O ministro aposentado Carlos Velloso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, enviou na sexta-feira (27/6) mensagem ao atual ocupante do cargo, ministro Gilmar Mendes, no qual detalha as circunstâncias sobre a intimação que recebeu para prestar depoimento como testemunha à Polícia Federal, em Belo Horizonte.
Na sexta, Velloso foi ouvido pelo delegado Mário Alexandre Veloso Aguiar, coordenador do inquérito da Operação Pasárgada, que investiga supostos desvios de recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Como já adiantou ao site Consultor Jurídico (Clique aqui para ler), Velloso diz acreditar em retaliação na intimação da PF. Ele foi intimado porque teria concedido, segundo as investigações, decisão favorável ao prefeito da cidade de Timóteo (MG), Geraldo Nascimento (PT).
Na mensagem, o ministro afirma que esteve com o prefeito de Timóteo (MG) na qualidade de advogado consultado, e que não aceitou a causa proposta porque estava no período de quarentena do TSE. A decisão teria sido concedida no segundo semestre de 2007. O ministro esclarece que se aposentou em 2006. Logo, seria impossível ele ter dado a liminar.
A informação, no entanto, foi divulgada por uma rádio. “Por que mandaram essa notícia à imprensa? Eu havia combinado com o delegado prestar meu depoimento, com os esclarecimentos necessários, na tarde de hoje. Por que alguém se adiantou? É incompreensível a razão dessa divulgação incorreta”, afirma na mensagem.
Ele acredita em retaliação por causa de seus pronunciamentos sobre as prisões de advogados. “Tenho verberado contra as invasões de escritórios de advocacia, sugerindo inclusive à Ordem dos Advogados do Brasil que processe as autoridades que se conduzirem com abuso de poder. Não posso admitir que, por estar defendendo prerrogativas dos advogados, eu seja alvo de retaliações. Não as temo. Não as aceito”, diz a nota.
Ele também reclamou dos termos usados pela PF na intimação, que tinha tom ameaçador. Como ex-presidente do Supremo, Velloso tem a prerrogativa de marcar dia, hora e local para o depoimento. Depois de comunicar o fato a Gilmar Mendes, ele marcou o depoimento para a tarde da mesma sexta no Centro Jurídico Brasileiro.
Velloso afirma que adotará outra atitude a partir de agora. “Vou pensar como agir. Claro que não vou deixar esse episódio passar em branco, pois se trata de uma tentativa de arranhar a minha imagem, construída, como disse, durante longos anos.”
A operação
O grupo investigado na Operação Pasárgada é acusado de desviar recursos do Fundo de Participação dos Municípios. O prejuízo pode ter ultrapassado R$ 200 milhões, segundo a PF. A operação foi feita em abril e prendeu mais de 50 pessoas, entre prefeitos, advogados, procuradores e um juiz. Foram apreendidos dois aviões, 36 automóveis de luxo, duas motocicletas, cerca de R$ 1,3 milhão e US$ 20 mil.
Em junho, a PF deflagrou a segunda fase da operação, denominada De Volta pra Pasárgada. Na ocasião, o ex-prefeito de Juiz de Fora Carlos Alberto Bejani (PTB) foi preso novamente, depois de já ter sido detido na primeira fase da operação, e liberado, após decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Após a segunda prisão, ele renunciou ao cargo.
