Dênerson Dias Rosa
Segundo consta do repertório popular, um cientista, buscando demonstrar que incômodos, caso sejam gradativos, provocam uma natural acomodação e não uma reação brusca para se livrar da situação, decidiu realizar um experimento, utilizando para tanto dois sapos, uma panela, um pouco de água e um fogão.
O cientista colocou a água na panela, colocou dentro da panela o sapo, e levou a panela ao fogo brando. Naturalmente a água, ao ser aquecida, passou a incomodar o sapo que nadava na panela, todavia, como o aquecimento não foi brusco, o sapo foi se acostumando com o calor da água e somente quando a água se tornou insuportavelmente quente é que o sapo tentou pular para fora, mas já não lhe restavam mais forças, pois a água quente as tinha minado.
Neste momento, o cientista jogou dentro d’água o segundo sapo, que reagiu imediatamente e, em fração de segundos, já tinha pulado para fora da panela. Embora o primeiro sapo tenha morrido cozido, o segundo sapo, apesar de ter se queimado um pouco na água quente, sobreviveu.
A realidade tributária brasileira está muito mais expressa nesta fábula do que se é capaz de, à primeira vista, imaginar.
O cientista, ou seja, o governo brasileiro, embora venha mantendo um processo constante de aquecimento, sempre se preocupou em não provocar mudanças bruscas, visto que sabia que, se a temperatura da água fosse aumentada repentinamente, os sapos, ou seja, os contribuintes, pulariam em fração de segundos para fora da panela.
Em 1947, quando se mediu pela primeira vez a temperatura da água, ou seja, a carga tributária brasileira, esta se encontrava em uma temperatura amena, estabelecida no patamar de 13,8% do PIB nacional.
Quase duas décadas depois, em 1965, embora ainda não fosse insuportável, a carga tributária já se encontrava bem mais onerosa, situada no patamar de 19,0% do PIB nacional, mas como este aumento tinha sido gradativo, foi absorvido sem grandes traumas pelos contribuintes brasileiros.
Como o sistema tributário até então existente, além de anacrônico, se encontrava quase completamente esgotado em sua capacidade de gerar mais receitas, em 1/12/65 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 18 que, ao mesmo tempo em que conferiu ares de modernidade ao sistema tributário, renovou ao governo seu potencial arrecadatório.
Após a alteração do sistema tributário, a arrecadação do governo intensificou seu ritmo de crescimento e quatro anos depois, em 1970, a carga tributária estava situada no patamar de 26,0% do PIB nacional.
Este crescimento súbito provocou manifestações diversas desfavoráveis, contudo, como durante a década de 1970 o Brasil atravessava um período de grande explosão econômica, o governo optou por obter aumentos de arrecadação apenas com o crescimento econômico do país, mantendo estável a carga tributária durante a década de 70 e durante a primeira metade da década de 80. Em 1986, a carga tributária, situada em 26,2% do PIB, encontrava-se praticamente no mesmo patamar de 1970.
Nos dois anos subseqüentes, o Brasil praticamente parou em função da votação do texto da atual Constituição, o que resultou em abrandamento do processo de cozimento tributário e diminuição da carga tributária para 22,4% do PIB, em 1988.
Após concluída, em 1988, a votação na atual Constituição, constatou-se que esta, tal como ocorrera em relação à Ementa Constitucional nº 18/65, tinha, a pretexto de melhorar o sistema tributário brasileiro, conferido um imenso potencial arrecadatório ao governo.
Com este potencial em mãos, o governo colocou a máquina arrecadadora para funcionar, e isto se deu em tal intensidade que, em 1990, decorridos apenas dois anos da aprovação da nova Constituição, a carga tributária viu-se aumentada para o patamar de 28,8% do PIB.
Neste período, muitas foram as empresas levadas à insolvência ou mesmo à falência. Grandes grupos empresariais naufragaram fragorosamente, isto porque, tal como na fábula, o lento processo de cozimento tributário tinha minado as forças dos contribuintes e muitos destes, ao ressentirem-se com o intenso calor da água, não conseguiram pular para fora da panela.
Tão grande foi o malefício econômico deste repentino acréscimo da carga tributária, que, para impedir que a economia brasileira adernasse, tal como um navio avariado, restou apenas a alternativa de reduzir-se drasticamente a carga tributária, o que ocorreu já em 1991, quando esta representou 25,2% do PIB, patamar no qual foi mantida até 1993, quando começou a ser implantado, no Brasil, um novo modelo que resultaria por permitir ao país que vivesse em uma situação inédita de estabilidade econômica.
Em 1994, implementado o novo modelo econômico, o governo deparou-se com um panorama que lhe permitiu incrementar substancialmente sua arrecadação, o que foi sentido já em 1994, quando a carga tributária atingiu 29,8% do PIB.
O cenário de estabilidade econômica foi mantido deste então e, junto com este, o panorama favorável de crescimento de carga tributária brasileira, que veio sendo gradativamente aumentada até alcançar, em 2001, o inacreditável patamar de 34,7% do PIB.
Em pouco mais de meio século, a carga tributária brasileira quase triplicou, tendo sido aumentada de 13,8% do PIB, em 1947, para 34,7% do PIB, em 2001.
Embora tenha alcançado um nível assustadoramente alto, nunca dantes aproximado na história da tributação brasileira, como a carga tributária foi aumentada gradativamente, a reação dos contribuintes, tal como na fábula, foi de natural acomodação e não uma reação brusca para se livrar da situação.
Durante toda a história recente brasileira, houve apenas dois momentos da história nos quais houve um significativo aumento da carga tributária, com grandes malefícios econômicos: o período compreendido entre 1966 e 1970, no qual a carga tributária foi aumentada de 19,0% do PIB para 26,0% do PIB, e no período de 1988 a 1990, no qual a carga tributária foi aumentada de 22,4% para 28,8% do PIB.
Tomando-se por base as duas vezes nas quais a carga tributária brasileira teve incremento substancial em curto lapso temporal, pode-se afirmar que crescimento repentino de tributação provoca nefastas conseqüências econômicas.
Excetuando-se estes dois períodos, no restante do tempo, a carga tributária veio tendo um crescimento sutil e gradativo, o que provocou nos contribuintes, tal como na fábula, uma natural acomodação e adequação à situação. O problema é que este crescimento lento e gradativo foi mantido até elevar a carga tributária a um patamar quase insuportável, equivalente a 34,7% do PIB.
Como complicador adicional, não se vislumbra, pelo menos no curto e médio prazo, possibilidade de reduzir-se a carga tributária no Brasil, porque isto resultaria em comprometer seriamente as finanças públicas do país.
Por enquanto, apesar de bem requentados, ainda estamos conseguindo nadar na panela, apesar de não termos mais forças para sair dela, mas este processo de cozimento precisa ser urgentemente interrompido. Caso isto não aconteça, só nos resta torcer para que a fábula esteja completamente errada.
Dênerson Dias Rosa, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda de Goiás é consultor tributário da Tibúrcio, Peña & Associados S/C.