A Rede TV! e a produtora Interactv devem fazer alterações no programa Hyper QI exibido todas as noites. O programa, um tipo de concurso cultural em que os participantes concorrem a prêmios em barra de ouro, terá de informar os telespectadores das regras do jogo e de todos os custos envolvidos na participação. Para participar o telespectador, é obrigado a ligar para um telefone em Curitiba (PR) e responder questões pré-eliminares.
A decisão é do juiz Roque Fabrício Antônio de Oliveira Viel, da 1ª Vara Cível de Brasília, que a pedido da Defensoria Pública do Distrito Federal, entendeu que a falta de informação sobre esses pontos infringe as regras do artigo 6º, III, 37, caput e parágrafo 1º e 39, IV, do Código de Defesa do Consumidor.
Segundo o juiz, “o vício apresentado pelo programa Hyper QI, na verdade, reside na forma como oferece aos telespectadores a chance de participar da disputa, já que não há informação adequada sobre as regras do jogo, os critérios de seleção dos participantes e o custo para essa participação.”. A Rede TV! e a produtora Interactv terão prazo de cinco dias para o cumprimento da obrigação, sob pena de multa diária de R$ 100 mil.
A Defensoria alega que “durante o programa, vários apresentadores se revezam no comando da atração e o único objetivo é fazer com o que o telespectador efetue ligações telefônicas para o número designado para que possa supostamente concorrer a prêmios, mas o objetivo do programa é sempre o mesmo: convencer o telespectador a efetuar uma ligação para um número de celular de Curitiba a fim de concorrer a prêmios em barras de ouro após a participação em um questionário cultural”.
Segundo a Defensoria, não há qualquer menção ao número de respostas ou de acertos que devem ser obtidos para que se possa concorrer aos prêmios. “Os apresentadores apenas dizem que é necessário que seja respondido o questionário cultural para que o telespectador possa “entrar ao vivo” e responder aos desafios”, afirma.
De acordo com os defensores Alexandre Gianni e Antônio Carlos Cintra, autores da ação, telespectadores têm reclamado que “ao ligarem para o referido programa, passaram pelo menos 30 minutos respondendo às perguntas do “questionário cultural” sem serem esclarecidos sobre as regras do jogo e que, mesmo tendo um índice de acerto alto, não foram convidados a participar ao vivo”.
Outro aspecto levantado pelos defensores é o fato de não serem informadas ao telespectador as taxas cobradas nem o custo da ligação. “Com isso, muitos consumidores acabam tendo uma grande surpresa aos receber suas contas telefônicas e perceber que foram gastos mais de cem reais apenas com ligações para o programa”, sustenta a Defensoria.
Leia a íntegra
Processo: 2008.01.1.117850-7
Vara: 201 – PRIMEIRA VARA CIVEL DE BRASILIA
Título: Decisão
Pauta: Nº 117850-7/08 – Civil Publica –
A: CEAJUR CENTRO DE ASSISTENCIA JUDICIARIA.
Adv(s).: Defensoria Publica do Distrito Federal. R: REDETV.
Adv(s).: (.). R: INTERACTV SERVICOS DE TV E MIDIA LTDA.
O autor postula a concessão de liminar para que seja suspensa a veiculação do programa HYPER QI ou qualquer outro com conteúdo e formato semelhantes.
Subsidiariamente, pede sejam as rés obrigadas a informar claramente aos telespectadores do programa HYPER QI as regras para participação, com destaque para o fato de que os interessados em participar do programa serão submetidos a um questionário cultural, via telefone, o tempo médio para resolução do questionário e o custo da ligação.
Pede também seja vedado o uso da palavra “garantido” ou qualquer outro termo ou expressão que induza o telespectador a imaginar que receberá o prêmio com a ligação, seja esclarecido que a ligação telefônica para participar do programa é dirigida a Curitiba-PR e que a ligação pode ser feita com o uso de qualquer operadora.II – Os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar estão presentes.
Com efeito, nota-se pela documentação que instrui a inicial, especialmente o disco de fls. 73, que o programa HYPER QI promove uma espécie de jogo com a participação dos telespectadores, que são desafiados a formar uma palavra com um determinado número de letras indicadas na tela, ou a fornecer o resultado da soma de alguns números.
