por Ravênia Márcia de Oliveira Leite
Conforme doutrina pátria, nas lições do professor Dílio Procópio Drummond de Alvarenga, da Universidade Federal de Juiz de Fora, que ensina que a “torpeza bilateral (utriusque turpido), configura-se naquela situação em que ambos os sujeitos do delito têm interesses ilícitos. Exemplos: alguém compra uma falsa máquina de fabricar moedas, julgando-a verdadeira, ao ser enganado mediante manobras ardilosas (conto da guitarra); outro alguém, iludido por algum artifício empregado e mediante pagamento da alta quantia, contrata um falso pistoleiro para matar um seu inimigo, o que, a final, não é concretizado; um determinado empregado, que levava consigo certo numerário para entregá-lo a seu patrão, adquire com ele, após ser induzido a erro, um bilhete de loteria falsamente premiado. Pergunta-se: qual a solução jurídica para as três hipóteses, considerando o ilícito interesse de todos os envolvidos?”
Continua o ilustre delegado de Polícia aposentado e docente, “apesar das opiniões em contrário, até mesmo de Hungria, para quem o direito não deve preocupar-se com questões à margem do direito, penso que cada pessoa deve responder segundo a tipificação de sua conduta e o dano criminal que tiver produzido (…). Assim, a resposta será muito fácil se se considerar que o dano criminal, nas três situações, só ocorreu por obra dos estelionatários. Um episódio de torpeza bilateral, que merece alusão, é a compra e venda de uma falsa jóia paga por meio de moeda falsificada (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9276).
A jurisprudência dos tribunais superiores os quais já decidiram que “fraude bilateral não impede a caracterização do estelionato. O tipo penal não exige a boa-fé da vítima, razão pela qual o STF (RT 622/387) tem entendido caracterizado o estelionato mesmo na hipótese de torpeza bilateral, ou seja quando também a vítima está de má-fé na realização do negócio. Presentes as elementares do tipo, o estelionato estará caracterizado mesmo que a vítima estivesse de má-fé no negócio. Há estelionato mesmo quando a fraude é praticada no jogo de azar, quando se retira do jogador, por fraude, a possibilidade de ganhar (STF). O que faz descaracterizar o ilícito é a fraude destinada a frustrar pagamento de negócio não tutelado pela lei, como, p. ex., no cheque falso entregue em razão de prostituição ou de jogo de azar. É o que entende Mirabete e como tem julgado o TACrSP. É imprescindível que o meio fraudulento empregado pelo agente seja idôneo, apto a enganar a vítima. Do contrário, estaríamos diante de um crime impossível. A fraude grosseira entendida como meio inidôneo, mas há súmula do STJ no seguinte sentido: “Súm 73. A utilização de papel-moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual” (http://www.intelligentiajuridica.com.br/old-nov2001/artigo4.html).
O crime de estelionato, por tratar-se de crime material, consuma-se no momento e local em que o agente obtém a vantagem ilícita em prejuízo alheio.
Heleno C. Fragoso, M. Noronha, Júlio F. Mirabete, sumidades no Direito Penal Pátrio defendem que a torpeza bilateral não descaracteriza o delito de estelionato pelos seguintes argumentos: “a) o fato é típico, pois não se pode ignorar a má-fé do agente que empregou a fraude e obteve a vantagem, nem o fato de a vítima ter sido enganada e sofrido o prejuízo; b) a reparação do dano na esfera civil é matéria que interessa apenas a vítima, mas a punição do estelionatário visa proteger toda a sociedade.”
A jurisprudência na matéria é farta, admitindo-se que a torpeza bilateral não descaracteriza o crime de estelionato. Senão vejamos:
“Pratica estelionato quem assina cartão de crédito, que sabe não lhe pertencer, logrando efetuar compras em loja” (TACrSP, RJDTACr 15/83).
“A utilização de papel-moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual”(STJ, Súmula 73; STJ, CComp 6.895, 14.3.94, p. 4468, in RBCCr 6/233).
“A simples mentira, mesmo verbal, mas que leve a vítima a erro, pode configurar ”(STF, RTJ 100/598; (TACrSP, julgados 70/311; TJSC, RT 541/429).
“Pratica estelionato o agente que, fazendo uso de folha de cheque cedida por um amigo, adquire veículo da vítima, sendo o pagamento sustado pelo correntista, que não havia autorizado o preenchimento da cártula naquele valor” (TACrSP, RT 776/604).
Manter curso de teologia, sem autorização do Conselho Federal de Educação, oferecendo-o ao público como se fosse de nível superior. Alunos são mantidos em erro (TRF da 1ª R., RT 768/700)
Estelionato. Não Impede a sua configuração a Conduta Ilicita ou imoral da vítima (Torpeza Bilateral). Emissao de cheque, sem fundos, em pagamento de divida de jogo pode constituir crime de estelionato. O artigo 1477 do código civil, embora disponha que as dividas de jogo não obrigam a pagamento, todavia acrescenta: “mas não se podera recobrar a quantia que voluntariamente se pagou”. assim, embora o cheque seja dado prosolvendo e não pro soluto, força, força e reconhecer que, se o réu tivesse provisao de fundos, o cheque teria sido recebido e o réu não teria ação para recobrar a respectiva importancia. logo, não há negar que, na espécie, a emissao do cheque sem fundos importou para a vítima um dano patrimonial (STF – HC 33.015).
Por todo o exposto, em caso de crime de tráfico de sustâncias entorpecentes, onde o Laudo de Constatação acostado ao Inquérito Policial, não foi capaz de identificar a sustância como proscrita pelo sistema jurídico brasileiro, verificamos outro caso de torpeza bilateral, onde o traficante sabedor que era de que a venda que empreendia não era de droga, mais sim, de qualquer outra substâncias lícita (por exemplo, venda de comprimindo, supostamente, ecstasy, de onde o laudo pericial verifica não passar de analgésico) à pessoa que compra a substância com o fito de fazer o consumo pessoal da mesma, configura-se, conforme amplamente declinado aqui, com base na doutrina e jurisprudência, o crime de estelionato pelo suposto traficante, com base na tese da torpeza bilateral, a qual, conforme declinou-se, não impede a configuração do crime de estelionato.
Revista Consultor Jurídico