Amadeu dos A. Vidonho Junior*
“O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los” Norberto Bobbio in A Era dos Direitos, Ed. Campus.
O dia acorda com o Sol, sendo que uma parcela cada vez mais crescente da população brasileira, e enfim, mundial, faz acordar seu trabalho com a abertura da caixa de e-mails possibilitada por vários programas e webmails. Não obstante a isto, este exercício ansioso e diário na busca de quem possa ter enviado algo ou algum cartão, mensagem, notícia útil ou resposta de e-mails enviados, hodiernamente, começa a transformar-se em outro exercício a ser realizado, qual seja, o da paciência e o da surpresa, exceções às expectativas e regularidade da ética e do proceder cibernéticos.
Hoje, abrir ‘caixas’ de e-mails é na verdade uma verdadeira surpresa, muitas vezes desagradável e demorada. E-mails auto-executáveis que contêm vírus, mensagens prometendo riquezas, divulgação de boatos [1], propagandas e propostas oferecendo serviços e produtos de empresas e ainda, o que poderia ser mais absurdo, a venda de milhões de e-mails, que se diga pertencente aos internautas, acompanhados de um verdadeiro e completo orçamento. Mas isso tudo seria maravilhoso, se não fosse uma completa invasão e uso do endereço virtual – e-mail – sem qualquer autorização, o que é mais comumente chamado de spam.
Abstraindo-se, para este estudo, da problemática do spam que aliás entendemos ser um ato antijurídico por violar princípios e direitos fundamentais no Ordenamento Jurídico, dentre estes a privacidade e os dados pessoais, muitas destas propostas que chegam até nossas caixas de e-mails têm valor jurídico e vinculativo do proponente do contrato sugerido, ou mais comumente chamado na doutrina civilista, de policitante.
Com pouco esforço de Hermenêutica Jurídica, podemos chegar à conclusão de que a proposta, ou seja, “a oferta dos termos de um negócio, convidando a outra parte a com eles concordar.” [2], encerrando os termos de um contrato, encaminhada por e-mail, vincula o proponente que a enviou.
Assim também regra geral do Código Civil de 1916, Art. 1.080, repetida no Novo Código Civil, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, referente à Formação dos Contratos é a que “A proposta de contrato obriga o proponente se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.”(Art. 427, NCC). Portanto, a Norma Civil buscou deferir às relações, maior estabilidade e segurança jurídicas, vinculando o proponente à proposta feita, e evitando a lesão das expectativas do aceitante, quando do momento da aceitação ou do acordo de vontades e da aderência integral daquilo que antes fora proposto (Art. 431, NCC).
Portanto, a proposta obriga o proponente, exceto nos casos do Art. 428 do NCC, ou seja, quando:
a) Não estipulado o prazo para aceitação, entre pessoas presentes (428, I, NCC), a proposta não foi imediatamente aceita;
b) Estipulado o prazo para aceitação, entre pessoas presentes, esgota-se este prazo sem aceitação;
c) Não estipulado o prazo para aceitação, entre pessoas ausentes, não chegar a aceitação em tempo suficiente;
d) Estipulado o prazo para aceitação, entre pessoas ausentes, esgota-se este prazo sem que a aceitação seja expedida;
e) Antes ou simultaneamente à chegada da proposta chegue ao conhecimento do aceitante a retratação, o arrependimento da proposta.
O primeiro ponto que nos exige atenção diz-nos respeito ao conceito jurídico indeterminado [3] exposto no Código Civil que nos propõe o termo pessoa presente (Art. 428, I, NCC) que poderá ser “aquela que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante.”
Fica claro que este meio de comunicação semelhante só o é, em relação ao telefone, coisa, que espécie do gênero telecomunicação. Se formos à pesquisa sistemática do Ordenamento Jurídico Brasileiro, verificaremos o conceito de Telecomunicação por sua Lei nº 9.472 de 16 de julho de 1997, sendo que teremos :
“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.
§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.” [4] (grifo nosso)
Por sua vez, ao defrontarmo-nos com o conceito de Internet para a verificação da questão de se o e-mail possa ser enquadrado tecnicamente como semelhante ao telefone, também teremos:
“2.1 A Internet é um conjunto de redes interligadas, de abrangência mundial. Através da Internet estão disponíveis serviços como correio eletrônico, transferência de arquivos, acesso remoto a computadores, acesso a bases de dados e diversos tipos de serviços de informação, cobrindo praticamente todas as áreas de interesse da Sociedade.” [5] (grifos nossos)
Os dois conceitos, Internet e Telecomunicações, são diferentes tecnicamente por ser clara a não expressão das mesmas realidades, contudo, saltam destes, as idéias de meios de acesso às informações, e aqui sim, confluindo-se a estreiteza entre os conceitos de telefone e telecomunicação e e-mail e Internet. Por serem meios de comunicação e informação, chegamos à clara conclusão de que na verdade o telefone do Código Civil do ano de 1916 pode ser considerado comunicação semelhante ao e-mail existente a quando do Código Civil do ano de 2002, enquanto legítimos meios de informação.
