Ação não-trabalhista – TST erra ao julgar mandado de segurança pela CLT

por Thomaz Thompson Flores Neto

Crasso equívoco de entendimento jurídico-processual permanece imperando na mais alta corte judiciária do trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho, redundando em habitual violação de garantia constitucional, a reclamar imediata revisão jurisprudencial por parte da Corte Superior especializada.

O erro consiste em considerar que mandado de segurança impetrado contra ato coator relacionado às questões de trabalho, seria espécie de ação trabalhista, e, portanto, sujeita às disposições contidas na Consolidação das Leis do Trabalho.

O mandado de segurança, que antes de ser ação é um direito fundamental assegurado pela Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso LXIX, trata-se de ação de natureza civil, regulada pelas Leis 1.553/51 e 4.348/64. Ação que admite de forma subsidiária, e estrita, a aplicação de regras ditadas pelo Código de Processo Civil, jamais disposições da CLT, absolutamente inaplicáveis à espécie.

Antes de tudo, em virtude de uma razão elementar: as regras da CLT, conforme expressamente preconiza o seu artigo 1º, são “normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho, nela previstas”, vale dizer, disciplinam relações trabalhistas.

O mandado de segurança, não trata de questões trabalhistas, trata de atos ilegais praticados por autoridades públicas. Autoridade que pode ser um delegado do trabalho ou juiz do trabalho, obviamente no exercício de suas respectivas funções, administrativa ou jurisdicional, o que não transmuta a natureza da ação mandamental civil, de índole constitucional, em ação trabalhista.

Tampouco o fato de a Emenda Constitucional 45/2004 ter atribuído à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar mandado de segurança, quando o ato reputado ilegal houver sido praticado por autoridade a quem incumba aplicar as leis trabalhistas, tem o condão de produzir tal inconcebível metamorfose.

O equívoco, que vem ocasionando injustiça e incalculáveis prejuízos aos jurisdicionados, não é novo. Há muito Hely Lopes Meirelles já o denunciara em seu clássico opúsculo: “Observamos, finalmente, que, com impropriedade, se têm denominado de mandado de segurança ‘criminal’, ‘eleitoral’, ‘trabalhista’, os que são impetrados perante estas Justiças. Há manifesto equívoco nessas denominações, pois todo mandado de segurança é ação civil, regidas pelas mesmas normas da Lei 1.533/51 e do Código de Processo Civil, qualquer que seja o juízo competente para julgá-lo”.

O próprio Supremo Tribunal Federal já assentou: “Mandado de segurança é ação civil, ainda quando impetrado contra ato de juiz criminal, praticado em processo penal. Aplica-se, em conseqüência, ao recurso extraordinário interposto da decisão que o julga o prazo estabelecido no Código de Processo Civil”. (RTJ 83/255)

Para se ter noção da amplitude e gravidade da distorção, ou por outra, do volume dos danos infligidos àqueles que tiveram seus direitos violados por atos ilegais praticados por autoridades trabalhistas, administrativas ou jurisdicionais, e que buscaram, infrutiferamente, na mais alta Corte do trabalho fazer valer um direito constitucional, basta simples consulta ao site do TST.

São incontáveis os recursos ordinários em mandado de segurança não-conhecidos, os agravos desprovidos, a extinção de ações mandamentais, tudo ao fundamento de que a cópia do ato coator, ou seja, o ato ilegal praticado por juiz trabalhista (verbi gratia, que determina a penhora de salário ou vencimento) não está autenticada, o que violaria o artigo 830 da inaplicável CLT.

Aliás, quando o ato coator é atribuído a juiz do trabalho, a exigência de autenticação da cópia do documento assume contornos verdadeiramente surreais. Afinal trata-se de documento produzido no âmbito da própria Justiça do Trabalho, submetido a sua própria apreciação, e, fundamentalmente, firmado pela própria autoridade a quem incumbe prestar as informações no decêndio legal. A exigência é insólita, para dizer o mínimo.

Assim, além da falta de previsão, tanto na Lei 1.553/51 quanto no CPC, ambos os diplomas legais nada dispondo quanto à necessidade de autenticação das cópias dos documentos que instruam o mandado de segurança, a exigência revela-se patentemente despida de razoabilidade.

De ressaltar, ainda, a remansosa jurisprudência emanada do STJ (Superior Tribunal de Justiça), a quem compete dar a última palavra quanto à aplicação da legislação civil infraconstitucional, assente no sentido de que “Não é lícito ao juiz estabelecer, para petições iniciais, requisitos não previstos nos artigos 282 e 283 do CPC. Por isso, não lhe é permitido indeferir liminarmente o pedido, ao fundamento de que as cópias que o instruem carecem de autenticação. O documento ofertado pelo autor presume-se verdadeiro, se o demandado, na resposta, silencia quanto à autenticidade (CPC, artigo 372)”. (RSTJ 141/17, acórdão unânime da Corte Especial).

Cumpre reconhecer que há ministros do TST aos quais repugna a aplicação da equivocada e danosa jurisprudência desde há muito consolidada, malgrado reste-lhes apenas ressalvar a inconformidade, curvando-se ao entendimento majoritário na Corte em decorrência de imposição de ordem interna.

É o que se colhe do acórdão que negou provimento a Agravo em Recurso Ordinário 12179/2005-000-02-00, publicado no Diário da Justiça de 29 de agosto de 2008, aqui exemplificativamente referido, em que o ministro relator, mesmo erroneamente taxando de vício processual a regular instrução da inicial com cópia não autenticada do ato coator, assim consignou: “Na hipótese, registro o meu posicionamento pessoal de que tal vício processual poderia ser suprido pelas informações da autoridade coatora, como no caso concreto, que foram prestadas à fl. 186 e seriam, em tese, capazes de convalidar o ato combatido. Todavia, submeto-me ao anunciado entendimento majoritário da 2ª Subseção Especializada, por medida de disciplina judiciária.”

A indevida aplicação, pelo TST, de normas trabalhistas ao mandado de segurança, ao fulminar garantia fundamental, viola frontalmente à Constituição da República, o que abre acesso à via recursal extraordinária.

Em face do alcance e proporções exponenciais do problema, parece estreme de dúvidas que a questão encerra caráter transcendente, além de manifesta relevância jurídica e econômica. Portanto, não será por ausência de repercussão geral que o Supremo Tribunal Federal deixará, no exercício da chamada jurisdição constitucional, “jurisdição da liberdade” no dizer de Canotilho, como protetor, que é, dos direitos fundamentais, de assegurar o indispensável respeito ao direito constitucional ao mandado de segurança.

Isso, se antes o próprio Tribunal Superior do Trabalho não o fizer, mediante inadiável revisão jurisprudencial.

Revista Consultor Jurídico

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