Efeito estufa – Lei da Califórnia pode excluir Brasil de créditos

por Walter Senise e Diogo Ferreira

Na contramão da postura assumida pelo governo dos Estados Unidos, alguns estados americanos, solitária e corajosamente, começam a adotar iniciativas concretas para um maior comprometimento no combate das mudanças climáticas. Quem lidera essa caminhada é o estado da Califórnia.

Tradicionalmente conhecida nos EUA como pioneira nas discussões sobre meio ambiente, a Califórnia foi o primeiro estado americano a promulgar uma lei estadual de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEEs): Assembly Bill 32. Promulgada em 2006, a lei está ainda em fase de regulamentação e deverá entrar em vigor em 1º de janeiro de 2012. No entanto, apesar da aparente distância temporal, já está causando grande polêmica nos bastidores políticos californianos.

Isso porque a lei AB 32 determina que, até 1º de janeiro de 2009, o Conselho Estadual de Recursos do Ar (Air Resources Board), órgão responsável pelo assunto, deverá definir qual o instrumento a ser utilizado para a redução das emissões.

Alguns órgãos institucionais participarão da regulamentação da lei. Entre eles se destaca uma forte coalizão de defesa ambiental chamada Environmental Justice, que tem atribuição legal para participar e votar nas negociações e tem se posicionado contra o sistema de Cap and Trade — mecanismo de reduzir emissões, seqüestrar Carbono e negociar os respectivos créditos, que são vendidos àqueles que não conseguem atingir metas de redução.

A coalizão EJ alega que permitir um sistema internacional de compensações sobre as emissões de GEEs seria apenas uma forma paliativa de contornar o problema, uma vez que induziria os grandes emissores a comprar os créditos ao invés de investir em mudanças, por exemplo, de suas matrizes energéticas, substituindo térmicas a carvão ou diesel, por térmicas a gás natural ou bicombustíveis. Os representantes da EJ acreditam, enfim, que a saída para o problema das emissões de GEEs passa por uma regulamentação baseada em políticas de eficiência energética com investimentos pesados em fontes de energia renovável, como a solar e a eólica.

Entretanto, é necessário ponderar que não é este o espírito que deve imperar na regulamentação da lei californiana. Há um equívoco de interpretação na crítica apresentada pela EJ que enfoca o sistema Cap and Trade, somente sob o prisma do princípio do poluidor-pagador. Muitas vezes o significado desse princípio é distorcido para a errônea idéia de concessão ao direito de poluir, quando na verdade é justamente uma imposição inibitória a quem não respeita o meio ambiente. Importante mencionar que o capital investido na compra dos créditos é justamente o que fomenta pesquisas para o desenvolvimento de energias limpas.

Se analisada a questão com maior critério, será percebido que o mecanismo de venda de Créditos de Carbono tem um significado muito mais amplo e profundo do que uma “hipócrita compra do direito de poluir”, como parece assim interpretar o grupo Environmental Justice. Na verdade, a comercialização de créditos de Carbono compreende uma importantíssima ferramenta de incentivo para a transição de boa parte da matriz energética mundial, há décadas baseada na queima de combustíveis fósseis de alto potencial poluidor, para uma matriz baseada na produção de energia limpa e renovável, alicerçada por uma base economicamente viável e atraente, em consonância com as regras da sustentabilidade. E se pensarmos que a tendência mundial futura é cada vez mais voltada em reduzir drasticamente as emissões gases de CO2 equivalente, a melhor alternativa e para que as economias mundiais se adaptem com o menor impacto possível é o sistema de Cap and Trade.

E o Brasil figura como candidato a um dos grandes players deste potencial mercado, caso venha ser regulado em moldes parecidos com o instrumento previsto no protocolo de Quioto chamado de emissions trading, mercado este que pode chegar a um trilhão de dólares até 2020, se os EUA como um todo adotar o sistema de Cap and Trade — segundo estudo feito e publicado em seu site pela New Carbon Finance, empresa de consultoria norte americana especializada na análise e fomento de novos negócios envolvendo o mercado de créditos de carbono. Os investidores brasileiros, que até então fixavam seus olhares somente na Europa para negociar o preço de seus certificados de reduções, poderão ter também no mercado californiano uma nova e ótima alternativa para venda de seus créditos.

Os debates que envolvem a regulamentação da lei californiana é assunto da maior relevância, pois o que for decidido na Califórnia certamente influenciará a postura política que o Congresso norte americano adotará quando abrir a discussão do tema em âmbito nacional. E levando em conta a considerável pressão que existe da comunidade mundial sobre um dos maiores emissores de CEEs do mundo, essa discussão não deve se alongar muito além das eleições presidenciais deste ano.

Assim, resta saber se o estado da Califórnia adotará a política aparentemente protecionista defendida pela EJ, ou se efetivamente abrirá as portas para que os EUA entrem de vez na corrida contra o aquecimento global. O mundo espera ansioso!

Revista Consultor Jurídico

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