por Bruno Barata Magalhães
No dia 4 de julho de 2008, a Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade em face de determinados dispositivos da Lei 11.705/08, popularmente conhecida como “lei seca”. Processada pelo protocolo do Supremo Tribunal Federal, a referida ação recebeu a numeração 4.103.
A mencionada ADI visa serem declarados inconstitucionais os artigos 2º, 4º e 5º, incisos III, IV e VIII, todos da lei federal 11.705/08. Os fortes argumentos apresentados pela Abrasel, em sua exordial de 34 páginas, demonstram que a manutenção de alguns dispositivos da nova lei, além de prejudicar o cidadão de bem, será a responsável por uma demissão em massa em todo o país.
A constitucionalidade da Lei 11.705/08 vem sendo questionada desde a sua sanção pelo presidente da República. Será que a nova norma legal veio para confirmar o ditado popular “os bons pagam pelos maus”? Mais que isso, é fundamental que o texto da lei não trate o cidadão comum como criminoso. O fim da conciliação e da transação penal, a questão da detenção, possíveis casos de reincidência que tornam o cidadão dotado de antecedentes criminais, são questões um tanto fortes para quem, por exemplo, consome uma taça de vinho por recomendação médica. E mesmo que não seja por recomendação médica, uma pessoa em seu momento de lazer não pode ser punida com o mesmo rigor que se pune aquele que consome várias garrafas de cerveja ou uma garrafa inteira de vinho.
Uma das novas regras trazidas pela “lei seca” refere-se à aplicação de multa para o cidadão que se recusar a fazer o teste de alcoolemia. O artigo 277, caput, do Código de Trânsito Brasileiro é claro:
“Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu estado”.
Foi dada nova redação ao parágrafo 3º do artigo acima transcrito. A partir da vigência da nova lei, aquele que se recusar a fazer o teste de alcoolemia, através do etilômetro, fica sujeito à aplicação da sanção prevista no artigo 165 do CTB. A infração é considerada gravíssima, e a penalidade é a de multa de R$ 955,00 e suspensão do direito de dirigir por doze meses. O novo parágrafo dispõe que:
“§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.”.
O teste de alcoolemia através do etilômetro é o meio através do qual se verifica a quantidade de álcool no ar expelido. Existem outros meios capazes de demonstrar a quantidade de álcool no corpo humano, porém, pelo menos por enquanto, não se verá um policial coletando sangue humano para um exame rápido em meio a uma blitz, evento que só poderá ocorrer no Instituto Médico Legal. O uso do etilômetro, conhecido como “bafômetro”, tornou-se obrigatório com o advento da lei federal 11.705/08. A recusa ao seu uso acarreta nas aplicações das sanções previstas no artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro.
O Diretor Jurídico do Departamento Estadual de Trânsito do Rio de Janeiro, Rodrigo Ferreira, em recente entrevista, afirmou que a obrigatoriedade do teste de alcoolemia pelo etilômetro não ofende o princípio do nemo tenetur se detegere. Para ele, o teste trata-se apenas de um procedimento administrativo, não configurando como uma prova no âmbito do Direito Penal.
O princípio do nemo tenetur se detegere, ou seja, a inexigibilidade de produção de provas contra si, defende que o cidadão não é obrigado a produzir provas contra si. Um dos dispositivos constitucionais utilizado, analogicamente, a fim de identificar esse princípio no ordenamento jurídico brasileiro é o artigo 5º, iniciso LXIII.
Contudo, a lei federal 11.705/08, altera o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, configurando-se como crime “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. Sob a égide da nova regra legal, não é mais necessário, para que se figure fato típico, “expor a dano potencial a incolumidade de outrem”, como rezava o artigo em sua redação anterior.
Seis decigramas de álcool equivalem, segundo estudos, a, aproximadamente três doses de uma bebida alcoólica, como três taças de vinho ou três copos de cerveja.
Com essa quantidade de álcool, o condutor do veículo tem de pagar a multa no valor de R$ 955, perde o direito de dirigir por doze anos e é detido.
É através do teste de alcoolemia pelo etilômetro que a autoridade policial pode verificar, no momento da blitz, a quantidade de álcool no sangue do condutor. Se este realiza o mencionado teste, e é apontado pelo etilômetro quantidade igual ou superior a seis decigramas, o condutor é automaticamente detido, além de sofrer as demais penalidades já citadas.
Resta evidente que o teste de alcoolemia pelo etilômetro pode e deve ser considerado uma prova penal a partir do momento em que é apontado quantidade igual ou superior a seis decigramas de álcool, haja vista, a partir daí, estar configurado um tipo penal.
Não se pode considerar o mencionado teste como um simples procedimento administrativo, a uma, por ser solicitado por autoridade policial, a duas, porque ele pode resultar na detenção de quem o faz. Portanto, no momento em que o condutor se recusa a realizar o teste do etilômetro, ele está apenas resguardando o direito de não produzir prova contra si, conforme reza o princípio concebido no Direito Romano do nemo tenetur se detegere.
O julgamento da ADI 4.103, tanto de sua medida liminar, quanto de seu mérito, será de fundamental importância para se verificar se o Pretório Excelso seguirá princípio e entendimento jurídicos milenares, ou se o autoritarismo visto pelos brasileiros na ditadura militar retornará na forma de um teste de alcoolemia.
Revista Consultor Jurídico