O projeto de lei elaborado pelo Ministério da Justiça, que prevê a possibilidade de punição criminal para quem divulgar escutas telefônicas legais ou ilegais, foi criticado por entidades de jornalistas. Para a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a iniciativa do governo pretende punir criminalmente profissionais de imprensa pela divulgação das escutas.
Segundo o jornal Estado de S. Paulo, o texto altera o artigo 151 do Código Penal. O dispositivo polêmico, no inciso II, afirma que “utilizar o resultado de interceptação de comunicação telefônica ou telemática para fins diversos dos previstos em lei” também é crime. A pena é a mesma para quem realizar as interceptações: reclusão, de dois a quatro anos, podendo ser aumentada até seis anos se os crimes forem praticados por funcionário público.
A proposta do Executivo abre brecha para que o juiz possa condenar um veículo de comunicação, jornalista ou fonte caso entenda que a ação teve objetivo ilegal como chantagem, calúnia, injúria e difamação. “O governo busca formas de impedir a livre circulação. É uma proposta autoritária e antidemocrática, que não vingou nem mesmo na época da ditadura militar, de triste memória”, afirmou, em nota, o responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão da ANJ, Júlio César Mesquita.
Para o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azedo, o projeto é uma forma de intimidação do trabalho de buscar e divulgar a notícia. “O projeto dá um passo atrás, apontando para um grave retrocesso político”, observa.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também se posicionaram contra. De acordo com Cezar Britto, presidente da OAB, é dever do jornalista informar e direito do cidadão receber a informação.
Ao jornal Folha de S. Paulo, o presidente e o relator da CPI dos Grampos, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ) e Nelson Pellegrino (PT-BA), classificaram o projeto como “inconstitucional e desrespeitoso”, pois fere a liberdade de imprensa e o direito à informação. “Esse tipo de coisa merece o meu desrespeito. Fere o direito ao sigilo da fonte do jornalista e o direito do cidadão de se informar”, diz Itagiba.
“O problema envolve um valor maior, que é a obrigação dos veículos de informação de informarem o grande público. Não é o jornal ou a revista que quebra o sigilo. Ele não vai lá e tem acesso, são os dados que chegam até o jornal. A responsabilidade, portanto, não é do jornal, mas de quem deu o acesso aos dados sigilosos”, afirmou o ministro Marco Aurélio, do STF, ao jornal.
Liberdade garantida
O ministro de Comunicação Social, Franklin Martins, defendeu o texto do governo. “O projeto não muda nada. Quem usar direito a informação não terá problema algum. Agora, se alguém usar para caluniar, difamar, injuriar, aí poderá ser punido”, afirmou.
Já o ministro Tarso Genro, em nota, afirmou que o projeto mantém integralmente o direito à informação e o sigilo da fonte. Para o ministro, quem diz que o texto abre brecha para punir jornalistas não leu o projeto ou “não teve clareza jurídica e técnica” suficiente para compreendê-lo.
“O que o projeto faz é dizer que utilizar essas informações para fins de obter vantagem ou proporcionar injúria, calúnia ou difamação passa a ser um delito conjugado. Apenas isso”, afirmou.
O projeto foi elaborado depois de a revista Veja divulgar conversa capturada de forma ilegal entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Segundo a revista, o diálogo foi repassado ao veículo por um funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), acusada de ter feito o grampo ilegal.
Leia o projeto
PROJETO DE LEI
Altera as Leis nos 4.878, de 3 de dezembro de 1965, 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para dispor sobre sanções administrativas e penais aplicáveis em casos de interceptação de comunicações e de violação de sigilo, e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1o O caput do art. 48 da Lei no 4.878, de 3 de dezembro de 1965, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 48. A pena de demissão, além dos casos previstos na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, será também aplicada quando se caracterizar:” (NR)
Art. 2o A Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 117.
XX – realizar, diretamente ou por meio de terceiros, ou permitir que se realize, interceptação de comunicação de qualquer natureza, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei; e
XXI – violar o sigilo ou o segredo de justiça das informações obtidas por meio de interceptação de comunicação de qualquer natureza.” (NR)
“Art. 132.
XIII – transgressão dos incisos IX a XVI, XX e XXI do art. 117.” (NR)
Art. 3o O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 151.
§ 1o
III – quem impede comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;” (NR)
“Art. 151-A. Realizar, diretamente ou por meio de terceiros, ou permitir que se realize, interceptação de comunicação de qualquer natureza, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei:
Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
§ 1o Incorre na mesma pena quem:
I – violar o sigilo ou o segredo de justiça das informações obtidas por meio de interceptação de comunicação de qualquer natureza; ou
II – utilizar o resultado de interceptação de comunicação telefônica ou telemática para fins diversos dos previstos em lei.
§ 2o A pena é aumentada de um terço até metade se o crime previsto no caput ou no § 1o é praticado por funcionário público no exercício de suas funções.” (NR)
“Art. 151-B. Produzir, fabricar, importar, comercializar, oferecer, emprestar, adquirir, possuir, manter sob sua guarda ou ter em depósito, sem autorização, quando exigida, ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, equipamentos destinados especificamente à interceptação, escuta, gravação e decodificação das comunicações telefônicas, incluindo programas de informática e aparelhos de varredura:
Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.” (NR)
Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 5o Ficam revogados o inciso II do § 1o do art. 151 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e o art. 10 da Lei no 9.296, de 24 de julho de 1996.
Revista Consultor Jurídico