Mas não é só por serem meios de informação que têm importância para o Direito Civil, mas, especificamente, por serem meios onde a manifestação da vontade através da declaração (Art. 112, NCC) ou o silêncio (Art. 111, NCC) pode ser realizada, e neste sentido concluir contratos.
Daí então que, o e-mail quando, porventura, trouxer alguma proposta de contrato, vincula, obriga, nos termos do Art. 427 do Novo Código Civil, o proponente ou policitante caso haja nos termos antes ditos, a aceitação do oblato, aperfeiçoando e concluindo, destarte, o contrato pelo encontro de vontades receptícias. Assim versa a excelente doutrina de Silvio Rodrigues:
“As regras sobre a proposta e a aceitação, contidas no Código de 1916, foram repetidas no Código de 2002, apesar de já serem obsoletas há anos, De há muito a invenção de formas instantâneas de comunicação, tais como telex, o fax, o e-mail devia ter feito o codificador do novo Código atualizar as regras sobre a maneira como se aperfeiçoa o contrato. Assim, ao responder à pergunta sobre se haverá negócio entre presentes no caso de duas pessoas que habitualmente contratam por meio desses aparelhos mais modernos, inclino-me a fazê-lo afirmativamente.” [6]
Além do mais, esta forma de declaração de vontade contratual através do e-mail, com a hodierna possibilidade da Certificação Digital e da temática do e-mail como prova, torna-se ainda mais forte e segura como uso corrente na sociedade e pelo Direito Civil, mais especificamente no ramo contratual.
Concluindo, por esta interpretação do e-mail como meio de expressão da declaração de vontade através da proposta de um contrato, esta vincula quem a propõe e se aperfeiçoa com o encontro da vontade do aceitante, concluindo o contrato ao “responder ao remetente”. Portanto, o e-mail está na sociedade como mais uma forma a frutificar contratos, tanto oferecido a um indivíduo, quanto ao público (Arts. 429, NCC e, 30 do CDC), e nesta última hipótese geralmente tem originado o tormentoso spam. Mas nem isto, retira-lhe o espírito de obrigatoriedade, a força vinculante, a autonomia da vontade, e a sua função social (Art. 421, NCC), princípios contratuais a que as partes devem observar sob pena de invalidarem o negócio jurídico a que virtualmente, ou melhor, a que presencialmente (Art.428, I, NCC) se obrigaram a cumprir.
O e-mail inaugura um novo meio da declaração de vontade contratual virtual, mas que obriga tanto quanto as outras, e ainda, por toda argumentação já exposta está protegido pelo Novo Código Civil, sobretudo, por ser um meio que possibilita, sem mais complexidades, a manifestação da vontade e logo, suas conseqüências jurídicas.
Notas de rodapé:
[1] Conhecidas também como “HOAX”, “boato”, que ultimamente atribuem a arquivos legítimos de sistema a qualidade de serem vírus, incutindo nos internautas a ação de eliminação do referido arquivo e logo, a destruição de arquivos do sistema operacional. Vide por ex. os sites INFO EXAME: “Hoax usa o Filme Bicho de Sete Cabeças” e InfoGuerra: “Falso vírus jdbgmgr.exe é variante do boato Sulfnbk.exe”, por Giordani Rodrigues. Acesso em 23 de novembro de 2002.
[2] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, São Paulo: Saraiva, 28ª edição, 2002, p. 68.
[3] Sobre o tema ver obra indispensável de ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico (Trad. J. Baptista Machado), 7ª edição, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
[4] BRASIL, LEI ORDINÁRIA Nº 9.472 DE 16 DE JULHO DE 1997, que Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da emenda Constitucional nº 8, de 1995.
[5] Disponível no site do Comitê Gestor. Acesso em 27 de fevereiro de 2003.
[6] RODRIGUES, Silvio. Op. cit., p. 70.
Amadeu dos A. Vidonho Junior é mestrando em Direito pela UFPA, especialista em Direito pela Universidade Estácio de Sá – UNESA/RJ, membro fundador da Comissão de Direito da Informática da OAB/PA, advogado e professor.