Não ao corporativismo – Judiciário não pode ser omisso ao julgar assédio moral contra juíza

por Pedro Benedito Maciel Neto

Vivemos em Campinas (SP) uma situação inusitada: serventuários do Poder Judiciário apresentaram à Corregedoria do Tribunal de Justiça representação contra uma juíza por assédio moral. Não se trata de um caso que nos contaram, distante de nossas vidas, do nosso cotidiano. O fato diz respeito a pessoas que conhecemos e com as quais convivemos durante mais de uma década e meia.

Bem, sabemos que o trabalho e a dignidade da pessoa humana do servidor público são tutelados constitucionalmente, sabemos que o trabalho humano livre e digno é inerente à pessoa humana, e, em sendo assim, constitui princípio universal previsto inclusive na Declaração Universal dos Direitos Humanos que aprovada no dia dez de dezembro de 1948, dispõe em seu artigo 23.1: “Toda pessoa tem direito ao trabalho à livre escolha do trabalho; a condições eqüitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego”, e com os servidores não poderia ser diferente.

Podemos afirmar que a dignidade da pessoa humana compreende a liberdade, a igualdade e a fraternidade, os quais são o escopo da Declaração dos Direitos do Homem, e princípios basilares, que devem nortear as relações na sociedade.

A dignidade humana é considerada por Norberto Bobbio como o núcleo dos direitos fundamentais do cidadão, e segundo o mesmo, integra tal como a vida, o direito natural, não podendo haver qualquer tipo de intervenção, salvo, quando visar à garantia e proteção do Estado.

O fundamento da dignidade humana está assentado no imperativo categórico que exalta a autonomia individual, fazendo da vontade do indivíduo uma lei universal, devendo ser considerada a pessoa humana fim e não meio e isso somente é possível se houver valorização e respeito à dignidade da pessoa humana e, conseqüentemente, respeito às liberdades individuais e públicas, reconhecidas pela Declaração dos Direitos Humanos.

O ordenamento jurídico constitucional reconhece a pessoa humana como elemento central dentro do Direito, bem como o valor inestimável do trabalho humano, além de sua importância social econômica na produção de bens e serviços e conseqüente desenvolvimento econômico social. Erigiu o trabalho e dignidade humana como pilares do Estado Democrático de Direito (CF artigo 1º III e IV), proclamando na ordem econômica a valorização do trabalho (CF artigo 170) e que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo, a justiça e o bem estar social (Constituição Federal artigo 193)”.

A Carta Magna de 1988 atribuiu à dignidade humana a categoria de princípio fundamental, instituindo os chamados direitos e garantias fundamentais que preservam a dignidade humana, protegendo os atributos inerentes à vida, liberdade, igualdade, intimidade, privacidade, trabalho, saúde, educação, propriedade, meio ambiente, não pairando dúvida de que o trabalho é direito fundamental bem como a defesa dos direitos da personalidade do empregado, além de pertencer à categoria dos direitos sociais (CF artigo 6º).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que na União Européia treze milhões de pessoas sofram em razão do tratamento tirânico perpetrado por seus chefes, equivalendo este montante a nove por cento dos trabalhadores da mesma U.E. Chegando-se na Suécia a 15% dos suicídios sendo decorrentes desse comportamento abusivo.

Nesse sentido, o assunto é serio e os serventuários do Poder Judiciário devem ter suas reclamações bem estudadas pelo órgão competente do Judiciário Bandeirante.

Afinal, o meio ambiente de trabalho — conceituado como conjunto de bens materiais e imateriais pertencentes às atividades empreendedoras, de fim lucrativo ou não, abrangendo a força do trabalho humano, as condições de trabalho, enfim, a organização da produção e do trabalho como um todo.

Quanto à natureza jurídica do meio ambiente de trabalho, não se trata de uma garantia fundamental de interesse individual, mas de uma garantia fundamental de interesse coletivo, devendo o Poder Público e a coletividade preservá-los, como também dever de cada trabalhador, do empregador e do próprio poder público a preservação do meio ambiente laboral para a sadia qualidade de vida.

O meio ambiente do trabalho integra o meio ambiente global e é certo que a Constituição, através do artigo 225, dispõe sobre o meio ambiente como um todo, de forma genérica. O legislador constituinte, porém, atento à saúde e qualidade de vida do trabalhador, estabeleceu relação direta entre o meio ambiente de trabalho equilibrado e a saúde do trabalhador quando dispôs que ao Sistema Único de Saúde, além de outras atribuições, compete: “colaborar com a proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (Constituição 200 VIII)”.

Portanto, não convém que o Poder Judiciário paulista permita por sua omissão ou por corporativismo que o meio ambiente de trabalho dos nossos serventuários se transforme num campo de conflito, afinal essas as pessoas devem ter a oportunidade de trabalhar em paz. Em não sendo assim, estaríamos, de outro modo, vivendo uma nova fase de escravagismo, a saber, aquele psíquico, o cativeiro da alma.

Revista Consultor Jurídico

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