João Bosco Barbosa Martins*
Preliminarmente, é de bom alvitre se distinguir procedimento de processo. Esses institutos possuem a mesma origem latina, já que vêm do mesmo vocábulo procedere (adiantar-se, caminhar, avançar, marchar à frente, progredir). Do processo acabou derivando procedimento, que vulgarmente se define como “modo de alguém efetuar alguma coisa”.(1)
Destarte, é de se ressaltar, “que não há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos que não constituem processo, como, p. ex., os de licitações e concursos”. (2) José Cretella Júnior preleciona que “Processo designa entidade que, em nada difere da que se designa por procedimento, podendo-se, quando muito, quantitativamente, empregar o primeiro termo para mostrar o conjunto de todos os atos e procedimentos para designar cada um desses atos: processo é o todo, procedimento as diferentes operações que integram esse todo”.(3)
Grandes estudiosos brasileiros, em diversas obras do Direito Administrativo Disciplinar, manifestaram-se a respeito do conceito de processo administrativo disciplinar.
Léo da Silva Alves à luz do Direito Positivo brasileiro diz que “processo administrativo disciplinar é o instrumento utilizado na regra como próprio para viabilizar a aplicação de sanções disciplinares no âmbito da Administração Pública direta, autárquica, ou no seio das fundações públicas”.(4)
Antônio Carlos Palhares Moreira Reis define como: mecanismo estabelecido na lei para o controle das atividades dos servidores, no que concerne ao descumprimento de suas obrigações, ao desrespeito às proibições e à realização de fatos capituláveis como crimes ou contravenções, pela legislação penal ou por leis especiais, com reflexo no âmbito administrativo.(5)
O art. 148 da Lei n.º 8.112/90 (6) informa que o processo administrativo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido. Delimitado o campo de atuação da responsabilidade administrativa dos servidores públicos, mister se faz um esclarecimento sobre a matéria elaborada pelo mestre Hely Lopes Meirelles, in examine:
“Responsabilidade administrativa é a que resulta da violação de normas internas da Administração pelo servidor sujeito ao estatuto e disposições complementares estabelecido em lei, decreto ou qualquer outro provimento regulamentar da função pública. A falta funcional gera o ilícito administrativo e dá ensejo à aplicação de pena disciplinar pelo superior hierárquico, no devido processo legal”. (7)
O Professor de Direito Daniel Ferreira ao discorrer sobre a definição da sanção imponível, sua intensidade e o “excesso de punição”, destaca:
“Não aceitamos a menor possibilidade de subjetiva eleição entre impor esta ou aquela sanção diante de um ilícito administrativo. Isso decorre da estrita observância do binômio ilícito/sanção. Vale dizer: para cada ilícito há uma previamente reconhecida e correspondente sanção.
Todavia, ainda assim se nos apresenta como juridicamente viável a possibilidade de outorga legislativa de certa parcela de discricionariedade, mesmo que residual, na imposição das sanções administrativas.
Não vislumbramos qualquer traço de discricionariedade na definição da infração ou na fixação da sanção, posto que “somente a lei pode criar uma infração e cominar-lhe a respectiva sanção. Somente as infrações previstas como tais pela lei e as sanções nela expressamente cominadas é que podem ser aplicadas pelo administrador”.(8)
Aliás, algumas questões do Direito Administrativo Disciplinar figuram entre as hipóteses da insuscetibilidade do controle jurisdicional pleno, em razão da valoração administrativa de conceitos juridicamente indeterminados.
Para o Professor de Direito Público da Universidade Federal do Piauí Robertônio Santos Pessoa existe discricionariedade no exercício do poder disciplinar, já que a nomenclatura adotada pelos estatutos funcionais, assim quando da escolha da sanção administrativa mais adequada à punição da infração definida em lei. Alerta o ilustre Professor: “Tal dificuldade decorre da forma como são fixadas as infrações administrativas e sua conseqüente penalização”.(9)
Na opinião de Vladimir da Rocha França, (10) quando o Poder Judiciário se depara com a impossibilidade material de fixar a aplicação mais correta do “conceito jurídico indeterminado”, é quase sempre impossível identificar a fronteira entre o juízo de oportunidade e o juízo de juridicidade, pois aí, houve justamente a perigosa mistura de ambos. Se o Poder Judiciário pudesse dissociar os elementos de juridicidade dos elementos de oportunidade na ação administrativa, haveria, sem sombra de dúvida, espaço para um controle total, sob a ótica da juridicidade.
