1978 não é um ano para ser lembrado na história do Direito brasileiro. A dez anos do AI-5, a canetada que restringiu direitos e consolidou a ditadura militar implantada com o golpe de 1964, e sob o tacão de Ernesto Geisel, o terceiro sucessor na dinastia de generais que ocuparam a presidência, o país vivia tempos sombrios. Mas foi nesse clima inóspito que se deu a festa de formatura da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e que reuniu simbolicamente representantes de três gerações que iriam entrar para a história do Direito e da Justiça brasileira.
O mais velho dos três era o paraninfo da turma, Heráclito Sobral Pinto, advogado que se notabilizara pela defesa de presos políticos e que se transformou num símbolo da resistência à ditadura. Impossibilitado de comparecer ao evento por uma crise de erisipela, o paraninfo foi representado por Sepúlveda Pertence, um ex-procurador da República cassado pela ditadura que se defendia advogando em Brasília. O terceiro personagem da festa era o jovem formando e orador da Turma, Gilmar Mendes.
Sobral Pinto morreu em 1991 aos 98 anos de idade, já transformado em um ícone da defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais. Pertence se transformaria no ministro do Supremo Tribunal Federal que conduziu como um símbolo a transição da corte para a plenitude democrática. Gilmar Mendes representa o grande defensor na última fase de consolidação do Estado Democrático de Direito.
Com Sobral Pinto, mais uma vez ausente, os demais participantes daquela festa comemoram nesta quarta-feira (20/8), num jantar solene, os 30 anos da formatura da turma Aliomar Balieiro da Faculdade de Direito da UnB. Na celebração, dessa quarta-feira, serão repetidos os discursos dos três oradores daquela noite. Apesar de curtos — afinal aqueles eram tempos de censura plena em que falar era muito perigoso — vale à pena ouvir de novo o que se dizia.
Pertence, a quem coube ler o discurso de Sobral Pinto, fez a apresentação do paraninfo: “Sobral Pinto é mais do que um liberal, é de alma um libertário, embora o sentimento da ordem e da hierarquia nunca o abandonem. Nele se identifica no nosso meio o genuíno exemplar do homem livre, integralmente livre”.
Em seu discurso, lido por Pertence, Sobral Pinto lembrou que aquela era a segunda vez em sua vida que era escolhido paraninfo de uma turma de formandos. E era a segunda vez que não podia comparecer à formatura. Na primeira vez, a festa de formatura da Universidade Federal de Goiás que ele deveria prestigiar aconteceu exatamente um dia após a decretação do AI-5, no dia 14 de dezembro de 1968. O bravo advogado defensor de presos políticos havia sido preso “por quatro policiais irresponsáveis, comandados por um major do Exército”. Mesmo ausente, o paraninfo não perdeu a oportunidade de reclamar por liberdade: “Cumpre restaurar em nossa atribulada pátria o reinado soberano do Direito”, disse na voz de Pertence.
Gilmar Mendes foi ainda mais lacônico – seu discurso se resumiu a duas rápidas páginas, mas com idéias não menos incisivas sobre Direito e Justiça: “Não há fugir a este dilema: ou entendemos o Direito como instrumento realizador de Justiça Social, ou estaremos todos a corroborar a fina ironia de Anatole France ao afirmar que a lei, na sua magestática igualdade, proíbe igualmente ao rico, como ao pobre, furtar um pão, dormir sob as pontes e mendigar pelas ruas”.
A comemoração será nesta quarta-feira (20/8), no Auditório Joaquim Nabuco da universidade. Outros dois destaques da Turma Aliomar Balleiro são Marisa de Souza Alonso, hoje assessora da presidência do Supremo, e Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima, hoje secretária-geral do TSE. Depois do discurso, Gilmar Mendes acabou convidado para ser professor assistente da UnB assim que se formou.
Veja a programação
9h — Abertura com homenagem aos professores
9h30 — Palavras do Orador Ministro Gilmar Mendes
10h — Discurso do Paraninfo Sobral Pinto, que será novamente lido pelo ministro Sepúlveda Pertence.
10h30 — Histórias e Memórias com professores e alunos.
11h30 — Placa comemorativa.
12h30 — Almoço de confraternização.
Revista Consultor Jurídico