Medicina no Tribunal – Psiquiatria Forense pode auxiliar na solução de crimes

por Daniel Martins de Barros

Se os homens são de Marte e as mulheres são de Vênus, dada a dificuldade que estes dois seres têm para se entender, podemos imaginar que o Direito é de Mercúrio e a Medicina de Urano. A distância entre essas duas ciências é tal que muitas vezes tem-se a impressão de que é mais fácil um homem e uma mulher se entenderem do que um médico e um operador do Direito conseguirem se comunicar. Mas assim como existem terapeutas de casais que procuram conciliar os sexos opostos, existem profissionais dedicados à tarefa de traduzir a linguagem das ciências da saúde para a das ciências jurídicas.

Esse desafiante papel de intérprete sempre coube à Medicina Legal, aproximando as duas áreas de forma que o conhecimento médico pudesse amparar o Direito na elaboração e execução das leis. Com o acúmulo de conhecimento, contudo, a Medicina precisou ser subdividida em especialidades, de forma que fosse possível ao médico dar conta de se manter atualizado com o volume crescente de informações. Criou-se assim uma dificuldade na já árdua missão da Medicina Legal: manter-se atualizado em todas as áreas da Medicina e ainda traduzi-las tornou-se um fardo impossível de ser carregado por um perito só. Fica evidente a necessidade dos peritos especializados em geral, e do Psiquiatra Forense em particular.

Apesar de ganhar importância nesse momento de explosão do conhecimento, a Psiquiatria Forense é antiga e sua história confunde-se com a da própria Psiquiatria clínica. Isso porque logo nos primórdios da codificação das leis os homens se deram conta de que nem todos eram responsáveis da mesma maneira: os então chamados loucos ou dementes já eram, no alvorecer do Direito, regidos por normas excepcionais.

Logo que a loucura passou a ser entendida como matéria médica, na era do Iluminismo, nascem, quase que simultaneamente, a Psiquiatria Clínica e Forense. Tal não se deu por coincidência casual, mas antes por uma necessidade premente dos operadores do Direito. A lógica é simples, podendo ser demonstrada silogisticamente:

Premissa maior: o louco goza de um status diferenciado perante a lei. Premissa menor: Os médicos são responsáveis por definir quem é louco. Conclusão: Os médicos são responsáveis por definir quem goza de um status diferenciado perante a lei.

Percebe-se que no mesmo instante em que a loucura passou para a alçada médica, dando origem à Psiquiatria, fez-se necessária a presença do psiquiatra nos tribunais. O século XIX foi a época de ouro da Psiquiatria Forense — absorvendo influências da Antropologia e da nascente Sociologia, os psiquiatras passaram a acreditar-se capazes de entender os determinantes de todo comportamento humano, diagnosticando não apenas os loucos, mas também os “loucos morais” e os “criminosos natos”, entre outros diagnósticos dessa estirpe, inflacionando sua própria importância nos processos, sobretudos criminais.

Esse avolumar de poder dado ao médico dentro dos fóruns não passou despercebido aos juristas, sobretudo aos magistrados — se determinar a origem de todo crime e dizer o que fazer com o criminoso fosse prerrogativa médica a função do juiz seria esvaziada, ficando relegada a meramente avalizar a decisão do psiquiatra. Não foram poucos os debates e as disputas travadas então, não só nos meios jurídicos, mas em toda a sociedade. Hoje é indiscutível que, embora houvesse extrapolação por parte dos médicos no que se referia a seu papel, a importância dos peritos nas causas jurídicas é crescente, sobretudo pelo avanço avassalador das chamadas Neurociências.

Se é evidente que não cabe à Psiquiatria falar sobre qualquer crime, não se pode negar, também, que muitos casos só são esclarecidos com auxílio de sua expertise. Por vezes ainda nos deparamos com resquícios da antiga Psiquiatria Forense, algumas vezes por parte de peritos que extrapolam seu papel e tantas outras por operadores do Direito que os solicitam mais do que eles podem fazer.

Revista Consultor Jurídico

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