Dagmar Nunes Gaio*
Introdução
Propugna-se, com freqüência e intensidade crescentes, a necessidade de tratamento adequado ao usuário de substâncias ilícitas, de modo a preservá-lo de efeitos ainda mais graves, advindos de substâncias proscritas, ao mesmo tempo em que, a bem da sociedade, se combata o agigantamento do tráfico de drogas.
O Judiciário tem a obrigação de evitar determinados equívocos do legislador no tocante ao enfrentamento do problema da dependência química. Não se extrai resultado útil — para a diminuição da criminalidade — da resolução simplista e formal, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, do enorme volume de processos envolvendo usuários de drogas (e pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas apontou que, diariamente, no Brasil, cerca de dois milhões de pessoas consomem algum tipo de psicotrópico).
Pelo contrário, a omissão do sistema judicial em dimensionar a crise decorrente do aumento da utilização de substâncias psicoativas e sua conexão com crimes mais graves implica aceitar/adotar práticas que não contribuem para minorar o abuso das drogas e sua ação nefasta sobre a sociedade. Nesse campo, o êxito da atuação do Judiciário dependerá de cuidadosa análise da relação singular do usuário (atual ou provável dependente) com a droga e da aplicação de medida que se revele individualmente adequada. Essa a razão de ser das reflexões ora apresentadas.
A Lei n. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais, estabeleceu, em seu art. 61, considerarem-se infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.
Assim, seja em razão da pena, seja em razão da previsão de procedimento especial, o crime previsto no art. 16 da Lei n. 6.368/76 (aquisição, guarda ou porte, para uso próprio, de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar) refugia da competência dos Juizados Especiais.
A partir do advento da Lei n. 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, a doutrina majoritária tem sustentado que são da competência dos Juizados Especiais Estaduais as infrações penais com pena máxima de até dois anos, ainda que sujeitas a procedimento especial.
Desse modo, restaria alcançado pela competência dos Juizados Especiais o delito previsto no art. 16 da Lei n. 6.368/76, comportando a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, preconizada pela Lei n. 9.099/95.
Ainda que se admitam as premissas acima colocadas — o que se faz apenas para argumentar — há que se dizer que, especificamente no tocante ao delito previsto no art. 16 da Lei n. 6.368/76, considerações de outra ordem se impõem.
Com efeito, tal infração penal possui algumas peculiaridades que precisam ser SOPESADAS, sob pena de frustrarem-se completamente os objetivos da lei, vale dizer, tanto da que trata do referido crime quanto das que disciplinam os Juizados Especiais.
Os Juizados Especiais Criminais e sua filosofia
A ineficiência do sistema penal, evidenciada pela experiência do cotidiano, exigiu do legislador uma radical mudança de rumos. Por isso, de certo tempo para cá, várias modificações foram feitas na legislação penal e processual penal, tendentes a corrigir inúmeras distorções que o tempo revelou.
Nessa ordem de idéias, as penas alternativas, a transação penal e a suspensão condicional do processo — dentre outros benefícios — aplicadas preferentemente em um procedimento abreviado, representaram e ainda representam uma verdadeira revolução no sistema jurídico penal.
Deveras, a aplicação de penas privativas de liberdade mostrou-se absolutamente inadequada a uma série de delitos que, sendo de menor potencial ofensivo, ensejam a adoção de outras medidas, muito mais condizentes com o propósito de recuperação do agente penal.
A previsão de um rito predominantemente oral e sumaríssimo, de outra parte, aproxima jurisdição e jurisdicionado e, com a celeridade que lhe deve ser própria, busca alcançar um resultado mais efetivo, consentâneo com o objetivo da prevenção do crime.
Nos feitos de competência dos Juizados Especiais, prevalece o consenso, valoriza-se o elemento “vontade”, eleva-se a importância do senso de responsabilidade do autor do fato, aplicam-se medidas comprometidas com a solução social do problema.
Além disso, é fundamental que essa verdadeira filosofia reinante nos Juizados Especiais seja posta em prática em um processo simples e desburocratizado, a salvo não só de formalismos e dos seculares ranços incrustados na máquina judiciária, mas também de providências que demandem elastecimento probatório e avanço no tempo.
A tônica dos Juizados é, pois, o diálogo entre a jurisdição e o jurisdicionado.
Nesse diapasão, no procedimento dos Juizados Especiais não há lugar para maiores dilações temporais e para mais profundas investigações probatórias. A excessiva processualização dos Juizados é de todo incompatível com sua filosofia.
