O ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, cancelou a viagem que faria para a Coréia do Sul neste final de semana, onde participaria da celebração de 20º aniversário da Constituição e da Corte Constitucional do país. O ministro falou por telefone com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e combinaram de se reunir na segunda-feira. Deve participar também do encontro o presidente do Senado, Garibaldi Alves.
O motivo é a reportagem publicada pela revista Veja, indicando que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) — órgão da Presidência da República — está grampeando ilegalmente congressistas, o presidente do STF e até aliados do governo. Antes do encontro com o presidente, os ministros do Supremo deverão reunir-se a portas fechadas para que Gilmar compareça ao Planalto levando a opinião de todo o colegiado.
Na primeira rodada de discussões no Palácio do Planalto sobre os grampos ilegais feitos pela Abin, a tendência foi negar os fatos e inverter a situação, partindo para cima da revista Veja. Pela lei, a Abin, órgão subordinado ao Palácio do Planalto, não tem competência para fazer monitoramento telefônico, com ou sem ordem judicial.
Ministros do Supremo, do Superior Tribunal de Justiça e juízes ouvidos pela revista Consultor Jurídico consideraram o fato gravíssimo e disseram que a Presidência da República tem o dever de apurar os fatos relatados pela revista semanal e dar explicações sobre eles. A reportagem de Veja traz diálogo do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Segundo a revista, a transcrição foi repassada por um funcionário da própria Abin, que informou da existência de monitoramento de deputados, senadores, ministros de estado e de outro integrante do STF, o ministro Marco Aurélio.
Em Atibaia (SP), onde participou de evento da Escola Paulista da Magistratura, o presidente do Supremo afirmou que não acredita que a prática conte com o consentimento do presidente Lula. Segundo ele, o problema não é a interceptação telefônica, prevista na Constituição, mas a prática criminosa de monitoramento à margem da lei — o que se torna mais grave quando se trata de ação praticada pelo poder público.
Questionado sobre o que acha da vulnerabilidade do cidadão em um país em que até o presidente de um poder da República é grampeado ilegalmente, Gilmar Mendes respondeu que “aí é que está o problema. É essa a questão que se coloca ao presidente da República”.
Ao jornal Estado de S. Paulo, o presidente do Supremo afirmou que, na manhã deste sábado, recebeu o telefonema do vice-presidente José Alencar. Diante disso, resolveu convocar a reunião com os outros dez ministros do Supremo na próxima segunda-feira. “O STF deve chamar Lula para esclarecer o caso”, disse. O ministro afirmou, ainda, que vai exigir uma investigação enérgica e medidas sobre o caso. Gilmar Mendes revela estar preocupado com o “Estado policialesco” que está se instalando no país.
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, exigiu que o presidente Lula anuncie medidas para restabelecer a credibilidade do governo. “O presidente tem de provar que controla a situação, que não é refém de um grupo de bandoleiros, renegados, bandidos e malfeitores hoje instalado no serviço de inteligência.”
Disse também que vai conversar com o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), para estudar quais medidas podem ser tomadas pelo Legislativo. Demóstenes declarou que a Abin é necessária para qualquer governo. No entanto, não aceita que integrantes de um órgão da Presidência da República façam grampos ilegais. E pediu explicações sobre a finalidade das escutas.
Ouvido pela ConJur, o ministro Ricardo Lewandowski, também do STF, se disse perplexo com a notícia: “É um ato gravíssimo e que abala os alicerces do Estado Democrático do Direito”. O ministro, que também está em Atibaia, afirmou que a reação da maior parte dos juízes presentes ao encontro é semelhante à sua.
O ministro Marco Aurélio considerou gravíssimo o episódio e diz que o presidente da República tem de identificar e demitir os responsáveis pelos grampos. “Quem cometeu desvio de conduta tem de pagar. Só assim haverá mudança cultural”, disse à ConJur. Marco Aurélio não acredita no envolvimento do presidente Lula no caso, mas pede ação. “Não podemos ficar só no faz-de-conta. O presidente precisa ter pulso de aço com luva de pelica”, declarou.
Para o ministro, os grampos clandestinos feitos pela Abin revelam a perda de parâmetro. “A administração pública só pode fazer o que está autorizada por lei a fazer. Bisbilhotar não está autorizado. Isso entra no campo da ilicitude e do crime.” Ele espera que, tudo vindo à tona, “não sendo escamoteado”, sirva para a correção dos rumos do país.
O ministro Cesar Asfor Rocha, que toma posse da presidência do Superior Tribunal de Justiça na quarta-feira (3/9), disse que o grampo ilegal no STF é o fato de maior gravidade institucional que viu nos últimos tempos: “É simplesmente inadmissível”.
Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Mozart Valadares, o fato é a negação do Estado de Direito. “O grampo ilegal é inaceitável quando feito contra qualquer cidadão, mas se torna mais grave quando seu alvo é o presidente da Suprema Corte do país”, disse Mozart.
Não é a primeira vez que o assunto vem à tona. Desde 2007, informações de que ministros do Supremo têm sido monitorados ilegalmente têm sido divulgada. Mas é a primeira vez que surge prova de que houve, de fato, interceptação ilegal. Recentemente, o diretor da Abin e ex-diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, afirmou à Comissão Parlamentar de Inquérito das Escutas Telefônicas que a agência não faz monitoramento.
O presidente Lula, que está em São Paulo para fazer campanha para a candidata petista à prefeitura, Marta Suplicy, ainda não se pronunciou oficialmente sobre o caso.
Revista Consultor Jurídico