por Leandro Raminelli de Oliveira
O Poder Judiciário sempre foi tido como último baluarte para que o indivíduo possa manter sua posição na sociedade e não seja subjugado pela força sombria que emerge do poder econômico das seguradoras, com sua capacidade superior de se articular na luta egoística por seus próprios interesses.
Recentemente, noticiou-se que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão que rejeitou o Recurso Especial 973.725, excluiu a possibilidade de beneficiário de um segurado morto em acidente de veículo, de receber o valor do prêmio do seguro de vida, por entender que a embriaguez do falecido passa a ser agravante no risco do seguro. Com essa decisão, os ministros mantiveram acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que excluiu a indenização a um segurado por conta da embriaguez.
Com o devido respeito, referida decisão é prejudicial para os milhares de segurados de boa-fé e seus familiares. Obviamente existe o mínimo de segurados que age com má-fé, mas, no caso, é difícil imaginar que o falecido estivesse de má-fé por ocasião de sua morte no trânsito, ainda que pudesse estar embriagado.
Se antes já eram vítimas da arbitrariedade das seguradoras, qual será a repercussão no modo de atuação das seguradoras após essa decisão? A negativa das seguradoras em assumir sua obrigação, impondo restrições desmedidas para se furtarem ao pagamento de indenizações por morte, coberturas a tratamentos e internações, constitui situação de extrema injustiça.
Com efeito, a relação jurídica inicia-se com a empresa de seguro vendendo seu produto através de contratos de adesão que resguardam o interesse das seguradoras.
Não é raro apreciarmos as belíssimas campanhas publicitárias de seguradoras, inclusive com comerciais de TV em que vinculam sua imagem a de famílias felizes, crianças, idosos e até atletas, numa produção digna de reconhecimento pela qualidade técnica e do sentimentalismo que são capazes de expressar.
Mas, a realidade é bem diferente. O consumidor, independentemente de seu grau de escolaridade, profissão, poder econômico ou cargo que ocupa, vê-se impulsionado, para não dizer obrigado, a contratar algum plano ou seguro, sob pena de ficar sujeito às altíssimas despesas médicas hospitalares ou ao sobrecarregado sistema público de saúde.
A liberdade de negociar cláusulas da apólice de seguro não se faz presente. Essa apólice, arrimada num minucioso estudo jurídico, corporificado em diversas cláusulas e obrigações formadas sob a influência de muitas indenizações negadas, é empurrada goela abaixo do consumidor, agora, segurado, que formaliza sua “aceitação” com sua assinatura, sem qualquer estudo ou possibilidade de negociação.
As seguradoras queixam-se dos custos dos hospitais, das liminares do judiciário etc. Os consumidores ressentem-se do impacto do alto valor das mensalidades do seguro no orçamento doméstico e, principalmente, da vedação a um tratamento ou indenização, cuja frustração só vem a experimentar quando mais precisam. São abandonados ao terem determinado atendimento recusado ou indenização decorrente de seguro de vida negada, cujos beneficiários são deixados a mercê da sorte.
Todavia, da divergência que se extrai dessa relação, consumidor, e seguradoras, parece evidente que a única a explorar o ramo e a engordar significativamente suas contas bancárias vem sendo as seguradoras. Os suntuosos prédios que abrigam essas companhias e os polpudos salários de alguns de seus integrantes, permitem ao menos, suspeitar que é um ramo bastante lucrativo.
Esse enriquecimento desmedido sugere grande injustiça e insegurança na questão, ao se perceber algumas indenizações negadas ante a rigidez dessas empresas, para não dizer frieza, em averiguar os procedimentos solicitados e as indenizações exigidas pelos segurados.
Nesse contexto, é de se considerar que o segurado, ao firmar contrato de adesão, deve ter sua apólice interpretada à luz do artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor. Não pode sofrer com a tirania, nem ficar refém da estratégia maquiavélica das seguradoras, muito menos ter seu direito a vida, a saúde e ao sustento de beneficiários regulados cegamente por uma apólice que mais parece um campo minado, destinado a explodir os direitos do consumidor em contraste com os altos lucros das seguradoras.
A esperança para o segurado “inseguro”, é que, ao buscar o Poder Judiciário, possa obter um equilíbrio de forças nessa luta entre a irresponsabilidade da seguradora e a inegável fragilidade do segurado que, frise-se, aderiu ao contrato com boa-fé.
O acórdão mencionado, proferido pela mais alta corte infraconstitucional do país, causa grande comoção nacional e merece ser revisto. A lei seca, a falha comportamental do falecido ou qualquer julgamento moral que possa repelir a embriaguez, podem servir de arrimo ao não pagamento da indenização pelas seguradoras em detrimento de pessoas inocentes que merecem e precisam receber a indenização, sob pena do Poder Judiciário agasalhar interesses escusos estribados em contratos de adesão, portanto unilaterais, em flagrante ofensa ao Código de Defesa do Consumidor.
Advogado em São Paulo
Revista Consultor Jurídico