por Rafael Siffert Girundi do Nascimento
O mercado de seguros de automóvel tem recebido uma avalanche de ofertas de “associações de classe” e “cooperativas” que, sob o argumento de serem apenas grupos reunidos num “programa de proteção de veículos”, oferecem uma nova “alternativa” à sociedade, com intuito de substituir as seguradoras legalmente instituídas no país. Lamentavelmente, o imediatismo e a oferta de um menor preço, têm levado milhares de pessoas a aderir às ditas “associações sem fins lucrativos”, com o escopo de verem-se “seguradas” de eventuais sinistros ou perda econômica, frente a um determinado bem.
Neste sentido, muito se tem discutido acerca da legitimidade destas entidades que, por um lado, exerceriam o direito de livre associação de pessoas, constitucionalmente assegurado e, por outro, confrontar-se-iam com a legislação em vigor, que estabelece normas de funcionamento e vinculam à autorização prévia, a atividade seguradora.
Com efeito, apesar de o artigo 5º da Constituição da República instituir a livre associação, certo é que nem todas as atividades podem ser exercidas por qualquer delas, devendo sempre, submeter-se às diretrizes legais inerentes à atividade desenvolvida.
Observando a evolução histórica da atividade securitária, grande parte dos historiadores defende que esta teve início da necessidade dos antigos mercadores de dividir os riscos da sua atividade, de modo que, ocorrendo sinistro com algum deles, este não teria inviabilizada a continuidade do seu negócio. Assim, os mercantes passaram a abrir mão de parte do lucro, para o pagamento de uma importância ao grupo, que seria utilizada para suportar as eventuais despesas que poderiam alcançar elevada monta, como assaltos, morte de animais, naufrágios e perecimento de mercadorias de seus participantes.
Pois bem: com a evolução histórica do contrato, o mercado de seguros passou a ser amplamente regulamentado pelo Estado, através da Constituição da República, bem como pelo Decreto 73/66, recepcionado por aquele diploma como lei complementar e demais consectários legais, dentre estes o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual outra não poderia ser a interpretação, senão a de que qualquer associação que pretenda prestar garantia pecuniária sobre determinado bem, deverá submeter-se às citadas regras.
Certo é que, o escopo da regulamentação mencionada é a proteção efetiva dos consumidores, juntamente com a garantia da manutenção e solvabilidade da Companhia Seguradora para a continuidade da prestação do serviço. Por isso, prevê a existência de uma Superintendência específica, ligada ao Ministério da Fazenda (SUSEP), que realiza auditorias periódicas, além de zelar pela manutenção de reservas técnicas suficientes para garantir a cobertura securitária, baseando-se em cálculos atuariais, fiscalizando, ainda, as cláusulas contratuais ofertadas (Art. 36, caput, do Decreto 73/66). Tudo isto com o intuito precípuo, não de extinção dos sinistros, mas sim de garantir que a ocorrência dos mesmos não impacte de forma significativa o segurado e, consequentemente, a economia e a sociedade, cumprindo assim, a função de administradoras legais de um fundo comunitário, exercendo uma atividade de interesse nacional.
Lado outro, analisando a atividade proposta pelas ditas “associações”, especialmente no que se refere à repartição entre os associados dos prejuízos que algum deles possa vir a sofrer, tem-se que estas não observam qualquer uma das exigências legais, ofertando ao mercado “cópia” de seguro, sem garantia de pagamento das respectivas indenizações, nem mesmo fixando a contraprestação pecuniária de seus associados.
Assim, apesar dessas “associações” ofertarem, inicialmente, uma mensalidade inferior ao preço médio do mercado securitário, na realidade, o que propõem é um rateio de sinistros, sem nenhuma base sólida de cálculo, de modo a garantir ao associado que este não terá que arcar com maiores gastos do que aqueles anteriormente assumidos, ou ainda, que terá condições de suportar o dispêndio de sua cota parte.
Por conseguinte, como se trata de rateio de despesas, o aumento no número de sinistros poderá ocasionar majoração significativa da mensalidade ofertada, posto que esta é fixada sem arrimo em base segura. Como se não bastasse, não existe, na maioria dos casos, previsão de reserva capaz de suportar a indenização dos sinistros avisados, o que pode tornar a atrativa “cobertura” em relação ao preço inicial, uma imensa divisão de vultosas despesas.
Outro ponto a ser salientado acerca dos possíveis infortúnios aos “associados”, é a inexistência de relação de consumo. Como se trata, em tese, de “associação de pessoas”, reunidas sem fins lucrativos e desvinculadas de qualquer atividade consumerista, ao contrário do contrato de seguro típico, aqui não há que se falar nas proteções previstas no Código de Defesa do Consumidor, sendo controverso o respaldo da responsabilidade objetiva na prestação destes serviços e a inversão do ônus da prova com relação a estas entidades.
Tais razões levaram os órgãos fiscalizadores da atividade securitária a denunciar em torno de 35 entidades que ofertam tal “seguro”, em confronto com as disposições legais supra citadas.
Conforme divulgado pela Federação Nacional de Seguros (Fenaseg), a maior incidência da prática irregular ocorre no estado de Minas Gerais. Por este motivo, tal entidade encaminhou denúncia ao Ministério Público de Minas Gerais contra 4 (quatro) associações, sendo que, após isso, foi determinada abertura de inquérito pela delegacia de repressão aos crimes financeiros da Superintendência Regional da Polícia Federal do estado.
Outra medida coercitiva contra a prática das citadas associações foi a denúncia formulada pelo Sindicato dos Corretores de Minas Gerais (Sincor-MG), que culminou na instauração de Inquérito Civil, pela Promotoria de Defesa do Consumidor do Estado, contra a maior associação operante em Minas Gerais.
Pelas razões expostas, concluímos que, em que pese ser sugestivo o valor pecuniário ofertado aos associados, porque ainda é controversa a permissão legal para a realização da atividade “securitária” pelas “associações”, a contratação de tal “garantia” pode representar sérios riscos aos “segurados”, seja pela ausência de garantia de recebimento da indenização, seja pela contestável aplicabilidade das normas de proteção ao consumidor, vigente no país, ou até mesmo, pela possibilidade de aumento vultoso e inesperado na “mensalidade” ofertada.
Revista Consultor Jurídico