Incompatibilidades entre o crime de posse de entorpecente para uso próprio e os Juizados Especiais
Cotejando-se as considerações acima expendidas, chega-se à constatação de que os Juizados Especiais não são, no mais das vezes, alternativa adequada e viável à solução dos casos envolvendo o crime previsto no art. 16 da Lei n. 6.368/76.
Com efeito, quando se apresenta duvidosa a capacidade de entender do agente, vale dizer, a sua idoneidade para apreender o valor legal dos próprios atos, impõe-se a modificação da competência, com a remessa dos autos à Justiça Comum.
Declarando-se viciado o agente ou admitindo o uso de substância psicoativa por período prolongado de tempo, é imprescindível a realização, no Juízo Comum, de exame pericial para constatação da capacidade plena de entendimento do caráter ilícito do fato e/ou de autodeterminação conforme esse entendimento.
Isso porque, caso exista déficit de compreensão ou de possibilidade de atuar diversamente, a solução penal adequada à espécie passa a ser outra, afastando-se, pelo menos no primeiro momento, aquela prevista na Lei n. 9.099/95.
A aplicação automática e irrefletida dos institutos da Lei n. 9.099/95 é, por sinal, especialmente perniciosa se o agente não dispõe de aptidão para compreender perfeitamente a natureza e as conseqüências de seus atos.
Se não estiver apto a compreender o significado desse novo modelo criminal, o agente não extrairá da experiência qualquer ensinamento que produza o efeito visado pela lei.
Para que, no caso do delito em questão, realmente se colha resultado útil com a transação penal, o Ministério Público e o Juízo devem dispor de informações que permitam avaliar as medidas necessárias e suficientes para o caso concreto, e o agente tem que ter condições para bem analisar a proposta que lhe é apresentada, com todas as suas conseqüências.
É certo que não é impositiva a realização do exame de sanidade e, por vezes — principalmente nos casos de acusação de tráfico de drogas –, o requerimento da defesa nesse sentido é indeferido pelo magistrado, a quem é cometido o exame da necessidade e conveniência do parecer técnico. Mas no caso de imputação de posse ilegal de substância entorpecente para uso próprio, maior se evidencia a necessidade de recorrer a profissional especializado, uma vez que varia o grau de tolerância (entendida como a capacidade pessoal de ingerir/suportar uma substância sem ser afetado por ela) e tanto o promotor quanto o juiz carecem de conhecimento técnico suficiente para aferir a veracidade da declaração do agente no tocante à existência de dependência química. (1)
Não pode o magistrado incorrer no mesmo erro do legislador, que não efetuou distinção entre o experimentador, o usuário e o dependente, para fins de enquadramento no art. 16 da Lei n. 6.368/76. (2)
A identificação do grau de envolvimento com a substância psicoativa e da medida adequada a ser aplicada ao infrator depende de informação fornecida pelo perito da área. Poderá exsurgir, a partir daí, a indicação de tratamento ambulatorial ou de freqüência a reuniões de terapia individual ou de grupos, por exemplo, como forma de enfrentar a problemática do uso ou do vício do tóxico e de suas conseqüências.
A transação penal consistente em mera entrega de alimentos, remédios ou outros bens com destinação social — hipótese predominante nos Juizados Especiais Criminais — nenhuma valia terá para a prevenção ou a eliminação do vício.
Para esse tipo de delito, seria inócua a concessão do benefício legal desacompanhada de medidas efetivas para a eliminação do vício (3) ou da vontade esporádica de uso de droga, que pode progredir, com a continuidade do consumo, para a dependência. De fato, o uso reiterado, ainda que esporádico, também exige medidas eficazes para evitar a dependência.
Não se pode perder de vista que a sistemática do Juizado Especial Criminal é fundada na idéia de consenso e o autor do fato, para eficaz aceitação ou recusa dos institutos previstos, deve possuir condições de entender o alcance e as conseqüências das alternativas de que dispõe.
A bilateralidade dos institutos reclama capacidade de compreensão do agente e seu consentimento é insuprível por eventual curador nomeado em sede penal.
Mesmo a composição cível com efeitos extintivos da punibilidade reclama higidez mental do agente, como bem proclamam DEMERCIAN e MALULY, ao analisarem a questão:
“4.5.2.3 Conciliação e insanidade mental do agente
Se houver dúvida da integridade mental do autor do fato, a realização da composição cível e da transação penal não podem ser levadas a efeito. Aliás a própria adoção do procedimento sumaríssimo fica prejudicada.
