Lula e a arrogância da incultura

A diferença é que Lincoln, estudando sozinho, tornou-se um autêntico clássico da língua inglesa. Já o sr. Lula da Silva só consegue pronunciar com língua presa uns discursinhos miseráveis, exibição de mediocridade. Votando em Lula, votam em si mesmos

Olavo de Carvalho

Está circulando pela internet um artigo assinado por
Rubens Alves, educador e professor da Unicamp, que
defende a eleição de Lula para presidente mediante um
truque de argumentação que tem tudo para enganar
milhares de leitores.

O professor Alves começa reproduzindo, como se
pretendesse defendê-las, duas das objeções de praxe
contra o candidato do PT:

Primeira: é um caipira inculto, que mal terminou o curso
primário e, habilitado a trabalhar antes com os músculos
do que com o cérebro, não tem o mínimo preparo para
lidar com as grandes questões nacionais. Segunda: tem
umas propostas de política agrária que, se aplicadas,
levarão o país a uma convulsão social.

Uma vez expostas essas objeções, o autor as neutraliza
de repente, com grande efeito persuasivo, mostrando que
as copiou de discursos feitos não contra Lula, mas
contra Abraham Lincoln, o qual, a despeito delas, veio a
tornar-se um dos maiores presidentes dos EUA.

Conclusão: Lula na presidência não há de ser mais
perigoso – ou vexaminoso – do que o foi Abraham Lincoln.

Pois bem, esse artigo, para mim, só prova uma coisa: a
incultura pretensiosa de um certo tipo de educador e
professor universitário – certamente o mais comum hoje
em dia – que emporcalha sua cátedra fazendo dela um
palanque para a difusão de mentirinhas tolas
convenientes ao seu partido. Aí já estamos um passo além
da simples politização abusiva da vida universitária.
Politiqueiros de cátedra sempre existiram, mas eles
buscavam conservar ao menos uma aparência de dignidade
intelectual. Agora, a ânsia eleitoreira suprimiu esse
último resíduo de escrupulosidade: para promover o
candidato, não se vexa de apregoar tolices que estão
abaixo do nível de exigência do ensino primário.

O paralelo entre a educação de Lula e a de Abraham
Lincoln é falso até o limite da alucinação. Ambos esses
políticos vieram, é certo, de família pobre, e mal
tiveram educação formal. A diferença é que Lincoln,
estudando sozinho, tornou-se um grande conhecedor de
história e de literatura, e dominou seu idioma natal ao
ponto de escrever, já aos vinte e poucos anos, como um
autêntico clássico da língua inglesa. Já o sr. Lula da
Silva só o que consegue é pronunciar com língua presa
uns discursinhos miseráveis que, se lhe granjeiam alguns
votos, é apenas graças ao efeito tranqüilizante que a
exibição de mediocridade pode ter sobre platéias de
invejosos doentios que fogem do admirável como da peste.
Para estes, a melhor qualidade que um candidato pode
apresentar é a de não ser melhor que eles. Votando em
Lula, votam em si mesmos, porque se sentem capazes de
fazer tudo o que ele faria e, elegendo-o, não serão
obrigados a respeitá-lo.

O sucesso de Lula é, de fato, a plena legitimação da
incultura orgulhosa. Este senhor não se deu o trabalho
de aprimorar sua formação nem mesmo depois de salvo da
miséria pela ascensão política. Gasta seu dinheiro com a
satisfação de vaidades tolas, mas não com auto-educação.
Usa ternos elegantes e fuma charutos caros, mas não
contrata um fonoaudiólogo para corrigir aquele medonho
ceceio na sua pronúncia, que ele prefere continuar
ostentando como uma grife.

Eu próprio vim de família pobre, mal tinha dinheiro para
comprar livros, e além de pobre era doente. Só soube o
que era saúde aos vinte e oito anos, e comprei meu
primeiro e único carro (usado e esculhambado) aos
quarenta e tantos. Isso não me impediu de adquirir
conhecimentos bem superiores aos de várias dúzias de
Lulas somados a uns quantos Rubens Alves. Mas me impediu
de aviltar minha pobreza utilizando-a como desculpa para
meus defeitos ou, mais ainda, de alegar esses defeitos
como qualidades excelsas, cavando votos mediante a
ostentação deles. Vocês podem avaliar quanto o
embelezamento eleitoral da incultura luliana me soa
incongruente e insultuoso. Insultuoso não só a mim: num
país cuja cultura superior é quase toda ela obra de
pobretões esforçados, a beatificação da incultura de um
ex-pobre é de um cinismo quase macabro.

Se a biografia de Lula ilustra a perfeita
compatibilidade da indolência intelectual com a ambição
avassaladora de subir na vida, a argumentação do
professor Alves demonstra a total harmonia entre o
estatuto de intelectual acadêmico e uma mentalidade
mesquinha de cabo eleitoral. Um insulta os pobres
estudiosos, o outro ostenta com orgulho o emblema da
prostituição intelectual. E é essa gente que pretende
julgar e corrigir o país.

E o mais espantoso na argumentação é justamente a sua
segunda parte, na qual, ironizando como se fosse uma
estupidez sem mais tamanho o temor de que a política
agrária de Lula venha a produzir uma convulsão social, o
professor esquece que a de Lincoln produziu não apenas
isso, mas uma guerra civil que foi o maior conflito
armado registrado na História até então. Essa guerra,
fruto da pura prepotência burocrática, teve como efeito
colateral, é certo, a libertação dos escravos, mas esse
mesmo efeito poderia ter sido obtido por outros meios,
sem tanto derramamento de sangue e sem consolidar o ódio
racial cujas conseqüências ainda são visíveis na
sociedade americana. Meninos de escola não têm o direito
de ignorar isso. Mas o professor Alves acha que tem.

Seu argumento pró-Lula, na verdade, funciona às avessas:
se mesmo o grande Lincoln, com toda a sua cultura, sua
sabedoria, sua humildade, não foi capaz de impor sua
política rural sem uma dose extraordinária de violência,
por que haveremos de esperar coisa melhor de um tolo
arrogante que exibe sua incultura como um direito e um
mérito?

OLAVO DE CARVALHO é filólofo e polemista.

Fonte: www.direito.com.br.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento