Os embates políticos travados em torno da reforma tributária, que voltaram à ordem do dia com a iminência do novo governo, têm demonstrado a prevalência dos interesses paroquiais das esferas de poder que compõem a Federação brasileira.
José Rubens de Araújo Júnior
Os recentes embates políticos travados em torno da reforma tributária, mais do que acirrar os ânimos partidários, têm demonstrado a prevalência dos interesses paroquiais das esferas de poder que compõem a Federação brasileira. Tornou-se impossível contornar os interesses antagônicos dos que tem vez e voz nas discussões.
A União, com seus crescentes superávits fiscais, não quer abrir mão da cumulatividade das chamadas Contribuições Sociais – aliás, a menina–dos-olhos do Secretário da Receita Federal, dada a facilidade de sua cobrança e ao alto valor arrecadado.
Os Municípios se debatem freneticamente para não perderem participação na repartição do bolo tributário, já que a maioria das propostas tem como intenção retirar-lhes a titularidade direta sobre as receitas advindas da cobrança do ISS e ITBI, principalmente. Seriam tributos de competência da União que, posteriormente, repassaria aos Municípios um percentual sobre os valores arrecadados.
Os Estados ….. Bem, os Estados tornaram-se os grandes vilões da reforma tributária. É em torno deste ente da Federação que gravita a grande parte das polêmicas. Conciliar as 27 legislações sobre o ICMS é tarefa que requer amplo consenso, com ganhos e perdas para todos. Infelizmente, tem prevalecido a visão obtusa e imediatista dos governadores, mais preocupados com os dividendos eleitorais – ocasionalmente proporcionados pela manipulação política do ICMS – do que efetuar uma reformulação condizente com a realidade do contribuinte.
Entretanto, enquanto não sai o consenso no Congresso Nacional, os Estados chegam a um “consenso utilitarista”, aguçando sua fúria fiscalista de maneira inaudita, afrontando princípios constitucionais duramente conquistados pelo Estado Democrático de Direito e deleitando-se com a passividade do contribuinte. Para agravar a situação, com a recente aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal os governantes se viram obrigados a cumprirem rigorosas metas fiscais, exigindo verdadeiros malabarismos tributários para adequarem-se aos percentuais máximos de comprometimento da receita.
Apenas a título de ilustração, voltemos a atenção à nova sistemática de cobrança do ICMS inaugurada por alguns Estados. Nela, sob a capa de “substituição tributária”, o fato gerador do ICMS de mercadoria adquirida em um Estado “A”, por exemplo, é deslocado como sendo a entrada da mercadoria na unidade da federação “B”. Ou seja, o ICMS será devido na transposição física da mercadoria entre unidades federadas, sendo ali calculado seu montante, tendo a nota fiscal como base de cálculo e emitido o boleto bancário para posterior pagamento, sendo vedada sua entrada sem que ali se concretize o fato gerador do imposto.
Basta uma rápida leitura do art. 150, V, da Constituição Federal – artigo este considerado como o Estatuto do Contribuinte, por encerrar princípios basilares do Direito Tributário – para se chegar à conclusão de que tal sistemática é absolutamente inconstitucional. Tal dispositivo impõe uma vedação expressa a todos os entes políticos da Federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios –, proibindo o estabelecimento de “limitações ao tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público.”
O Prof. Hugo de Brito Machado, um dos maiores tributaristas do País, assim comenta tal dispositivo constitucional:
“É importante esclarecer que essa regra não impede a cobrança de impostos sobre a circulação em operações interestaduais ou intermunicipais. O que ela proíbe é a instituição de tributo em cuja hipótese de incidência seja elemento essencial a transposição de fronteira interestadual ou intermunicipal.”(grifei).
Não satisfeitos, alguns Estados ainda obrigaram o recolhimento do imposto sobre os estoques!!! Esta imposição, de tão absurda, dispensa maiores críticas. Na feliz expressão do grande tributarista Alfredo A. Becker, ao se referir ao Sistema Tributário Nacional, chamou-o de “Carnaval Tributário”.
Assim, não pairam dúvidas quanto à ilegitimidade de tal sistemática, utilizada farta e crescentemente por alguns Estados, impondo um ônus fiscal a mais ao contribuinte e, pior, sem o mínimo de respeito à ortodoxia tributária inserida na Constituição da República. A propósito, as conveniências arrecadatórias, conquanto digam de perto com o interesse público, só prevalecerão quando legítimas.
Diante de tal situação, é necessária a mobilização dos setores da sociedade envolvidos, com a ocupação dos espaços da mídia e a utilização de ferramentas jurídicas para pressionar e barrar mais esta estocada fiscal arbitrária por parte da Administração Pública. Será uma briga de titãs, pois de um lado encontra-se parcela expressiva do PIB nacional, entrincheirados em sindicatos e associações, sufocados pela excessiva carga tributária e vítimas constantes do crescente uso político do ICMS; de outro, a Administração Pública e suas múltiplas formas de manipulação tanto da mídia como do Judiciário. Quem viver, verá.
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