Nessa hipótese, como é cediço, torna-se imprescindível a realização do exame de insanidade mental, tornando írrita qualquer intenção de celeridade e informalidade do processo, recomendando-se, então, o prosseguimento da persecução penal com o rito comum, mais amplo e apropriado quando as circunstâncias do caso não permitem o oferecimento da denúncia prontamente (art. 77, § 2º).
Além disso, o agente inimputável ou semi-imputável não pode manifestar sua vontade e consentimento com vista na transação penal. Trata-se, na verdade, de ato personalíssimo que sequer seu defensor (ou curador) pode suprir.” (4)
Considerando que a aptidão para compreender a natureza e as conseqüências dos próprios atos interessa não apenas para o Direito Penal, mas também para o Direito Civil, vale lembrar que o novo Código Civil declara relativamente incapazes para praticar certos atos da vida civil os ébrios habituais e os viciados em tóxicos. (5)
A transação penal, ressalte-se, não é de imposição obrigatória, mas, sim, um benefício posto à disposição dos agentes que preencham os requisitos gizados pela lei. Esse benefício, contudo, acarreta conseqüências que devem restar suficientemente claras ao transacionado, sob pena de desvirtuamento do instituto. Nesse sentido, as observações dos autores antes mencionados:
“Poder-se-ia argumentar, então, que o agente insano mentalmente estaria prejudicado, por não gozar da possibilidade da transação penal e de seus efeitos. Não é o que ocorre. A transação penal, como já ressaltado, é medida despenalizadora que deve ser concedida dentro de critérios de necessidade e suficiência e tem por finalidade evitar a imposição de pena privativa de liberdade, mas sem perder de vista o aspecto pedagógico e preventivo. Ora, agentes inimputáveis, por sua própria condição, não têm condições ou de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento, o que, por si só, afasta, logicamente, a finalidade do instituto. Além disso, de qualquer forma, não se cogita a aplicação a inimputáveis de qualquer espécie de sanção penal, mas medidas de segurança, com internação em local apropriado ou tratamento ambulatorial.” (6)
Ressalva-se que a transação penal nem sempre é a solução mais favorável ou a desejada pelo infrator. Com efeito, embora na transação o autor do fato não se declare culpado e dela não decorram conseqüências penais e civis, pode haver resistências psicológicas em aceitar a submissão a uma sanção/condição penal, e o agente pode preferir a suspensão condicional do processo, inclusive porque este instituto não exige prazo de carência para um novo benefício.
De qualquer sorte, os objetivos visados pela Lei n. 9.099/95 restarão comprometidos e tenderão ao malogro se tanto a proposta da transação penal quanto a decisão de aceitação ou recusa derivarem de impulso momentâneo, ditado pela pressa ou pela falta/incapacidade de reflexão.
Muitas vezes, ao ser ouvido pela autoridade policial, o agente declara-se viciado, seja no momento da prisão em flagrante (documentada em auto próprio, nos casos de fatos ocorridos antes da Lei n. 10.259/01) ou no da lavratura do termo circunstanciado, confirmando o uso prolongado e/ou reconhecendo a sua condição de dependente de maconha, crack, cocaína, ou outras drogas ilícitas. Nesses casos, impõe-se a realização do pertinente exame pericial.
Considerando que a realização de exames, perícias ou qualquer produção de prova SIMILAR destoa da sistemática e do procedimento próprios do Juizado Especial Criminal, a sede adequada para a realização do exame é o Juízo Comum.
Essa, aliás, é uma das hipóteses sempre lembradas pela doutrina ao esclarecer em que casos “a complexidade” ou “as circunstâncias do caso” demandam a remessa dos autos ao Juízo Comum.