Leia a íntegra da mensagem
Não pude aceitar os termos da intimação que me enviou a Polícia Federal, deixada em meu apartamento e recebida ontem à noite, quando cheguei a Belo Horizonte para participar do casamento de um sobrinho. O mandado de intimação, datado de 25 do corrente, marcava meu depoimento para o dia 27, sexta-feira, às 9 horas da manhã, na sede da Superintendência em Minas Gerais, com a advertência de que o meu não comparecimento, sem motivo justificado, poderia ser passível de condução coercitiva, caracterizando ocorrência de delitos de resistência (art. 329), desobediência (art. 330) e desacato (art. 331), todos do Código Penal. Não é desse modo, evidentemente, que a Polícia deve se dirigir a um ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal e ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Comuniquei-me com o Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, para dar-lhe ciência de que não me disporia, em defesa das Instituições que presidi, mesmo porque a lei me concede a prerrogativa de marcar dia, hora e local para o depoimento, a atender a tal e ameaçadora convocação. As medidas encetadas pelo Presidente da Corte Suprema foram eficientes, pois recebi, às 8 horas de hoje, comunicação do delegado, que polidamente se justificava e me indagava se pretendia receber um ofício marcando dia, hora e local por mim designados.
Decidi que o meu depoimento seria dado ainda hoje, no horário de 16 horas, mas no escritório do Centro Jurídico Brasileiro, em Belo Horizonte, que freqüento para receber pessoas e, muitas vezes, emitir pareceres.
Órgão expressivo de comunicação radiofônica divulgou, na parte da manhã, a notícia falsa de que eu havia concedido medida liminar a ex-prefeito envolvido e preso na chamada operação ‘Pasárgada’. Quando essa liminar foi concedida, em fins de 2007, eu me encontrava aposentado desde 19 de janeiro de 2006. Vejam como tais informações são maliciosas e podem tisnar a imagem das pessoas. Estou demonstrando que essa notícia não é verdadeira, pois não poderia conceder liminar um magistrado que se encontrava aposentado. Por que mandaram essa notícia à imprensa? Eu havia combinado com o delegado prestar meu depoimento, com os esclarecimentos necessários, na tarde de hoje. Por que alguém se adiantou? É incompreensível a razão dessa divulgação incorreta.
Respondo à indagação de um repórter, se estaria existindo uma retaliação contra meus últimos pronunciamentos sobre prisões espetaculares de advogados — presos e algemados — e de outros cidadãos suspeitos, aprisionados por cinco dias para deporem, prorrogáveis por outros cinco dias, nas operações policiais que recebem nomes, aparatos e convocações de centenas de agentes. Tenho verberado contra as invasões de escritórios de advocacia, sugerindo inclusive à Ordem dos Advogados do Brasil que processe as autoridades que se conduzirem com abuso de poder. Não posso admitir que, por estar defendendo prerrogativas dos advogados, eu seja alvo de retaliações. Não as temo. Não as aceito.
Tenho quarenta anos de exercício, límpido e digno, na magistratura brasileira, e cinqüenta e um anos de serviço público. Voltei ao exercício da advocacia para continuar a servir ao Direito e à Justiça.
Respondo a outra indagação sobre qual atitude adotarei a partir de agora. Vou pensar como agir. Claro que não vou deixar esse episódio passar em branco, pois se trata de uma tentativa de arranhar a minha imagem, construída, como disse, durante longos anos. A dignidade é o exemplo que deixarei para a minha família e os meus amigos.
O tema principal foi mesmo a questão do prefeito de Timóteo. Esclareci que fui procurado por um grupo de pessoas – dentre as quais se incluía o prefeito – levado ao meu escritório pelo Deputado Virgílio Guimarães, com quem mantenho relações de amizade e de respeito. Após ouvir a exposição feita pelos advogados, disse a eles que não poderia aceitar o patrocínio da causa, porque mantenho quarentena de três anos a partir da aposentadoria no TSE. Disse-lhes que em Brasília há uma constelação de advogados especializados na área eleitoral, como os advogados Fernando Neves, Henrique Neves, Torquato Jardim e Sérgio Banhos, dentre outros, que poderiam cuidar do caso.
Eles se despediram e não tive notícia do caso.
Fiz questão de responder às perguntas que me foram formuladas, prestando meus esclarecimentos à Polícia Federal que poderá divulgá-los amplamente.
Brasília, 27 de junho de 2008.
Carlos Mário da Silva Velloso
Ministro aposentado do STF
Revista Consultor Jurídico