Os apresentadores passam o tempo insistindo para que os telespectadores liguem para os números telefônicos que são indicados na parte baixa da tela a fim de participarem do jogo ao vivo. Assim, se o telespectador for selecionado, poderá informar no ar a solução para o problema proposto e receber o prêmio – um determinado valor em barras de ouro que aumenta se o participante errar ou se não houver participantes.
O autor informa que diversos telespectadores ligaram para os números indicados pelo programa e foram submetidos a uma espécie de “questionário cultural”, respondendo a questões de conhecimento geral. Alguns, mesmo com alto índice de acerto, não foram selecionados para entrar ao vivo e participar do jogo. Com isso, permaneceram longo tempo na ligação, o que gerou elevação da conta telefônica.
De fato, verifica-se em princípio que o programa em destaque peca pela ausência de informações claras quanto às regras do jogo e à forma de participação do telespectador interessado. Os apresentadores não informam qual o custo da ligação. Também não consta essa informação na tela.
Além disso, os participantes não são informados que serão submetidos a um questionário sobre conhecimentos gerais antes da participação ao vivo. Também não consta esclarecimento sobre o tempo médio de duração dessa “sabatina” e quais os requisitos a serem preenchidos para se conseguir efetivamente ser selecionado para a tão esperada participação ao vivo.
Nem mesmo as regras do jogo fornecidas pela internet são capazes de esclarecer satisfatoriamente a forma de disputa, como se vê no documento de fls. 35.Diante desse quadro, nota-se, em princípio, que o programa HYPER QI, ao instigar os telespectadores a buscarem a participação em um jogo de conhecimentos, na tentativa de ganhar uma determinada soma de forma relativamente fácil, acaba por incorrer em ofensa às regras do art. 6º, III, 37, caput e § 1º, e 39, IV, todos do CDC.Sendo assim, impõe-se intervenção imediata para o fim de cessar as irregularidades cometidas pelas rés no programa HYPER QI, como forma de prevenir novas lesões aos direitos dos consumidores.
Há de se ponderar, contudo, que a suspensão da veiculação do programa se mostra medida, em princípio, exagerada, chegando às raias da censura, já que não existe vedação, em tese, a que se veicule programa televisivo em que se conduza um jogo com participação direta de telespectadores e oferta de prêmios ao vencedor.
O vício apresentado pelo programa HYPER QI, na verdade, reside na forma como oferece aos telespectadores a chance de participar da disputa, já que não há informação adequada sobre as regras do jogo, os critérios de seleção dos participantes e o custo para essa participação.Por isso, cumpre acolher apenas o pedido alternativo, para que as rés alterem a forma de participação dos interessados a fim de adequar-se às regras do CDC.Há apenas uma ressalva, relativa ao uso da palavra “garantido”.
Não há como se reconhecer que a figuração dessa palavra na tela induza os telespectadores a entenderem que basta a ligação para o recebimento do valor oferecido. É evidente que o “garantido” não se refere ao recebimento da quantia em dinheiro com a mera ligação, mas tem a ver com a garantia de pagamento do prêmio ao vencedor. III – Pelo exposto, defiro a liminar apenas para determinar que as rés modifiquem o formato atual do programa HYPER QI, de maneira que, ao fazerem a convocação dos telespectadores para participação, informem de maneira clara as regras do jogo, oralmente ou por escrito, esclarecendo os seguintes aspectos:
a) que os interessados que ligarem serão submetidos a um questionário com perguntas de conhecimentos gerais;
b) o número de perguntas que serão formuladas e o número de acertos necessários para que o telespectador que ligar deve obter para ser selecionado para a participação ao vivo no programa, na qual poderá, se acertar o enigma proposto, receber o prêmio oferecido;
c) qual o tempo médio de duração desse questionário; e
d) o custo médio da ligação por minuto, com indicação que se trata de ligação para Curitiba-PR e que poderá ser usado o código de qualquer operadora.
Fixo o prazo de cinco dias para o cumprimento integral da obrigação imposta nesta decisão, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00
Cite(m)-se, para contestar, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da juntada aos autos do(s) comprovante(s) de citação devidamente cumprido, sob pena de revelia (perda da oportunidade de se defender) e de serem considerados verdadeiros os fatos alegados na inicial.V – Para evitar extravio, desentranhe-se o disco anexado às fls. 73 e mantenha-se-o acautelado em cartório, à disposição das partes.
Brasília – DF, segunda-feira, 15/09/2008 às 15h45.
Roque Fabrício Antônio de Oliveira Viel,
Juiz de Direito Substituto.
Revista Consultor Jurídico