Mauro Roberto Gomes de Mattos*
No direito brasileiro, a regra geral é o dever da Administração Pública licitar os serviços e obras de que necessita para a consecução das suas finalidades. É o que resulta da norma encartada no artigo 37, XXI, da Constituição Federal, que após o advento da Emenda Constitucional nº 19/98, excetuou da Lei Geral nº. 8.666/93) as Sociedades de Economia Mista e as Empresas Públicas, que possuem estatuto próprio mais flexível e compatível com o artigo 173 do mesmo texto constitucional, sem contudo libera-las da exigência do certame licitatório.
Sucede que o aludido cânone principiológico não possui o condão de regular todas as hipóteses jurídicas que se afigurem como as mais adequadas para caso concreto, ressalvando, portanto, “os casos especificados na legislação”. E coube ao legislador ordinário, dentro de uma razoabilidade, estipular quais seriam os casos dispensados da competição licitatória.
No caso das telecomunicações, a sua Lei Geral (Lei nº. 9.295/96) excetua a aplicação da Lei nº. 8.666/93 e Lei de Concessões, pelo fato das mesmas não contemplarem a abertura do mercado privatizado e, via de conseqüência, a regulação pelos Órgãos competentes.
Todavia, alguns segmentos, especialmente os que defendem o monopólio de interesses comerciais de determinadas prestadoras de serviços telefônicos, que por não estarem dispostas a competir com as demais, vem defendendo, quando lhes interessa apenas, que o art. 175 da CF impõe ao Poder Público prestar os serviços diretamente ou sob o regime de concessão e permissão, após a submissão do processo licitatório.
Isso porque, residiria a inconstitucionalidade, na visão retrógrada, e comprometida com os interesses comerciais, por ser ilegal a lei prever que serviços de telefonia sejam explorados por particulares através de autorização, quando a Constituição Federal determina, nesses casos, que seja mediante permissão ou concessão e, a Lei de Telecomunicações não poderia permitir que a Agência Reguladora (Anatel) outorgasse às concessionárias de telefonia autorizações para expandirem os seus serviços, sem a prévia licitação.
Ora, no direito não basta ler para interpretar, pois se isso bastasse, todo alfabetizado poderia ser intérprete dos comandos legais. É necessário que se faça uma interpretação sistemática dos textos legais, para após extrair conclusões.
In casu, o art. 21, IX da CF, com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº. 8, estipula que compete à União, explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, na forma da lei.
Partindo-se dessa orientação, a Lei Geral de Telecomunicações criou dois tipos de situação, decorrendo a primeira da exploração dos serviços de telecomunicações em regime público (através de concessão ou permissão), a segunda, pelo regime privado, por força de autorização.
Pois bem, a exploração pelo regime público segue a liturgia do art. 175 da CF, ao passo que a exploração em regime de liberdade (privado) sobre a incidência do art. 174 também da lex legum.
Nessa moldura, a Lei Geral de Telecomunicações é endereçada a cumprir a regra constitucional, combatendo a exclusividade, que é substituída pela pluralidade, tendo em vista o “princípio do maior benefício ao usuário e o interesse social e econômico do País.” (art. 84, parágrafo 1º).
Assim, no caso do regime público, onde a empresa que explora o serviço de telecomunicações se submeteu ao processo de concessão ou de privatização, após o competente procedimento competitório, poderia ou não expandir os seus serviços, pelo fato de já ser delegatária do serviço em questão e o seu contrato com o Poder Público não vedar tal conduta?
Entendemos que sim, pois as autorizações estão fora do contexto do art. 175, da CF. Elas são fruto do anterior procedimento licitatório ou decorrentes da própria privatização.
Engessar a expansão dos serviços das empresas que já possuem a concessão de telefonia, por mero capricho do interesse econômico da concessionária que se sente ameaçada pela concorrência das demais, é o mesmo que colocar por terra o interesse social e econômico do País, para defender uma exclusividade que não existe.
A licitação toma assento no art. 37, XXI, da CF e ressalta expressamente os casos especificados na legislação de regência, exatamente para que não haja engessamento de determinadas situações, que se atreladas às regras do certame licitatório, prestariam um desserviço à sociedade.
Nessa vertente, a LFT não feriu a CF quando estipulou que só será exigida licitação quando houver limites ao número de autorizações a serem expedidas para explorar um serviço (art. 136).
Para os que defendem o contrário, vai um outro argumento que também é insuperável, qual seja: não se licita o que é oferecido a todos os interessados, em razão da abertura ampla do mercado, pois a licitação visa assegurar a isonomia e a vantagem da contratação. A partir do momento que todos competem entre si, com os mesmos direitos e deveres, como licitar?
O modelo eleito pela LGT é esse, todos concorrem entre si, sendo previsto expressamente a expansão no serviço do Dec. nº. 2.534/98, que instituiu o Plano Geral de Outorgas, onde foi reconhecido que todas as empresas concessionárias de telefonia, desde que antecipem a meta de universalização do serviço, podem expandir os seus serviços, em face da ampla abertura do mercado, a partir de 31 de dezembro de 2001.
Cumpriu o citado Dec. nº 2534/98 rigorosamente o que vem estatuído no parágrafo 2º, do art. 91 da LGT: “Art. 91 – A licitação será inexigível quando (…); parágrafo 2º – Considera-se DESNECESSÁRIA a disputa nos casos em que se admita a exploração dos serviços por todos os interessados que atendam às condições requeridas.”
Assim, a expansão dos serviços, através de autorização não afronta a regra licitatória por estarem entranhadas ao contrato de concessão, esse sim, precedido da devida e necessária competição.
Também o STF, na ADINMC 1.491-DF, Rel. Min. Carlos Velloso, em 26/06/98, afastou ofensa à regra da licitação, nas hipóteses em que é assegurado a qualquer interessado na prestação de serviço de valor adicionado a utilização da rede pública de telecomunicações, que possibilitou a criação de “novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação e recuperação de informações.” (art. 10, parágrafo único da Lei nº. 9.295/96), vencido o Min. Marco Aurélio que concedia a liminar por entender que a norma impugnada acabaria por afastar o processo licitatório (cf. Informativo STF nº. 116).
Portanto, a expansão dos serviços de telecomunicações é lícita e decorre da própria necessidade dos consumidores receberem de todos os delegatários, opções que lhe permitam escolher o serviço que lhes oferece uma melhor qualidade, com a devida modicidade da tarifa cobrada. Assim sendo, não agride a CF a expansão dos serviços, por parte de todas as empresas que cumpriram as metas de universalização elencadas pela Agência Reguladora, sem processo de licitação.
Revista Consultor Jurídico
Mauro Roberto Gomes de Mattos é advogado, autor do livro O Contrato Administrativo e vice-presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público, membro da International Fiscal Association e conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social