A inovação ilusória – comentários sobre o Novo Código Civil

Gisele Leite

Abstract
All innovations so published for the media were already contained with constitutional text of 1988, actually it only lacked an adaptation and nor it was really necessary a new civil code. In fact, in the opinion of the Master of the Masters, Silva Pereira’s eminent Caio Mário already didn’t admit that he would have pertinence to elaborate a whole Civil Code, it was better to create a specific code of obligations and contract, a code of family right and so on (vide report published by JB, in 16.08.2001).

RESUMO
Todas inovações tão propaladas pela mídia já estavam contidas com texto constitucional de 1988. Na verdade só faltava uma adequação e nem era realmente necessário um novo Código Civil. Aliás, na opinião do Mestre dos Mestres, o eminente Caio Mário da Silva Pereira já admitia que não teria cabimento elaborar um Código Civil inteiro, era melhor criar um código específico de obrigações e contrato, um código de direito de família e assim por diante (vide reportagem publicada pelo JB, em 16.08.2001).

E neste sentido, endossam outros brilhantes doutrinadores como Arnoldo Wald , professor da UERJ. A redução da maioridade de 21 para os dezoito anos, não é verdadeiramente um avanço, e, nem a dispensa do consentimento para casar é justificável…. Muitas vezes os jovens movidos mais pelos hormônios que pelos neurônios, apressam-se a casar, contraindo núpcias e formando famílias que em geral não duram mais que seis meses, e restando responsabilidades e prole somente protegidas pela lei e, não pela consciência.

A retirada dos adjetivos legítimos ou de qualquer outro discriminatório já era prevista pela Constituição Federal de 1988 que aliás, previa também plenitude de direitos e deveres para todos os filhos independentes de sua origem (art. 226 §6 da CF/88).

Quanto à limitação da linha sucessória1 esta já teria ocorrido (retraindo-se do sexto grau para os parentes até quarto grau) pois, alterada a redação do art. 1.612 do CC pelo Dec.-lei 9.461/46 e, ainda alterado pela Lei n 8.971/94, art. 2, inciso III).

Quanto à necessária motivação de desvirginamento para a anulação do casamento, não faz mais sentido por razões culturais e, até por razões doutrinárias, pois a teoria das nulidades em Direito de Família só conheceu o glamour enquanto não existia a possibilidade de dissolver o vínculo matrimonial, com o advento do divórcio a anulação do casamento perdeu sua importância e sentido.

Com relação ao adultério, a revogação já teria se operado de maneira fática, face ao constrangimento e a dificuldade de lavrar-se um auto de flagrante delito, e, conseguir ainda, a condenação para que se erigisse em real impedimento matrimonial para o cônjuge adúltero e seu co-autor (vulgarmente chamado de cúmplice).Mas continua como motivador para a separação judicial, caiu apenas como impedimento matrimonial. Um franco retrocesso! E aliás vige ainda o art. 240 do Código Penal.

Já questão relativa ao adultério que deveria ser definitivamente sepultada pelo princípio de ruptura conjugal que veio modernamente na doutrina jurídica substituir o antigo princípio da culpa conjugal, foi novamente lembrada embora sem se erigir como justa causa para separação, apesar de que já era mesmo desnecessário motivar judicialmente o pedido de separação judicial (desde da lei divorcista).

Outra perfumaria , foi o fato da lei deixar de utilizar a expressão “homem” que sempre teve acepção de humanidade, servindo tanto para referir-se ao homem, quanto à mulher. Mormente o senado preferiu “pessoa”.

O pátrio poder que mudou de nomenclatura passou a ser “poder familiar” há muito tempo deixou de ser prerrogativa do pai e desde a Lei 4.121/62 (deu nova redação do art. 392 CC sem interferência do segundo marido) permitia que mãe viúva o exercesse, e, mais tarde com a lei divorcista quando restasse a guarda do menor com a mulher também poderia exercê-lo.

