Cláudia Dornelles*
Nos últimos meses muito se tem discutido a respeito do movimento “funk” no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. Discute-se sobretudo, o significado das expressões utilizadas nas letras que, na opinião de alguns, fazem menção à mulher de maneira pouco elegante. Vale a pena repensar como se deu o desenvolvimento feminino nas últimas décadas para que se verifique o quanto de liberdade ou liberalidade há nessas melodias.
Desde a mais tenra civilização a mulher ocupa, perante as sociedades civilizadas e não civilizadas, papel de subserviência em relação ao homem. Somente em 1930, com o governo de Getúlio Vargas, o sexo feminino pode participar do processo de escolha dos representantes políticos. Anteriormente, nada mais fazia senão observar a livre escolha masculina. Sua função reduzia-se a organizar a casa e cuidar dos filhos e marido.
Muito se depreende dessa época, inclusive o modo atual com o qual as pessoas do sexo feminino se posicionam diante dos homens, dos filhos, do trabalho e da vida.
Válida é a discussão sobre os objetivos que fizeram com que as mulheres saíssem da inércia e passassem a se posicionar ativamente diante das questões sociais. Será que elas pretendiam serem chamadas futuramente de “tchuchucas’? “Purpurinidas”? “Cachorras”?
Não podemos confundir tais expressões contidas em algumas letras com o próprio movimento “funk”, intrinsecamente considerado. Parece-nos absolutamente legítima qualquer forma de livre expressão que divulgue ou pretenda divulgar o conteúdo cultural de um povo ou grupo social. Em princípio, todo movimento cultural é legítimo!
Precisamos (re) pensar apenas, em como não desvirtuar as verdadeiras idéias que nele consistem, de modo, a não fugir de suas originárias premissas. Preferimos negar o movimento ou procurar entendê-lo na sua essência?
O desafio maior é saber qual é o objetivo dessa musicalidade: se denunciar à realidade da periferia ou igualar a nós todas à condição de semipessoas. Penso que seja o primeiro. Entretanto, não nos basta ganhar o direito ao voto e o reconhecimento de nossa capacidade intelectual, se décadas depois nos submetemos à qualidade de caninas. Não é válida a igualdade social reconhecida em nossa Carta Magna, se não sabemos o que fazer com ela.
Igualar nem de longe significa desmerecer. Não esquecendo de que é impossível igualar os desiguais que, até em virtude de seus meios culturais, são intimamente diferentes. É importante salientar o que cada uma de nós quer para o próprio futuro, dos filhos, e da sociedade. Somos nós quem parimos todos esses homens que nos reduzem a tão pouco. Somos nós as principais educadoras dessa espécie humana, que pela própria natureza é contraditória, o que não significa tenha ela de ser injusta e equivocada.
Para nós fica a sensação de equívoco de tal movimento, que a nosso ver é legítimo, válido e merece ser respeitado em toda a sua plenitude. O que pretendemos questionar é o modo como estão sendo conduzidas tais letras, que aliás não são encontradas somente nesta vertente musical. Preciso se faz a lembrança de que somos todas partes de um mesmo povo, num processo civilizatório. Portanto, sofremos juntas as conseqüências de nosso desrespeito mútuo.
Cláudia Dornelles é advogada o Rio de Janeiro