Estabilidade das instituições – Não poderia ter sido melhor ver Gilmar dirigindo o STF

por Ives Gandra da Silva Martins

Em 5 de outubro de 1988, com meridiana clareza, ao ser outorgada uma nova carta política à nação, o constituinte determinou que seu guardião seria o Supremo Tribunal Federal (artigo 102, “caput”).

A Constituição, que rege os destinos do Estado Democrático de Direito, portanto, sedia no pretório excelso seu elemento de estabilização.

Compreende-se, pois, que, entre os constitucionalistas, tenha-se por assentado que, no capítulo destinado ao Poder Judiciário em sua competência de atribuições (artigos 92 a 126), caiba aos juízos monocráticos e aos tribunais de segundo grau a missão de administrar a Justiça e, aos tribunais superiores (STF, STJ, TST, TSE e STM), dar estabilidade às instituições, exercendo o papel mais relevante, entre eles, a Suprema Corte.

É exatamente isso o que tem ocorrido, nos últimos tempos, no que diz respeito ao direito de maior importância em uma democracia, que é o direito de defesa, inexistente nos Estados totalitários.

Todos os cidadãos dignos, que constituem a esmagadora maioria da nação, são contra a impunidade, a corrupção, o peculato. Há de convir, todavia, que, na busca dos fins legítimos de combate à impunidade, não se pode admitir a utilização de meios ilegítimos, risco de se nivelarem os bons e os maus no desrespeito à ordem jurídica e à lei suprema.

Ora, o simples fato de o país ter percebido, estupefato, que houve 409.000 interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, em 2007, seguido de declarações do ministro da Justiça de que todos devem admitir que podem estar sendo grampeados, ou do ministro chefe do serviço de inteligência de que a melhor forma de não ser grampeado é fechar a boca, está a demonstrar a existência de excessos, com a conseqüente violação desse direito, o que se tornou mais claro na operação da Polícia Federal de maior visibilidade (Satiagraha).

Nada mais natural, portanto, que a Suprema Corte, por imposição constitucional, interviesse — como, efetivamente, interveio — para recolocar em seus devidos termos o direito de investigar e acusar, assim como o direito de defesa, cabendo ao Poder Judiciário julgar, sem preferências ou preconceitos, as questões que lhe são submetidas.

No instante em que foram diagnosticados abusos reais, a corte máxima, de imediato, deflagrou um saudável processo de conscientização de cidadãos e governantes de que tanto os crimes quanto os abusos devem ser coibidos, dando início a processo que desaguará em adequada legislação, necessária ao equilíbrio do contencioso, além, naturalmente, à busca da verdade, com a intervenção judiciária, isenta e justa, dentro da lei.

E, por força dessa tomada de consciência, não só o Conselho Nacional de Justiça impôs regras às autorizações judiciais como o Poder Legislativo examina projeto de lei objetivando evitar tais desvios. Essas medidas permitirão que as águas, que saíram do leito do rio, para ele voltem, com firmeza e serenidade.

Há de realçar, todavia, nos episódios que levaram, novamente, o país a conviver com o primado do Direito — especialmente com a valorização do direito de defesa, garantidor, numa democracia, da certeza de que o cidadão não sofrerá arbítrios —, a figura do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, hoje, indiscutivelmente, um dos maiores constitucionalistas do país, com merecido reconhecimento internacional (é doutor em direito pela Universidade de Münster, na Alemanha, com tese sobre o controle concentrado de constitucionalidade).

Graças à firmeza com que agiu, foi possível não só diagnosticar as violações como deflagrar todo o processo que está levando ao aperfeiçoamento das instituições, em que o combate à corrupção, legítimo, deve, todavia, ser realizado dentro da lei.

Conhecendo e admirando o eminente magistrado há quase 30 anos, a firmeza na condução de assuntos polêmicos, na procura das soluções adequadas e jurídicas, seu perfil de admirável jurista e sua preocupação com a “Justiça justa”, tenho a certeza de que não poderia ter sido melhor para o país do que vê-lo dirigir o pretório excelso nesta quadra delicada.

Prova inequívoca da correção de sua atuação é ter contado com o apoio incondicional dos demais ministros, quanto às medidas que tomou, durante a crise.

Parodiando a lenda do moleiro — que não quis ceder suas terras a Frederico da Prússia, dizendo que as defenderia, porque “ainda havia juízes em Berlim” —, posso afirmar: há juízes em Brasília, e dos bons!

[Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo de terça-feira (16/9)]

Revista Consultor Jurídico

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Init code Huggy.chat End code Huggy.chat