Capítulo da fábula – Protógenes parece ignorar essência do trabalho da imprensa

por Vera Brandimarte

No último dia 10 de março, Elissa Khouri Daher ligou para a secretária de Naji Nahas para lhe recomendar um almoço do investidor com Vera Brandimarte, diretora do jornal Valor Econômico, por sugestão de Paulo Andreoli, da empresa de assessoria Andreoli MS&L. No telefonema, gravado pela Polícia Federal, Elissa, assessora de Nahas, diz que, segundo Andreoli, tal encontro seria muito importante.

A partir desse telefonema, o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz construiu um enredo de novela: Nahas estaria comprando a simpatia do jornal para os seus negócios. Tal versão, que consta em relatórios vazados à farta pela Polícia Federal, poderia até soar verossímil para desavisados não fosse pelo pequeno detalhe de que jamais existiram esse almoço, um contato telefônico ou troca de sinais de fumaça de Nahas e seus prepostos comigo, diretora do Valor.

Aí vão os fatos que o delegado não se deu ao trabalho de apurar. Protógenes e sua equipe não conseguirão provar sua tese porque não conheço Naji Nahas, nunca troquei com ele uma palavra por telefone ou e-mail.

Seus contatos com a direção do jornal se deram por meio de cartas, escritas por seus advogados e a mim endereçadas, questionando matérias publicadas no Valor. Seus advogados exigiam a publicação dessas cartas “nos termos da lei” — o que, na linguagem jurídica, significa: publiquese a carta ou o jornal será processado.

Foram-me enviadas por fax e seu conteúdo é público, pois foram editadas na seção de cartas do jornal e permanecem disponíveis para os leitores no endereço www.valoronline.com.br.

A recomendação de Andreoli para Nahas procurar a direção do jornal não seria de estranhar, considerando-se a ambição da última cartada do investidor.

No dia 4 de outubro, o Valor publicou matéria contando que Nahas, apontado como um dos principais responsáveis pela quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) 18 anos atrás, ressurgia na figura de vítima, reclamando na Justiça do Rio uma indenização bilionária por danos materiais — nada menos que R$ 10 bilhões da BVRJ e da Bovespa, comprada pela BM&F e já em processo de abertura de capital. Nos meses seguintes, novas matérias acompanhando o desenrolar da ação foram publicadas. Procurado pelo jornal, Nahas não quis falar e se fez ouvir por meio de seus advogados.

No calor da batalha jurídica com a Bovespa, um dos jornalistas da Andreoli, Valdeci Verdelho, entrou em contato no dia 2 de fevereiro com minha secretária, solicitando um encontro de Nahas comigo. O investidor recorria agora diretamente à direção do jornal — e não ao jornalista que cobria o caso e nem ao rotineiro expediente da exigência de publicação de cartas como direito de resposta. Verdelho ouviu que minha agenda estava sobrecarregada pelos próximos dois a três meses.

O encontro nunca foi agendado.

Mas o fato é que poderia ter sido, sem que isso confirmasse o roteiro novelesco do delegado. Assim como o direito constitucional de qualquer acusado é o de ser ouvido, o primeiro mandamento do jornalismo é dar voz a todas as partes envolvidas na matéria a ser publicada, não importa se mocinho ou vilão — julgamento que, por sinal, é tarefa da Justiça e não da mídia. Assim, tanto quanto a Bovespa, Nahas tinha direito a expor seus pontos de vista.

Se ele preferiu fazê-lo por meio de seus advogados, essa foi uma opção — teria outra, a de atender o jornalista quando procurado. Se tal tivesse ocorrido, esse contato configurar-se-ia crime da parte do jornalista, mesmo se ele soubesse que Nahas estava sob investigação, o que naquele momento se desconhecia? O delegado Protógenes parece ignorar a essência do trabalho da imprensa e alguns preceitos constitucionais básicos.

Talvez também não saiba que todo dia dezenas de assessores de imprensa repetem o mesmo conselho aos seus clientes: é importante falar com o Valor Econômico. Pelo simples fato de que, hoje, o Valor é o mais influente jornal no meio empresarial e tudo o que sai em suas páginas tem imediata repercussão. Não é à toa.

Isso ocorre pela alta credibilidade do jornal, construída ao longo de oito anos com o trabalho diligente de seu corpo de profissionais. Com sua acusação infundada, leviana, o delegado Protógenes não ofende só a mim, uma profissional com 25 anos de carreira sem qualquer suspeição, mas a todo o time de profissionais do Valor, ao pôr em dúvida a seriedade do jornal.

A mídia tem dado amplo apoio e cobertura à ação da Polícia Federal na apuração de crimes do colarinho branco. E nem poderia ser diferente. Quantas dessas investigações não foram despertadas por apuração contida em uma matéria jornalística? A mídia reconhece a importância deste momento notável da ação policial e jurídica, que até pouco tempo referendava o entendimento de que criminoso rico era inimputável. Todavia, a forma como muitas vezes são conduzidas essas operações, em flagrante desrespeito aos direitos constitucionais do cidadão, atenta contra a democracia, lança descrédito sobre toda uma operação policial e torna criminosa a ação da autoridade que deveria estar zelando pelo cumprimento da lei.

[Artigo publicado no jornal O Globo, desta quinta-feira, 24 de julho]

Revista Consultor Jurídico

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