No tocante a este poder, este deve ser igualmente exercido em igualdade de condições tanto pelo homem como pela mulher pelo que dispõe o art. 226, § 5 CF/88, aliás desde da Lei divorcista de 1977 a mulher poderia regularmente exercer o pátrio poder pois que estivesse com a guarda o menor. Bem, antes disto, o Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, concedeu à viúva o pátrio poder sobre os filhos do casal extinto, cessando somente, se convolava novas núpcias. E, hoje mesmo bínuba não perde o pátrio poder ex vi os termos da Lei 6.515/77.

O direito positivo brasileiro através da Lei 4.121/62 como um corolário da igualdade jurídica da mulher, com a supressão definitiva da capitis diminutio da mulher casada considerou que o pátrio poder compete ao pai, que o exerce “em colaboração com sua mulher”.

Aliás, o pátrio poder doutrinariamente passou a ser um conceito de poder-dever (nas palavras de Messineo), o ECA (Lei 8.069/90) estabeleceu claramente que o pátrio poder será exercido igualmente pelo pai e pela mãe repisando e regulamentando a regra constitucionalmente instituída.

Portanto, há muito tempo que o pátrio poder deixou de uma prerrogativa exclusiva do pai.

Com relação à guarda dos filhos através da separação judicial quer consensual ou litigiosa ocorre o deslocamento do pátrio poder para quem tenha a guarda do filho. Mesmo anterior ao ECA (Lei 8.069/90), quando era vigente entre nós o Código de Menores de 1927, tutelava-se com absoluta prioridade os interesses e o bem-estar do menor.

A guarda do menor deve ser conferida a quem melhores condições de exercê-la, mas resta saber qual critério seguir, se o material, se o afetivo, o psicossocial, enfim, o que for melhor para o menor. Mais uma tarefa para a subjetividade do julgador.

Agora não se pode cobrar para a lavratura de nascimento e de óbito, a gratuidade foi imposta por art. 5 , LXXVI da CF/88, e, agora, também gratuita lavratura do casamento, posto que são inscritos em registro público conforme o art. 12 C.C.

Temerária é à medida que elimina a necessidade de prazo mínimo de dois anos par a caracterização da união estável, pois este prazo fora sabiamente deduzido pela jurisprudência pela possibilidade de se requerer o divórcio ante a comprovada separação de fato de dois anos, ininterruptos, tornando assim o convivente desimpedido para casar-se.

Já quanto ao pedido de pensão alimentícia em em face de paridade constitucional já instituída dês 1988, pode ser requerida por quem dela necessitar seja cônjuge-varão, ou o companheiro. Perde assim o homem a fama de provedor dentro da sociedade brasileira. Aliás, recentes estatísticas já comprovam que significativo percentual das famílias brasileiras são sustentadas pelo labor feminino.

Aliás, a própria concepção de família2 foi ampliada admitindo-se tanto a família monoparental como a adotiva e até a oriunda de união estável (sob o título de entidade familiar).

Criou o estado de perigo que poderá negócios jurídicos; restando estabelecer através do diploma processual quais serão as provas cabais para comprova-lo, reconheceu a lesão que igualmente credenciar uma revisão nos termos obrigacionais.

Reduziu-se o número de testemunhas para a lavratura de testamento ou declaração de última vontade, duas para o público, e, três para ao testamento particular.

Aboliu-se necessária outorga uxória para a alienação de bem imóvel de empresário casado, desde que se trate de bem exclusivamente da empresa. Outra medida também auspiciosa pois, ter-se-á que investigar realmente se tal patrimônio procede exclusivamente da empresa.

Instituiu a obrigação de anuência dos cônjuges quanto ao aval, confirmando tal exigência já existente no que tange à fiança. Aliás, tem sido unânime a jurisprudência brasileira neste sentido pois já se exigiu para a fiança e, não se justificava não a exigir para o aval, embora a omissão legal propiciasse a ausência desta

Estas duas disposições guardam secretamente um certo paradoxo. Exige-se a anuência para o aval a guisa do que já é feito para fiança mas dispensa-se se para o empresário casado.

