A legalidade de se fixar uma pena maior do condenado por uso de arma de fogo está condicionada à comprovação do real potencial de ferir do objeto. Para tanto, é preciso apreender a arma, fazer exame pericial ou apresentar outras provas que concluam pela sua potencialidade lesiva. A decisão judicial não pode se basear, apenas, no depoimento das testemunhas ou em opiniões subjetivas a respeito da gravidade do crime.
Com base nesse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reduziu a pena de Maicon Roberto Gobetti a pedido da Defensoria Pública de São Paulo. Ele foi condenado pelo crime de roubo à mão armada em regime inicial fechado pelo Tribunal de Justiça paulista.
A Defensoria recorreu ao STJ alegando constrangimento ilegal. Motivo: a decisão do TJ-SP manteve a “circunstância agravadora do emprego de arma de fogo, mesmo não tendo o revólver sido apreendido e periciado”. Não houve, portanto, prova de que o artefato era real e não de brinquedo nem de sua potencialidade lesiva.
Segundo o defensor público, a pena de Maicon Gobetti foi aumentada em três oitavos sem a devida fundamentação, ou seja, sem haver elementos concretos que autorizassem a elevação. O TJ-SP manteve o regime inicial fechado baseado na decisão de que “na gravidade abstrata do delito cometido, contrariando as Súmulas 718 e 719 do STF, além do artigo 33 do Código Penal, que estabelece o modo semi-aberto inicial”, acrescentou a defesa.
O relator do Habeas Corpus no STJ, ministro Jorge Mussi, acolheu os argumentos da Defensoria de acordo com o posicionamento adotado pelo Tribunal após o cancelamento da Súmula 174 (no crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena).
“Ao prever a possibilidade de aumentar a pena descrita no artigo 157 do Código Penal, a lei trata a arma como objeto apto a lesar a integridade física do ofendido, constituindo perigo real, o que não ocorre nas hipóteses em que não há comprovação, pela necessária perícia ou por outros elementos probatórios, de seu poder lesivo, como ocorre nesse caso”, explicou o ministro.
Em seu voto, Jorge Mussi excluiu da condenação a causa especial de aumento da pena, reduzindo-a para cinco anos e quatro meses de reclusão. O ministro também determinou que o regime inicial semi-aberto. “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea. Portanto, a decisão do TJ-SP encontra-se em dissonância com o entendimento deste Tribunal Superior, que fixa a pena-base no mínimo legal nos casos em que o acusado é primário e detentor de bons antecedentes”, concluiu.
O debate
Apesar de o voto ter sido acompanhado por unanimidade, a tese gerou debate na 5ª Turma. Para o ministro Napoleão Maia Filho, as decisões envolvendo a questão precisam ser revistas. “Está havendo uma certa liberalidade por parte do STF e do STJ nesses casos e, só hoje, já julgamos 12 casos que apresentam os mesmos argumentos de defesa”.
Para Maia Filho, o cidadão que está sendo ameaçado não pode saber se a arma vai realmente feri-lo. “O ônus da prova não pode ser da vítima, e sim do agressor. Não há como saber, no momento do roubo, se a arma é de brinquedo ou se está carregada ou não. Além disso, a arma pode servir como porrete, ou seja, ela tem a eficácia que sugere ter.”
O representante do Ministério Público Federal, subprocurador Brasilino Pereira dos Santos, afirmou estar “preocupado” com o rumo das decisões do STJ após a revogação da Súmula 174. “Concordo com o ministro Napoleão. Uma pessoa que tem uma arma apontada para ela pode até morrer de ataque cardíaco sem saber se o revólver realmente tem o poder de feri-lo ou não”, ponderou.
Já para o ministro Felix Fisher, o aumento da pena para condenados por crime de roubo só pode acontecer quando fica comprovado o “perigo concreto” da arma de fogo.
HC 104.290
Revista Consultor Jurídico