O ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, minimizou a importância do laudo da Polícia Federal que diz que as maletas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) não podem fazer grampo telefônico. “Isso diz pouco”, afirmou em entrevista coletiva após a sessão plenária desta quinta-feira (18/9).
“O que interessa é de fato aprofundar essas investigações. Na medida em que se revelam fatos como a participação até de terceirizados, que foram contratados, com pagamento de pro-labore, para fazer essas gravações, nós não sabemos também se essas maletas foram contratadas, se outros modos foram utilizados”, diz o ministro. O laudo da PF foi divulgado nesta quinta.
Para o ministro, é completamente ilícito o fato de a Abin participar de maneira operacional de uma investigação da PF. “Nós estamos falando de trabalho de polícia judiciária, que tem definição na Constituição. Eu não tenho a menor dúvida de que nós estamos diante de um ato flagrantemente ilegítimo”, afirmou.
Gilmar Mendes não quis se pronunciar sobre a possibilidade de esta participação anular juridicamente as provas coletadas na Satiagraha. Para ele, o preocupante é o aspecto político. Segundo o ex-diretor da Abin, Paulo Lacerda, em depoimento ao Congresso, a agência disponibilizou 56 agentes para a operação.
“Estou preocupado hoje é com esse simples fato. Os senhores imaginam esse tipo de colaboração informal entre dois órgãos, e aparentemente agentes da Abin atuando em funções que são de polícia judiciária. Para que? Qual é o modelo institucional que se está desenhando? Se quer uma super polícia? Uma super agência de informação?”, questionou.
Leia a entrevista
Há um laudo, hoje, do Instituto de Criminalística, dizendo que as maletas da Abin não fariam escutas telefônicas. O senhor acompanhou essa notícia? Tem algum comentário?
Gilmar Mendes — Isso diz pouco. Simplesmente afirma que as maletas de que a Abin dispõe não teriam a possibilidade de fazer a interceptação. Também, ninguém afirmou que essa interceptação foi feita pela Abin, pela Polícia, por pessoas contratadas. O que interessa é de fato aprofundar essas investigações. Na medida em que se revelam fatos como a participação até de terceirizados, que foram contratados, com pagamento de pro-labore, para fazer essas gravações, nós não sabemos também se essas maletas foram contratadas, se outros modos foram utilizados. Estamos num mundo muito complexo para que nós tenhamos uma resposta muito simples.
Como é que o senhor vê parcerias entre a Polícia Federal e a Abin em investigações de crime comum? É possível dentro do ordenamento jurídico do Brasil?
Gilmar Mendes — Eu tenho a impressão de que o sistema poderia comportar algum tipo de compartilhamento de informações. Agora, certamente, a ação da Abin, uma agência apenas de inteligência e de informação, como polícia judiciária, realizando investigação, atuando de maneira operacional, é completamente ilícita. Não houve formalização, mas a substituir a Polícia Federal em investigação? Nós estamos falando de trabalho de polícia judiciária, que tem definição na Constituição. Eu não tenho a menor dúvida de que nós estamos diante de um ato flagrantemente ilegítimo.
Levaria à nulidade de provas?
Gilmar Mendes — Não. Não vou falar sobre isso. Eu estou preocupado é com o aspecto político dessa questão. Como é que se envolve uma agência de inteligência numa operação da polícia. E depois a PF diz que não sabia disso. Nós estamos diante de um fato raro, de profunda gravidade.
Judicialmente falando, isso pode levar à nulidade?
Gilmar Mendes — Não vou me pronunciar sobre isso. Estou preocupado hoje é com esse simples fato. Os senhores imaginam esse tipo de colaboração informal entre dois órgãos, e aparentemente agentes da Abin atuando em funções que são de polícia judiciária. Para que? Qual é o modelo institucional que se está desenhando? Se quer uma super polícia? Uma super agência de informação? Ela está submetida a quem? Esses agentes, em geral, da PF, no dever de polícia judiciária, prestam contas ao juiz. Eles são acompanhados pelo Ministério Público. Agora, e os agentes da Abin? Eles estão atuando informalmente? De forma emprestada? Nós estamos diante de um fato de gravidade ainda não vista nesses vinte anos de Constituição de 88.
Do jeito que os fatos estão vindo à público, então, dá a entender que os investigadores não têm limites?
Gilmar Mendes — Os senhores cheguem a conclusão que quiserem. Agora, os fatos são extremamente graves. Inicialmente se falou que havia um agente. Depois dois agentes. De que havia uma parceria apenas estratégica de troca de informações. E agora nós estamos verificando que a operação praticamente foi conduzida pela Abin, que 56 agentes teriam participado. Mais agentes da Abin do que da PF. Isto é de uma gravidade realmente muito séria. Porque sugere o que? Um descontrole, um projeto que fere o modelo constitucional aí está fixado.
Esse mesmo laudo de hoje mostra que apesar de não poder gravar linhas telefônicas de celulares, a Abin tem equipamentos que gravam linhas telefônicas fixas, comuns. O que é vedado. Como é que o senhor vê isso?
Gilmar Mendes — Eu não vou me pronunciar sobre isso, até porque isso é irrelevante. Esse tipo de interceptação pode ser realizado de outra maneira. Os senhores mesmos têm informado que agentes participaram de forma terceirizadas. Então, o fato de um agente não ser funcionário da Abin não vai retirar a responsabilidade desse agente. Como pode não retirar também a responsabilidade da PF. Nós estamos a falar de uma operação conjunta. Por isso que isso tem que ser investigado.
Revista Consultor Jurídico