O novo Código Civil já nasceu velho, e, traz passos inusitados, como a menção do adultério e, ainda a possibilidade de mudar o regime de bens3 na vigência da sociedade conjugal.

O que é ponderavelmente perigoso quer para o patrimônio da família quer para efeitos de terceiros.

Muitas questões importantes foram olvidadas, a importância da prova pericial genética (do exame do DNA), a “barriga de aluguel4”, a inseminação artificial e até a clonagem humana5 que já está preste a ser oficialmente anunciada e realizada.

Outro problema que ainda paira sem solução é sobre a vacatio legis, já foi proposto por Fiúza o prazo de dois anos e, até quem propusesse o de quarenta e cinco dias.

Quanto maior for o prazo da vacatio legis , maiores problemas surgirão e,
mais conflitos terá os Tribunais para resolver….(como não se vivessem tão assoberbados).

Como se vê, tudo como antes, no quartel de Abrantes, as principais alterações já introduzidas pelo texto constitucional de 1988 só foram incorporadas no texto codificado bem como outras conquistas já delegadas pelas leis como 4.121/62, a lei 6.515/77, 6.015/73 e, etc.

Nesta inovação ilusória infelizmente não logramos atualizar e sistematizar as recentes conquistas do Direito de Família voltado cada vez mais para a defesa do princípio da dignidade humana, pleiteando a paridade entre os cônjuges no exercício de direitos e deveres e inspirado no princípio da paternidade responsável e na relevância do interesse e bem-estar da família, do menor e, sobretudo do preocupado com a instauração da paz social.

Sem nenhuma novidade no front e, até o texto legal ser finalmente sancionado pelo Presidente da República aguardaremos ansiosos pelo novo diploma legal e que lhe sejam supridas as deficiências, lacunas e dubiedades tão logo seja possível.

Ah! Se não fosse a doutrina e a jurisprudência para nos socorrer, estaríamos certamente literalmente fritos !

Gisele Leite é professora da FDV, Faculdade de Vitória – ES

ADENDOS

1 Washington de Barros Monteiro em sua obra consagra : “A própria ordem de vocação hereditária retrai-se com o tempo. No antigo direito, inexistia qualquer limitação. Por mais afastado que fosse o grau de parentesco, o parente, o familiar, tinha o direito de suceder, na falta de outros mais próximos”.
O Código Napoleônico foi o primeiro diploma legal a restringir o circulo dos sucessíveis, fixando-o em décimo-segundo grau (art.755) (… )
O Código Civil Brasileiro , por sua vez, no art. 1.612, restringiu para o sexto grau a ordem de vocação hereditária, mas atualmente por força do Decreto 9461/46, não vai além do quarto grau na linha colateral ou transversal.
Essa progressiva limitação no dizer de José Augusto César representa um progresso.
Bonfante chegava a aludir que a sucessão dos colaterais constitui um anacronismo, que não se mantém senão por puro espírito de conservação.

*2 família lato sensu; o Projeto recém- aprovado trouxe à baila a extinta adoção parcial, quando já se tinha unificado o instituto e tornando-o pleno e eficaz.

*3 Segundo a tendência de modificação ou substituição de regime de bens, como se dá com o sistema germânico, suíço, o austríaco, o mexicano e o chileno.

O Projeto anterior de 1965(Orozimbo Nonato, Orlando Gomes e Caio Mário) previa a mutabilidade do regime (art. 158) mediante a decisão judicial transcrita no registro próprio, ressalvados os direitos de terceiros.
No direito francês, tornou-se lícito modificar o regime de bens após dois anos de sociedade conjugal e sujeito à homologação do juiz.(Carbonnier, Droit Civil, volume II, 34, página 97).

*4 Para os sistemas jurídicos de origem romano-germânica, o feto produzido em laboratório, é considerado tão-somente um experimento, despido portanto de qualquer personalização e, quiçá de personalidade jurídica.

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