A doutora em Ciências Jurídico-Políticas, Germana de Oliveira Moraes, defende que um dos problemas mais sérios para o direito dos servidores públicos encontra-se no fato do administrador público ter a liberdade de escolher uma sanção disciplinar, quando a lei estabelece uma possibilidade desse optar entre mais de uma. O Poder Judiciário pode verificar se existe uma causa legitima que possibilite a imposição de uma reprimenda disciplinar, acrescenta a nobre Professora de Direito Administrativo. “O que se lhe veda, nesse âmbito, é, tão-somente, o exame do mérito da decisão administrativa, por tratar-se de elemento temático inerente ao poder discricionário da Administração Pública”, (11) conclui ela o pensamento sobre a matéria.
Para Odete Medauar uma das questões mais relevantes no tratamento do tema do controle jurisdicional da Administração diz respeito ao alcance da atuação do Judiciário. Disserta, ainda que:
“A tendência de ampliação do controle jurisdicional da Administração se acentuou a partir da Constituição Federal de 1988. O texto de 1988 está impregnado de um espírito geral de priorização dos direitos e garantias ante o poder público. Uma das decorrências desse espírito vislumbra-se na indicação de mais parâmetros da atuação, mesmo discricionária, da Administração, tais como o princípio da moralidade e o princípio da impessoalidade. O princípio da publicidade, por sua vez, impõe transparência na atuação administrativa, o que enseja maior controle. E a ação popular pode ser com um dos seus fulcros a anulação de ato lesivo da moralidade administrativa, independentemente de considerações de estrita legalidade”. (12)
Para Ernomar Octaviano e Átila J. Gonzalez(13) permitido é o Poder Judiciário examinar o processo administrativo disciplinar para verificar se a sanção imposta é legítima e se a apuração da infração atendeu ao devido processo legal.
Essa verificação importa conhecer os motivos da punição e saber se foram atendidas as formalidades procedimentais essenciais, notadamente a oportunidade de defesa ao acusado e a contenção da comissão processante e da autoridade julgadora nos limites de sua competência funcional, isso sem tolher o discricionarismo da Administração quanto à escolha de pena aplicável entre as consignadas na lei ou regulamento do serviço, à graduação quantitativa da sanção e à conveniência e oportunidade de sua imposição.
Bibliografia:
1- OCTAVIANO, Ernomar, GONZÁLEZ, Átila J. Sindicância e processo administrativo. São Paulo: Leud, 1999, p. 101.
2- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro (n. 05), p. 584.
3- CRETELLA JR., José. Curso de direito administrativo. São Paulo: Forense, 1992, pp. 655/656.
4- ALVES, Léo da Silva. Questões relevantes da sindicância e do processo disciplinar. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 51.
5- REIS, Antônio Carlos Palhares Moreira. Processo disciplinar. Brasília: Consulex, 1999, p. 100.
6- Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas, de 11 de dezembro de 1990.
7- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro (n. 05), pp. 223-224.
8- FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 161.
9- PESSOA, Robertônio Santos. Curso de direito administrativo moderno. Brasília: Consulex, 2000, p. 374.
10- FRANÇA, Vladimir da Rocha. Vinculação e discricionariedade nos atos administrativos. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV, out/dez, 2000, (222): p. 113.
11- MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo: Dialética, 1999, pp. 175/176.
12- MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. São Paulo: RT, 1999, p. 435.
13- OCTAVIANO, Ernomar, GONZÁLEZ, Átila J. Sindicância e processo administrativo (n.01), p. 192.
João Bosco Barbosa Martins é auditor-fiscal da Receita Federal, parecerista do escritório da Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal em Recife – PE e especialista em Direito Administrativo da Faculdade de Direito do Recife da UFPE.
Revista Consultor Jurídico