Questão polêmica – Buscas em escritórios: estão fazendo uma aberrante confusão

por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Rubens Approbato Machado e Alberto Zacharias Toron

Acalorou-se nos últimos dias a discussão sobre a sanção pelo presidente da República do projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional que trata da inviolabilidade dos escritórios de advocacia. Andam dizendo que o advogado pretende colocar-se acima da lei e, a prevalecer o pretendido no projeto, não poderiam ser decretadas a busca e a apreensão em escritório de advogado, mesmo se surgissem indícios veementes de que o local estaria sendo utilizado para ocultar a arma — um revólver ou uma faca — utilizada para a prática de um homicídio, servindo o seu escritório como uma espécie de esconderijo de provas.

Estão fazendo uma aberrante confusão entre situações bem distintas. Se o advogado guarda no cofre de seu escritório meio quilo de cocaína ou instrumentos para a falsificação de documentos, ele pratica crime e, como qualquer cidadão, está sujeito aos rigores da lei. Pode (e deve) sofrer todo tipo de investigação, inclusive busca e apreensão. O projeto aprovado prevê expressamente a possibilidade da adoção da medida em questão até mesmo nos casos em que o defensor for mero partícipe (cúmplice) de um crime. Portanto, é falsa a idéia de que o advogado é posto acima da lei, ou que seu escritório seja um escudo protetor para a guarda de instrumentos ou de produto do crime.

Mas, afinal, por que são necessárias regras disciplinando a busca e apreensão nos escritórios de advocacia?

O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, com larga experiência na defesa de presos políticos, advertiu que o resguardo do sigilo do advogado não o está protegendo “por privilégio corporativo, mas ao cidadão que confia no advogado como confia no médico que registra suas moléstias e fraquezas, no confessor que acolhe o confidente” (Para que vale o advogado? Sigilo profissional protege o cidadão, não o advogado — Consultor Jurídico, 17/6/2005). Régis de Oliveira, deputado federal e antigo desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, pondera: “Aquele que vem ao advogado deve poder sentir segurança nas informações que lhe passa; deve ter a garantia de que seu segredo não será revelado. Tanto quanto o padre ou o pastor e outras autoridades religiosas é obrigado, por seus votos, a guardar segredo da confissão, o advogado não pode trair ou ver traída a confidência que lhe foi dada. Os dados que a ele foram conferidos constituem o sigilo profissional do advogado e este é indevassável por quem quer que seja. O Estado Leviatã, todo-poderoso e onipotente, não tem espaço em nossos dias. O Grande Irmão é fruto da distorção comunista de Estado.” A democracia, conclui, “não admite a quebra de seus princípios e regras” (Quebra de prerrogativas: invasão de escritórios traz à tona crise de valores — Consultor Jurídico, 22/6/2005).

Num Estado Democrático de Direito a investigação criminal não é ilimitada. A proibição de torturar para se desvendar um crime representa um claro limite à atividade investigatória estatal, definido na própria Constituição da República. Idem quanto à realização de grampos telefônicos fora das hipóteses legais e sem autorização judicial. Nessa linha, o cidadão suspeito da prática de um crime tem o direito de se comunicar sigilosamente com seu advogado, não se podendo “grampear” tal comunicação sob o prepotente argumento de se tratar de um indispensável “método moderno” de investigação. Os fins não justificam os meios.

Pela mesma razão, isto é, para garantir o sigilo inerente à relação entre o advogado e o cidadão que o procura, o Estatuto da Advocacia (Lei 8.096/94), há quase 15 anos, já estabelece a inviolabilidade do escritório do profissional, juntamente com seus arquivos físicos e eletrônicos. Tal inviolabilidade se prende à função exercida pelo advogado, que é entendida pela Constituição como essencial à realização da própria justiça.

Ora, diante dos abusos praticados nas diferentes operações da Polícia Federal, o projeto de lei em discussão apenas torna mais clara a inviolabilidade do escritório do advogado no que diz respeito a seus instrumentos de trabalho (computadores, telefones, arquivos impressos ou eletrônicos, livros e anotações, mídias, etc.), correspondência escrita, telefônica e telemática, mas “sempre que relativas ao exercício da Advocacia” (artigo 7º, II), impedindo ordens de busca e apreensão genéricas, que permitiam uma verdadeira devassa. Soa estranho que em 1901 o grande João Mendes tivesse claros os limites da busca e apreensão no escritório do advogado e, agora — sob a égide de uma Constituição cidadã — se queira desguarnecer o cidadão a ponto de se aniquilar o que há de mais importante na relação com seu advogado: o sigilo.

Portanto, para resguardar a cidadania, a advocacia unida aguarda a sanção do projeto.

Alberto Zacharias Toron, advogado, doutor em Direito pela USP, diretor do Conselho Federal da OAB, é presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas da OAB

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado, foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo e presidente da OAB-SP

Rubens Approbato Machado, advogado, ex-presidente do Conselho Federal da OAB, ex-Secretário da Justiça do Estado de São Paulo, é presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD)

[Artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, desta quarta-feira, 30 de julho.]

Revista Consultor Jurídico

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Init code Huggy.chat End code Huggy.chat