Desde que foi promulgada a Lei 11.232/2005, que modificou o sistema de execução de dívidas judiciais prevista no Código de Processo Civil, adiar o pagamento ou simplesmente não pagá-lo deixou de ser um bom negócio. A avaliação foi feita pelo ministro aposentado Athos Gusmão Carneiro, do Superior Tribunal de Justiça. Ele participou da palestra Efetividade da Reforma Infraconstitucional da Legislação Processual Civil, na segunda-feira (23/6), no Ciclo de Debates promovido no auditório externo do STJ.
O ministro destaca que o avanço se deve especialmente ao dispositivo que acresceu o artigo 475-J ao CPC, estabelecendo que, após a sentença condenatória, se não efetuar pagamento da dívida em um prazo de 15 dias, o devedor terá que pagar uma multa de 10% sobre o valor total. Para Athos Gusmão Carneiro, a mudança é importante, sobretudo, para aumentar a taxa de confiabilidade nos negócios internos, o que levará, por exemplo, a uma diminuição do chamado “risco Brasil”.
De acordo com a assessoria do STJ, Athos Carneiro participou da primeira mesa do evento, que discutiu “Os reflexos das alterações da legislação das execuções cíveis no funcionamento da Justiça e teve como debatedores o juiz federal da Seção Judiciária do Paraná, Vicente de Paula Ataíde Júnior, e o advogado Paulo Hoffman, de São Paulo.
Carneiro observou que a Lei 11.232 também acabou com os embargos do devedor, mecanismo utilizado para protelar o pagamento da dívida, porque suspendia a execução. Para contestar a cobrança na fase de execução, o devedor pode apenas impugnar a cobrança, mas o ato de impugnação não tem efeito suspensivo, ou seja, o prazo para a execução continua a correr. “Agora, para o réu, é negócio pagar logo”, afirmou.
A multa de 10%, para ele, foi uma forma eficiente de compelir o devedor ao pronto pagamento. Ele diz não concordar com a interpretação que alguns juristas fazem de que a multa de 10% não deve ser cobrada caso o devedor não pague em razão da comprovada falta de dinheiro disponível.
Outro ponto controvertido, segundo o ministro, diz respeito à data inicial da contagem do prazo de 15 dias para o pagamento. Ele entende que a contagem deve ser automática, em confronto com a interpretação de outros juristas, para quem o prazo deve começar a correr no momento em que o réu for intimado. “A teoria do processo tem de se adequar à legislação vigente. O novo sistema tem de ser pensado de acordo com o seu propósito. A sentença condenatória é uma ordem e o devedor sabe dessa ordem, porque ele é citado na petição inicial. Quando o advogado é intimado da sentença, o seu cliente fica sabendo através dele”, disse.
Athos Carneiro aponta que a Lei 11.382/2006, que também alterou o CPC, trouxe uma grande novidade, que foi a alteração dos meios executórios. Antes a execução forçada dos bens do devedor era feita principalmente por hasta pública — o leilão. Com a reforma legislativa, a primeira hipótese é a adjudicação, ou seja, a transferência de propriedade do bem penhorado. Carneiro ressalta que, caso queira, o credor pode pedir a alienação do bem por iniciativa particular.
A grande inovação mesmo, disse o ministro, foi o fim da separação entre processo de conhecimento e processo de execução, o que segundo ele representou uma mudança na cultura jurídica brasileira. Ele explica que o princípio pelo qual se devia primeiro conhecer o Direito para depois executá-lo tinha profundas raízes em nosso ordenamento, remontando às tradições romano-germânicas de nosso Direito. Carneiro acentua que a derrubada desse princípio foi iniciada com a promulgação da Lei 8.952/1994, que abriu a possibilidade de antecipação de tutela, antes da fase executória, em determinados casos de urgência e relevância da satisfação do direito pretendido.
Penhora online
Uma importante novidade trazida pela Lei 11.382/2006, segundo o juiz federal Vicente de Paula Ataíde, foi a legalização da chamada penhora online, que o juiz pode efetuar pela internet, utilizando o sistema “Bacen-Jud”, mediante convênio com o Banco Central. Ataíde acentua que, embora eficiente, o sistema ainda enfrenta a resistência de muitos juízes. “Acredito que com o tempo essa resistência será eliminada”, afirma.
Mas ainda resta um calcanhar de Aquiles a ser resolvido na penhora online, alerta Ataíde: trata-se da intimação do devedor antes da penhora. Quando são intimados, muitos devedores zeram suas contas para evitar o seqüestro de seu dinheiro. Na opinião de Ataíde, deveria haver a possibilidade de o juiz, antes de citar o devedor, decretar a indisponibilidade dos seus bens por intermédio de uma medida acautelatória. “Será importante firmarmos jurisprudência a respeito disso”, diz.
Outro objeto de controvérsia, segundo o juiz, diz respeito à incompatibilidade entre o parcelamento da dívida, autorizado pelo artigo 745-A do CPC, e a possibilidade do devedor questionar a dívida. Pelo artigo, o devedor pode depositar em juízo 30% do valor da dívida e propor o parcelamento do restante em até seis vezes. No entendimento de Ataíde, se ele deposita os 30%, significa que já reconheceu a dívida, não podendo, neste caso, embargá-la.
Um ponto positivo da reforma do CPC mencionado pelo juiz foi com relação ao prazo para cobrança de títulos executivos extrajudiciais. A Lei 11.382/2006 passou a determinar que caso o devedor faça o pagamento da dívida em três dias, ele terá um abatimento de 50% no valor dos honorários advocatícios.
O advogado Paulo Hoffman, outro debatedor, defende que nas hipóteses de impugnação da dívida, previstas no artigo 475-L, não deveria haver a necessidade de prévia penhora dos bens do devedor. Ele também questiona a forma de cobrança da multa pelo atraso no pagamento. Para Hoffman, em caso de apelação, o devedor só deve pagar os 10% de multa quando houver decisão final na apelação reconhecendo como válida sua dívida.
Explicou que antes disso ele deve fazer o depósito judicial da dívida, mas sem a incidência dos 10% de multa. No entanto, na hipótese do devedor solicitar o parcelamento da dívida, facultada pelo artigo 745-A, Hoffman entende que, decorrido o prazo de 15 dias, a multa de 10% deve ser cobrada.
Hoffman também criticou o veto feito pelo Poder Executivo à inclusão do parágrafo 3º ao artigo 649 do CPC, que trata dos bens impenhoráveis. O dispositivo vetado dizia que, na hipótese de salários, vencimentos e subsídios — considerados impenhoráveis —, caso ultrapassassem 20 salários mínimos, poderiam ser penhoráveis até 40% desse total, assim como os imóveis considerados bens de família se o seu valor fosse superior a mil salários mínimos. De acordo com o advogado, as pessoas abrangidas por essas hipóteses se situam em uma faixa de renda privilegiada, o que justificaria a penhorabilidade de seus bens.
Revista Consultor Jurídico