por Eduardo Mahon
Prosseguindo no estudo dos julgados do banco de sentença disponibilizados pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, sob o enfoque da criminologia crítica, quero agora me deter na questionável categoria “reeducação”. A primeira questão diz respeito se é possível a reclusão e os mecanismos penais educarem, de fato, um individuo para a liberdade no seio da prisão, uma contradição insuperável; a segunda questão, sempre recorrente, é de que forma julgam os juízes — com impressões pessoais recheadas de aspectos moralizadores e éticos que não têm qualquer previsão legal, o que é mais perigoso. Uma vez mais, peço licença dos leitores para deixar que as falas judiciais não sejam demarcadas pelas aspas e sim pelo itálico para facilitar a leitura.
A tônica moralista é mais marcante no trato das crianças e dos adolescentes. Vejamos um exemplo claro dos conceitos vagos a sustentar as decisões, ainda que sejam mais brandas uma vez que a substituição será eficiente para a retribuição em face do crime praticado e reeducação do condenado, sobretudo quanto aos valores e princípios ético-sociais. Incrivelmente, os juízes acreditam que a privação da liberdade é mais efetiva para a (re) educação do menor. Então, aplica-se uma superada prevenção especial apta a “reformar”, “reprogramar”, “conformar”, tendo a pena criminal, em nosso sistema, como função precípua a reeducação do condenado e a sua integração no convívio social, as regras que informam a execução penal devem ser interpretadas em consonância com tais objetivos.
Prossegue a teoria disciplinadora numa outra decisão judicial: medida sócio-educativa de internação, consoante se extrai da execução, acreditando-se assim, que uma medida branda, como a pugnada pela defesa, não será suficiente na reeducação do jovem. No mesmo sentido é o relatório de estudo psicossocial juntado aos autos, onde o parecer técnico sugere a aplicação da medida segregativa. Claramente, temos no discurso oficial o resumo do “recondicionamento social”: a medida sócio-educativa de internação mostra-se a mais adequada à reeducação e ressocialização de menor que vem praticando reiterativos atos infracionais.
Um outro magistrado, parece que completa o raciocínio anterior: Ressalte-se por imperioso, o objetivo precípuo da pena é a reeducação, ressocialização e a reintegração do apenado no seio da sociedade. E, quase como uma repetição da técnica mimetizada: mas conforme se vê, tal medida não surtiu nenhum efeito sobre a vida deste adolescente, concluindo-se assim, que somente a medida segregativa poderá contribuir na sua reeducação, pois segundo consta, ele está estruturado no meio infracional, e, ainda, comprometido com o uso de entorpecentes, daí resultando a necessidade de um acompanhamento contínuo.
A pergunta é- sinceramente será que um juiz acredita que a ‘internação’ ou ‘prisão’, quando seja um parente dele adequada para ‘ressocializar’ o jovem ou adulto? Será o ressocializado acompanhado e ‘medicalizado’ diuturnamente, como se disse? Serviria essa medida a jovens e/ou adultos de alto poder aquisitivo? Debrucemo-nos no que pensam os magistrados: é certo que somente a medida segregativa poderá contribuir na reeducação de Eric, eis que a medida lhe proporcionará acompanhamento contínuo e diuturno que lhe introjete normas de convivência social. E, nessa ilusão penal de institucionalizar os acusados (sempre os outros) com ‘tratamentos’ adequados e atenciosos, arremata outro juiz: essa é a medida mais adequada para ele, que permite a reeducação com acompanhamento e orientação de pessoas com capacidade técnica, tentando a reabilitação do referidos adolescente no seio da comunidade local.
Com dificuldades de definir a finalidade da pena, lançam mão da multifuncionalismo, o que aliás, nos causa mais perplexidade: a medida adotada atende aos fins da pena, quais sejam prevenção e reprovação do crime e reeducação do sentenciado. Salvo esse extremo pampenalizador, geralmente a prevenção especial ainda é adotada na jurisprudência dominante: o Direito, principalmente o criminal, visa reprimir aqueles casos que necessitam de uma postura mais severa, visando primordialmente a reeducação.
E, como é cediço, no Brasil, temos uma dupla penalização — a repressiva e a medicalizante a colmatar sentenças indefinidas, com muletas pseudo-científicas: revela-se indispensável à reeducação e prevenção, sem olvidar que fortalece a função da Administração da Justiça, porquanto atende fatos graves cumprindo, portanto, o seu verdadeiro papel. Pior do que isso, são os conceitos vagos e pessoais de cunho subjetivo e eticizante, o que fere frontalmente o princípio da legalidade estrita: a prática do ato, em qualquer nível de participação, denotando desvio de conduta, há que ser repreendida, haja vista se tratar de menor, em fase de formação de valores, passível de reeducação moral e social. E arremata-se a reprodução desse discurso autoritário: em sede de reeducação, a imersão do fato infracional no tempo reduz a um nada a tardia resposta estatal.
Parece Lombroso, Ferri, Carrara? Parece Garofalo ou Spencer? Não, é o Brasil de hoje, extraídos os trechos de sentenças atuais, da primeira década do século XXI. São cem anos de atraso em direito penal e em criminologia. Pouca gente sabe quem foi, mas a maioria se fez seguidora de Nina Rodrigues. São fantasmas que nos assombram a mentalidade autoritária latino-americana.
Revista Consultor Jurídico