O Supremo Tribunal Federal faz nos próximos dias 26 e 28 de agosto e 4 de setembro audiência pública para debater o aborto de feto anencéfalo. A iniciativa de organizar audiência pública partiu do ministro Marco Aurélio, relator da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Na ação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) pede que o aborto de fetos sem cérebro não seja considerado crime.
É a terceira audiência pública feito pelo STF. A primeira debateu as pesquisas com células-tronco embrionárias, depois aprovadas pelo tribunal, e a segunda, a importação de pneus usados, ainda sem julgamento.
Dessa vez, os especialistas terão 15 minutos para expor seu ponto de vista e juntar memoriais ao processo. As sessões acontecerão a partir das 9h, na Sala de Sessões da 1ª Turma do STF.
As entidades e técnicos convidados a participar da audiência deverão manifestar-se “não só quanto à matéria de fundo, mas também no tocante a conhecimentos específicos a extravasarem os limites do próprio Direito”, informou Marco Aurélio.
No dia 26 de agosto, vão se manifestar a CNBB, a Igreja Universal do Reino de Deus, a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família e a ONG Católicas pelo Direito de Decidir.
No dia 28, serão ouvidos representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM), da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, da Sociedade Brasileira de Genética Clínica, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, além do deputado José Aristodemo Pinotti (DEM-SP), especialista em pediatria, ginecologia, cirurgia e obstetrícia e ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Para o dia 4 de setembro estão previstas exposições do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis); da Associação de Desenvolvimento da Família (Adef); da Escola de Gente e da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos.
O ministro Marco Aurélio indeferiu pedido do Ministério Público para que fossem ouvidos oito professores sem especificação das respectivas áreas de atuação. Segundo ele, a relação de entidades convidadas “já revela a audição sob os diversos ângulos envolvidos na espécie”.
O que diz a lei
Os artigos 124 e 126 do Código Penal classificam como crime o aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (artigo 124), e pela ação de terceiro, sem consentimento da gestante (artigo 126).
No que se refere à relação médico-gestante, o artigo 128 do CPP prevê que não será punido o médico que praticar aborto terapêutico nos casos em que haja risco para a gestante ou caso de estupro, com o consentimento da gestante ou, se esta for incapaz, de seu representante legal (artigo 128).
Segundo literatura médica citada pela CNTS, feto anencéfalo é aquele de má-formação por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, que não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex. De acordo com os estudos, um bebê nessas condições tem 65% de chance de ter morte intra-uterina e sobrevida de, no máximo, algumas horas após o parto.
Ação no STF
Na ação no Supremo, a CNTS argumenta que a permanência de feto anômalo no útero da mãe é perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante. Diz ainda que “impor à mulher o dever de carregar, por nove meses, um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana (artigo 5º da Constituição Federal) – a física, a moral e a psicológica – e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde”.
O processo chegou ao STF em 2004 e foi distribuído para o ministro Marco Aurélio em 17 de junho daquele ano. Em decisão liminar de julho de 2004, o ministro autorizou, liminarmente, o aborto de fetos sem cérebro. Em outubro, essa liminar foi cassada pelo Plenário.
No curso do processo, diversas entidades pediram para ser admitidas como amicus curiae (interessados no processo). Foi o caso, entre outras, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), seguida pela organização não-governamental (ONG) Católicas pelo Direito de Decidir, a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, entre outras.
No entanto, as instituições tiveram o pedido negado pelo ministro-relator, sob o argumento de que “não se enquadra no texto legal evocado pela requerente”.
Ainda em 2004, o então procurador-geral da República, Claudio Fonteles, opinou contrariamente às argumentações da CNTS, o que gerou manifestações dos dois lados sobre a manutenção ou não da vida de fetos anencéfalos. Com isso, o ministro Marco Aurélio tomou a decisão de fazer audiência pública para ouvir as diversas opiniões da sociedade e especialistas sobre o assunto.
Para ler a decisão de convocar a audiência pública, clique aqui.
ADPF 54
Revista Consultor Jurídico