Eduardo Cunha da Silveira*
Causa estranheza a recente declaração do senhor coordenador-geral de arrecadação do INSS no Estado de São Paulo, para quem a retenção de 11% sobre o valor da nota fiscal ou fatura de serviços, imposta às empresas contratantes de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, teria sido instituída para ficar ‘elas por elas’.
O teor dessa declaração não é estranho somente em razão do incontável número de empresas que têm batido às portas do Judiciário para obter autorização para não sofrer a retenção preceituada pela Lei nº 9.711/98, mas também face aos dados estatísticos que comprovam encontrar-se o percentual estabelecido pela lei em patamar muito superior ao correspondente à contribuição incidente sobre a folha de pagamentos do cedente da mão-de-obra.
A retenção sobre o valor da fatura de serviços executados mediante a cessão de mão-de-obra veio a lume em substituição à responsabilidade solidária antes existente entre o contratante e o contratado pelo recolhimento das contribuições previdenciárias. Por esse novo mecanismo de recolhimento, o contratante dos serviços ficou obrigado a reter o equivalente a 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de serviços e recolher a importância retida em nome da empresa cedente da mão-de-obra, a título de contribuições incidentes sobre a folha de pagamento dos empregados. Como nem sempre o valor retido corresponderia exatamente ao valor devido à Seguridade Social, a própria lei previu mecanismos para compensação dos valores retidos a maior com os valores das contribuições previdenciárias devidas em períodos subseqüentes.
O problema ocorre justamente quando nem mesmo a compensação é suficiente para saldar o valor retido em excesso. Nesse caso, a empresa cedente de mão-de-obra vê-se obrigada a formular ao INSS pedido de restituição do saldo remanescente, que na maioria das vezes acaba levando meses até ser deferido pela autoridade competente. Essa demora em devolver às empresas a contribuição recolhida a maior também tem levado as empresas a questionar na Justiça a constitucionalidade das limitações estabelecidas pelo INSS para compensar o excedente retido.
Diante de tamanha controvérsia, afigura-se inevitável o questionamento do critério utilizado pelo legislador para chegar ao percentual de 11% sobre o valor da fatura de serviço. Não é preciso maiores inflexões sobre o assunto para chegar-se à conclusão de que os números considerados na definição daquele percentual não correspondem àqueles constantes dos indicadores conjunturais.
Tomem-se, por amostragem, os dados oficiais referentes à indústria da construção civil, setor este que certamente possui uma das maiores folhas de pagamento do país. Conforme a Pesquisa Anual da Indústria da Construção, realizada pelo IBGE , as empresas desse setor auferiram, no ano de 2000, a título de receitas decorrentes dos serviços executados, o equivalente a R$ 33.091.504.000,00 (trinta e três bilhões, noventa e um milhões e quinhentos e quatro mil reais). Deduzindo-se, desse valor, o preço dos materiais utilizados por essas empresas – obtido, de forma aproximada, após deduzir-se dos custos e despesas operacionais o valor global das remunerações pagas – chega-se ao montante de R$ 16.576.061.000,00 (dezesseis bilhões, quinhentos e setenta e seis milhões e sessenta e um mil reais), equivalente à parcela da receita bruta dessas empresas de fato sujeita à retenção de 11%. Aplicando-se essa alíquota ao montante sujeito à retenção, tem-se que, pela sistemática introduzida pela Lei 9.711/98, reteve-se das empresas de construção civil naquele ano o valor aproximado de R$ 1.823.366.710,00 (um bilhão, oitocentos e vinte e três milhões, trezentos e sessenta e seis mil e setecentos e dez reais).
Por outro lado, valendo-se desses mesmos dados para calcular o valor efetivo que as empresas de construção civil deveriam ter recolhido a título das contribuições previdenciárias previstas no artigo 22, incisos I e II da Lei 8.212/91 (23% sobre o valor global das remunerações pagas), obtém-se uma figura bem inferior àquela previamente obtida, de valor igual a R$ 859.740.920,00 (oitocentos e cinqüenta e nove milhões, setecentos e quarenta mil e novecentos e vinte reais). Em outras palavras: o valor realmente devido à Seguridade Social por essas empresas correspondeu, em média, a 5% da receita bruta sujeita à retenção prevista na Lei 9.711/98.
Diante desses fatos, não há como negar a falta de razoabilidade na eleição do percentual de 11% do valor da fatura sujeito à retenção, ao menos em relação às empresas de construção civil, que compõem grande parte dos cessionários de mão-de-obra. Essa falta de razoabilidade, por sua vez, acabou comprometendo a viabilidade jurídica do próprio instituto, à medida que, ao quantificar o fato gerador da obrigação tributária de modo sabidamente exagerado, o legislador incorreu em grave violação da competência que lhe foi constitucionalmente conferida, considerando-se que o Texto Magno somente permite a tributação sobre o fato gerador que se presume ocorrer, e não sobre aquele acerca do qual se tem certeza que não ocorrerá.
É bastante curioso que essas informações não tenham sido compartilhadas entre o IBGE e o INSS, dois órgãos que compõem a Administração Federal. O mínimo que se esperava é que os dados acima transcritos fossem considerados na definição do percentual da fatura sujeito à retenção. Por assim não ter ocorrido, o que se vê hoje em dia é o absoluto descompasso entre a lei e os fatos, que obriga grande parte dos cessionários de mão-de-obra a uma injusta retenção sobre a receita decorrente dos serviços que prestam.
Fica aqui, portanto, a sugestão para que o ilustre representante do INSS complemente sua declaração preliminar, admitindo que a retenção sobre a fatura de serviços das empresas cessionárias de mão-de-obra, embora inicialmente prevista para ficar ‘elas por elas’, acabou na realidade se tornando ‘elas por aquelas’.
Eduardo Cunha da Silveira é advogado do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados S/C.