos e serviços afins devem se contentar com juros remuneratórios de 1% (pela forma simples) e multa de 2%, por que os bancos não? A propósito, não somos todos iguais perante a Lei (VF/88, artigo 5º, caput)?

Esta taxa é forma clara de rompimento do princípio inibitório do aumento arbitrário do lucro, previsto nitidamente no artigo 173, § IV, da Constituição Federal de 1988. O heróico consumidor bancário (sim, porque quando precisa de CRÉDITO, só pode se socorrer das linhas mais cara, manipulada e cartelizada do mundo), torna-se inadimplente e fica à mercê desta cobrança graças a sanha arrecadatória do banco. Seja pela exigência de juros remuneratórios estratosféricos (ex vi, Banco Carrefour S/A – 14,99% a.m. x 675,75% a.a. – fatura 1°.5.08 – cf. documento encartado em ação judicial pública) ou pelo anatocismo (cobrança de juros de juros) desenfreado.

A Constituição Federal de 1988 impõe a União competência exclusiva para legislar sobre assuntos de natureza financeira, consoante artigos 21, inciso VIII e 22, inciso VII. Este preceito constitucional torna ineficaz a Resolução nº. 1.129, de 15 de maio de 1986, diante da cristalina ofensa ao princípio da reserva legal. Esta Resolução institui a cobrança da “comissão de permanência”, nos seguintes termos: I – Facultar aos bancos comerciais, bancos de desenvolvimento, bancos de investimento, caixas econômicas, cooperativas de crédito, sociedade de crédito, financiamento e investimento e sociedades de arrendamento mercantil cobrar de seus devedores por dia de atraso no pagamento ou na liquidação de seus débitos, além de juros de mora na forma da legislação em vigor, “comissão de permanência”, que será calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato original ou à taxa de mercado do dia do pagamento. II – Além dos encargos previstos no item anterior, não será permitida a cobrança de quaisquer outras quantias compensatória pelo atraso no pagamento dos débitos vencidos. (destacamos)

Afinal, é a própria Carta Política de 1988, que assegura aos cidadãos brasileiros: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF, artigo 5º, II), repita-se.

Logo, como admitir em sã consciência que mera determinação de cunho administrativo, como é o caso desta Resolução 1.129/86 ora combatida, mesmo que procedente do CMN e Bacen possa suplantar expressa determinação de competência legislativa da União através do Congresso Nacional? Como contemporizar que uma norma administrativa, que impõe pesado encargo a ser pago pelo consumidor, não seja estabelecida pelos eminentes integrantes das duas Casas do Congresso Nacional?

Ainda no caso sob análise, é evidente ofensa ao artigo 192 da Carta Fundamental vigente, que exige Lei Complementar para disciplinar o Sistema Financeiro Nacional. No caso da “comissão de permanência”, cuja arrecadação é mais do que relevante, toca e martiriza a vida de muitos cidadãos, cidadãs e microempresários do país, este rigoroso e importante critério constitucional não restou observado.

Nosso Regramento Maior, manda proteger o consumidor. Especialmente o consumidor bancário, que pode e deve ser alvo de toda atenção e proteção do Poder Judiciário (Lei 8.078/90, art. 6º, VIII), célula mater da atividade econômica nacional (CF/88, artigo 170, V).

Legem Habemus!

Revista Consultor Jurídico

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