Garantia do cidadão – Delegado de polícia deve ter mesmo salário de promotores

por Fabiano Bordignon

O processo e a aplicação das leis penais no Brasil se dão mediante decisões autorizadas de, no mínimo, três autoridades públicas: o delegado, o promotor e o juiz.

O delegado, a partir dos elementos perfunctoriamente colhidos, inicia a persecução criminal, decidindo sobre a colheita de testemunhos, provas documentais, perícias (artigo 6º do CPP) e o resultado da apuração é analisado pelo promotor que, decidindo a partir do trabalho anterior, forma seu convencimento e encaminha os fatos para julgamento, que é realizado com intenso grau de cognição pelo juiz criminal, mediante sentença.

A profundidade da análise nesta última fase dependerá fortemente da qualidade das provas colhidas na fase pré-processual, conforme se vê, por exemplo, nas operações policiais realizadas recentemente, principalmente pela Polícia Federal, em que a qualidade das provas reunidas no bojo de robustos inquéritos policiais facilita a instrução da fase processual e garante segurança maior para o julgamento final dos fatos.

Essa sucessão de decisões é uma conquista e uma garantia do cidadão, vez que em passado não muito distante as resoluções sobre investigação, acusação e condenação eram poderes (e deleites) de uma única figura, passado ao qual não devemos retroceder, não obstante movimentos doutrinários tendentes a enfeixar poderes em um único órgão persecutório-penal.

Quanto maior for a qualidade das apurações iniciais, normalmente concentradas no tempo, melhor serão as possibilidades de uma denúncia abalizada e de uma sentença justa, realizadas respectivamente, pelo promotor e juiz.

Assim, salta aos olhos a necessidade constante de aprimoramento e de qualificação da primeira autoridade pública que deve se debruçar juridicamente sobre um fato punível, pois é o delegado de Polícia quem primeiramente procede, julga e formaliza a voz de prisão em flagrante, resolve pela regularidade da prisão ou liberdade do conduzido (artigo 304 do CPP), pela perfeita colheita de provas e pela condução dos trabalhos da delegacia, devendo exercer liderança e controle sobre os demais policiais subordinados, agentes vinculados da sua autoridade.

Em síntese é um dos mais importantes garantes dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição Federal, pois é a primeira autoridade pública a desencadear o trabalho do Estado, no início da persecução penal. Seu trabalho é de fundamental importância para o Estado Democrático de Direito, para as garantias do cidadão e para o êxito final da persecução penal.

No entanto é a autoridade com menores garantias comparativamente aos membros do Judiciário e Ministério Publico, não possuindo garantias de inamovibilidade, por exemplo, com diminuto poder requisitório (possibilidade de requisitar, por exemplo, informações cadastrais de bancos de dados públicos e de natureza pública em prol da segurança), mas com grandes cobranças para que apresente investigações criminais com elevado nível de cognição, límpidas, sem exposições desnecessárias dos indiciados (eventualmente presos) e, no tempo que sobra ainda resolver o problema — de causas eminentemente sociais — da segurança pública. Em resumo: têm grandes deveres, poucos poderes efetivos e menor remuneração e estrutura.

Alguns, com críticas ácidas à Polícia Judiciária e aos delegados de Polícia discursam afirmando a possibilidade de outros órgãos realizarem investigações criminais, ao invés de darem (ou lutarem) para o aparelhamento e formação adequada da Polícia Judiciária, esquecendo-se que a liberalização das investigações criminais é mais uma afronta e um grande risco ao cidadão comum que deve ter uma garantia mínima de saber que sendo investigado na seara criminal o será mediante a atuação de um delegado de Polícia, mediante atos de Polícia Judiciária.

A Proposta de Emenda Constitucional 549/2006, em trâmite no Congresso Nacional, busca estabelecer patamar isonômico entre os subsídios dos promotores, que participam da persecução criminal preliminar e delegados, na esfera Estadual e Federal, mas recebe críticas ferrenhas e defesas igualmente destacadas. Em síntese consiste em um debate inicial sobre a concessão de garantias aos exercentes das funções de autoridades policiais, cargo naturalmente jurídico, vez que o delegado interpreta e decide (normalmente em curto lapso de tempo) sobre a aplicação de uma miríade de leis penais e processuais, julgando e atuando por delegação do Estado em atribuições Constitucionais — formação/imputação da culpa e prisão — por exemplo, tornando-se também um agente político, já que decide frequentemente sobre o mais importante dos direitos constitucionais do ser humano: a Liberdade.

Não se trata, como inadvertidamente se falou alhures, em transformar delegados em juristas já que tal título, eminentemente acadêmico, está ao alcance dos bacharéis em Direito que humildemente perseguem o aprimoramento de seus estudos. O cargo de delegado é obtido através de concurso público, via de ascensão democrática à função de decidir sobre investigação criminal. Trata-se apenas de garantir isonomia remuneratória para funções destacadas e fundamentais para a garantia dos direitos do cidadão, um passo à frente para a valorização da Polícia Judiciária, de todos os policiais e o início de uma revisão geral da persecução penal no Brasil.

Revista Consultor Jurídico

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