por Carlos Mafra de Laet
Pouco tempo depois da entrada em vigor da nossa Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), fui consultado a respeito da possibilidade de ajuizamento de ação de Execução para cobrança de dívida oriunda de contrato — título executivo extrajudicial — contendo cláusula arbitral. A resposta afirmativa me pareceu óbvia, desde que, uma vez garantido o juízo através da penhora, fosse o mérito da questão discutido e decidido pela via da arbitragem.
Opiniões divergentes entenderam que a cobrança deveria ser feita através do procedimento arbitral, já que a arbitragem havia sido eleita pelas partes contratantes para dirimir eventual litígio. Com todo respeito aqueles que divergiram de mim, suas opiniões me pareceram absurdas e mesmo desestimuladoras da escolha da arbitragem, como meio de solução de conflitos. Ora, afinal, o que se busca através do procedimento arbitral, senão um título executivo, conforme previsto no artigo 41 da Lei 9307/96, que incluiu a sentença arbitral no rol dos títulos executivos judiciais?
Elege-se a arbitragem por todas as suas vantagens, tais como maior celeridade, especialização e confidencialidade. O objetivo final, porém, é sempre a obtenção de um título executivo, que permita ao credor dar início a uma execução judicial com a constrição de bens do devedor, o que foge completamente da alçada do árbitro. Não faria, portanto, sentido obrigar o credor a renunciar a seu título executivo, a fim de buscar outro, através da arbitragem, permitindo, inclusive, ao devedor desfazer-se de seu patrimônio, alienando-o a terceiros que sequer poderiam tomar conhecimento da cobrança via arbitragem.
Não haveria como comprovar-se uma fraude a credores ou uma fraude à execução. Ora, tendo a arbitragem como uma de suas características a confidencialidade, ao contrário do processo judicial, ela não consta de qualquer registro público. A prevalecer tal opinião, a arbitragem, que já nasceu com tantos problemas, com tantas discussões a respeito da constitucionalidade de determinados dispositivos absolutamente relevantes para o seu desenvolvimento, acabaria por não decolar.
Criticaram-me também alguns processualistas, em razão do que entendiam um conflito das instâncias. Não vi tampouco qualquer conflito de instâncias. Depois de garantido o Juízo, suspende-se a execução, como se suspende com a interposição dos Embargos. O mérito será discutido em arbitragem, voltando-se depois ao Judiciário para avaliação e alienação dos bens penhorados. O Judiciário acolheu bem a arbitragem e suas relações com os Tribunais Arbitrais se desenvolveram de forma harmoniosa. O famoso artigo 7º afinal funcionou.
Os árbitros têm recorrido aos juízes togados, na forma da lei, respeitando os limites de sua competência, como não poderia deixar de ser. Os juízes togados, por sua vez, têm dado aos árbitros o respaldo que se esperava de nossa Justiça, contribuindo, assim, para o crescimento da arbitragem.
Convicto de minha posição, aguardava ansioso o sinal verde dos clientes para ajuizar as execuções e por à prova minha tese. Para minha grande frustração, os clientes se compuseram com seus devedores.
Foi, portanto, com muita alegria que recebi notícia do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, proferido nos autos da Medida Cautelar 13.274-SP (2007/0225507-1), em que foi relatora a ministra Nancy Andrighi, assim como do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que apreciou o Agravo de Instrumento 7.118.935-2, tendo como relator o Desembargador Roberto Bedaque.
O acórdão do STJ reconhece expressamente, como já se lê de sua ementa, que, “Estabelecida pela câmara arbitral, sua competência para decidir a questão, a pendência do procedimento equivale à propositura de ação declaratória para a discussão das questões relacionadas ao contrato. Assim, após a penhora, o juízo da execução deve suspender seu curso, como o faria se embargos do devedor tivessem sido opostos.”
No mesmo sentido, assim concluiu a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que apreciou o Agravo de Instrumento 7.118.935-2, da Comarca de Barueri: “A concordância da agravada com a solução da controvérsia pela via alternativa não significa renúncia à execução judicial do título. Ela limitou-se a cumprir a convenção de arbitragem, admitindo o desenvolvimento de atividade cognitiva no processo arbitral. Subsiste, todavia, a garantia constitucional de acesso à jurisdição estatal, visando à prática de atos executivos, para os quais o árbitro não tem atribuição. Tanto que, proferido o laudo arbitral e não cumprida espontaneamente a decisão pelas partes, é necessária a execução judicial.”
Confirma-se, portanto, cada vez mais a harmonia de que falávamos antes, essencial para o desenvolvimento da arbitragem em nosso país, o que finalmente estamos assistindo. Hoje, dentre os países latinos americanos, o Brasil é o que tem o maior número de arbitragens em curso na Corte Internacional de Arbitragem da CCI de Paris.
Concluindo, ainda que não tenha sido eu o primeiro a levar aos tribunais a tese ora comentada, pude, pelo menos diante de meus clientes, me sentir pioneiro em relação a uma matéria, que ora se vê bem definida.
Revista Consultor Jurídico