Nunca se pagou tanto tributo sem retorno em serviços públicos

Alexandre da Cunha Ribeiro Filho*

A necessidade de se promover uma reforma tributária capaz de simplificar e racionalizar os procedimentos adotados pelo Fisco, diminuir a carga que incide sobre os contribuintes e, assim, garantir maior competitividade à economia brasileira desponta como um dos temas prioritários das eleições de outubro. Como a mudança do atual sistema é, de fato, imprescindível, cabe uma reflexão retrospectiva sobre a questão.

As excepcionais taxas de crescimento alcançadas pela economia brasileira nos anos 70 deveram-se, em grande escala, ao Modelo Tributário implantado pela Emenda Constitucional nº 18/65, que não se limitou a fixar normas gerais de uma nova política fiscal-monetária, mas assegurou condições indispensáveis à otimização do processo de desenvolvimento nacional.

Contrariamente, um perigoso processo de modificações na legislação fiscal brasileira, sobretudo depois da Constituição de 1988, transformou o sistema em fonte exclusiva de captação de recursos destinados a cobrir os crescentes déficits públicos, na impossibilidade política de se conter os excessivos gastos governamentais.

Hoje, a carga tributária nacional alcança 34,7% do PIB, superada apenas por países em avançado estágio de desenvolvimento, como Dinamarca (52,4%), França (45,3%) e Alemanha (44,2%). Da leitura do último relatório do FMI de 1995, observa-se que a participação dos impostos no PIB era de 15,3% na Argentina; 19,9%, no Chile; e 18,3%, no México, o maior adversário comercial brasileiro nas Américas. Nos EUA é de 29,7% e, no Japão, de 21%. Ou seja, uma grande desvantagem competitiva para as empresas brasileiras.

A receita tributária brasileira alcançou, em 2001, a astronômica cifra de R$ 403 bilhões, contra R$ 351 bilhões, arrecadados em 2000, graças à voracidade dos governos, nas diferentes esferas. Ao invés de se gastar menos e de forma racional, optou-se por elevar tributos. Os aumentos mais significativos ocorreram no campo do ICMS, que hoje representa 23,41% da receita geral (R$ 94 bilhões), e no das Contribuições Sociais, que representam 38% da receita (R$ 74 bilhões).

Quanto ao ICMS, houve o aumento vertiginoso na política adotada pelos Estados, que aplicaram alíquotas exageradas em produtos e serviços essenciais ao consumo (combustível, telecomunicação e energia elétrica). No que concerne às contribuições (CPMF, Cofins, PIS, CSLL), os constantes aumentos das suas alíquotas, combinados com a incidência cumulativa e em cascata sobre todos os elos da cadeia de comercialização, diminuem a renda disponível para o consumo, além de tirar a competitividade do produto brasileiro no exterior.

A renda de uma família com dois dependentes, em que o homem e a mulher trabalham, é gasta em mais de 240 itens distribuídos entre dez grupos e subgrupos de bens e serviços. Medicamentos como os analgésicos e antitérmicos têm 28% de impostos embutidos nos preços.

A situação não muda em relação aos produtos da cesta básica, como o arroz e o feijão, com 15% de imposto. O maior peso sobre o orçamento das famílias de classe média não está na tributação sobre a renda, e sim dos impostos indiretos. Entre os tributos, o que provoca maior estrago no orçamento familiar é a contribuição ao INSS, com 9,87% da renda, seguido do ICMS (9,01%) e da Cofins (4,11%). Mas o atual modelo do Imposto de Renda também gera graves distorções.

Em 1998, o IR correspondia a apenas 1% dos gastos totais com impostos. Com a não atualização da tabela progressiva, esse percentual passou para 4% em 2001. Como se sabe, no Brasil o IR tem apenas duas alíquotas, de 15% e 27,5%, enquanto na maioria dos países prevalecem sistemas com quatro até oito alíquotas, exatamente para fazer valer a progressividade e atenuar a carga sobre o contribuinte de menor renda.

Nunca se pagou tanto tributo no Brasil sem que, em contrapartida, a sociedade receba serviços públicos nas áreas da saúde, educação e saneamento compatíveis com o estágio mínimo de bem-estar social.

Com a promulgação da Constituição de 1988 seguiu-se uma série de mini-reformas do modelo tributário nacional, todas insuficientes ou equivocadas. Em 1992, o Pacote Collor; em 1993, o Pacote Itamar Franco, que instituiu a Contribuição Provisória Sobre a Movimentação Financeira (CPMF), e que na prática deixou de ser provisória. Em 1995, foi a vez do Pacote Tributário de FHC. Desde então, tivemos 13 (treze) propostas de revisão do Sistema Tributário. Finalmente, em julho de 2001, o Governo Federal ofereceu ao Congresso Nacional uma proposta de “mini-reforma” tributária, na verdade, um arremedo de reforma incapaz de resolver as mais graves distorções do sistema.

Infelizmente, o fundamento que transpassou todas essas alterações foi sempre o mesmo: criar mecanismos destinados a equilibrar as contas públicas, cujos déficits são crescentes, em detrimento da implantação de um sistema justo, que desonerasse a produção, preservasse o contribuinte de menor renda e proporcionasse maior competitividade à economia nacional, sem deixar de custear serviços básicos.

A constituição de um Fórum Nacional, composto por representantes de todas as entidades representativas da sociedade brasileira e, ainda, por tributaristas, economistas e membros dos três Poderes, parece ser a iniciativa mais sensata no sentido de se promover uma profunda análise do Sistema Tributário Constitucional. Se estão, de fato, atentos ao problema, os candidatos à Presidência da República não deveriam deixar passar em branco esta proposta.

Revista Consultor Jurídico

Alexandre da Cunha Ribeiro Filho é tributarista, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ e membro da Comissão Permanente de Direito Tributário e Financeiro do instituto dos Advogados do Brasil (IAB).

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