Observem-se os seguintes exemplos:
“Não sendo possível a formulação de denúncia, dada a complexidade do caso, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes ao Juízo Comum. Hipóteses de complexidade do caso dá-se na necessidade, p.e., da realização de exames imprescindíveis, perícias, concurso de crimes. Em qualquer destes casos, mesmo na necessidade de exame complementar, as peças devem ser encaminhadas ao Juízo Comum, para adoção do procedimento previsto em lei, seguindo o rito estabelecido para o tipo penal.” (7)
“As circunstâncias impeditivas do procedimento perante o juizado especial tanto poderão referir-se ao fato em si, cuja elucidação estará na dependência da inquirição, pela autoridade policial, de testemunha residente em outro Estado, como em virtude da concretização de algum incidente ou questão pré-processual ou processual que contrarie os princípios referidos no art. 62 da Lei. Exemplo é o incidente de sanidade mental do investigado (artigo 149, § 1º, do CPP), que paralisará a atuação do Ministério Público até que seja resolvido”. (8)
“Na outra hipótese, ‘circunstâncias do caso’, já não existe complexidade, entretanto não se poderá emprestar ao procedimento a singeleza que lhe é peculiar. Pense-se, por exemplo, na necessidade de um exame de sanidade mental, no caso de concurso de pessoas em que uma ou algumas ainda não foram identificadas”. (9)
Com efeito, o rito do Juizado deve ser célere, não se compatibilizando com pormenores, providências ou exceções processuais que sejam próprias dos outros ritos ou que incidam em determinado caso concreto. Bem por isso o legislador leva em conta, concomitantemente, o critério quantitativo da pena e o critério da menor complexidade no julgamento, e, assim, exclui do Juizado aqueles crimes que, apesar de menor potencial ofensivo, demandam providências extras e, conseqüentemente, alteração de seu peculiar procedimento. (10)
Nesse sentido, inclusive, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:
Competência penal do juízo comum para a “persecutio criminis” nas hipóteses em que a complexidade ou as circunstâncias do caso impedem a formulação imediata de denúncia pelo Ministério Público (Lei. 9.099/95, art. 77, § 2º) – Observância do postulado do juiz natural – “Habeas corpus” deferido – “Mesmo tratando-se de infrações penais de menor potencial ofensivo, nem sempre justificar-se-á o reconhecimento da competência dos órgãos veiculados ao sistema de Juizados Especiais Criminais, admitindo-se a possibilidade de instauração, perante o Juízo comum, do processo e julgamento desses ilícitos penais, desde que o Ministério Público assim o requeira, fundado na circunstância de a complexidade do fato delituoso impedir a formulação imediata da denúncia (Lei 9.099/95, art. 77, § 2º).” (11)
Em casos que tais, há de se realizar exame pericial, a fim de se apurar a existência de dependência toxicológica, bem assim a capacidade do agente de compreender o caráter ilícito do fato e de se autodeterminar de acordo com tal entendimento.
Com efeito, embora não se deva punir aquele que, por dependência física e/ou psicológica, acaba por provocar mal a si mesmo, é indisputável que aumentam as possibilidades de prática, pelo dependente de drogas, de outras infrações penais, quer para garantir a aquisição continuada de substâncias, quer pelas alterações de consciência e capacidade sensorial advindas de seu uso. Ademais, o vício alimenta o tráfico e a conduta de contribuir para o mal alheio merece providências repressivas. Nesse diapasão é que, embora o suicídio em si não seja previsto como crime, o direito brasileiro pune quem induz, instiga ou presta auxílio ao suicida (CP, art. 122); e que o direito português sanciona até mesmo a propaganda de suicídio (art. 139 do CP/1995). (12)
Há de ser rechaçada a aplicação automática, desacompanhada de qualquer investigação prévia, de transação penal a todos os usuários, abarcando indiscriminadamente enfermos e delinqüentes.
Avulta, pois, a importância da verificação da sanidade mental do usuário, de forma a aplicar a medida que se mostre adequada na hipótese. Com isso se buscará efetiva individualização da medida a ser aplicada, depois de aferir-se o estádio de insanidade, a ausência ou deficiência de compreensão ou autodeterminação do agente. De nenhuma valia se revestirá a transação-padrão, igualmente acordada entre um usuário ocasional e um que apresente compulsão ao consumo de ditas substâncias.
Realizado o necessário exame, adotar-se-á a medida que se mostrar mais adequada no caso concreto, sob o enfoque dos postulados da defesa social e do interesse curativo do paciente, observando-se, no Juízo Comum, o “procedimento previsto em lei” (art. 66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95), afastado o rito do Juizado Especial Criminal. (13)
Impende relembrar que já se encontra assentada a possibilidade de aplicação, na Justiça Comum, dos institutos materiais benéficos da Lei n. 9.099/95, inclusive a concretização da transação penal (instituto de direito material aplicável mesmo fora do âmbito do Juizado Especial Criminal), caso se comprove a higidez mental – total ou parcial – do autor do fato, de modo a atingir-se tanto a pacificação social quanto a prevenção perseguida por todo e qualquer preceito sancionatório, penal ou extra-penal.
Conclusão
Por tudo o que foi expendido, conclui-se que:
a) os Juizados Especiais destinam-se aos casos em que, a par do menor potencial ofensivo da infração, a transação penal revele-se adequada para atingir os escopos do sistema penal;
b) a filosofia dos Juizados é a do diálogo entre a jurisdição e o jurisdicionado, com a valorização do elemento volitivo e do senso de responsabilidade do agente;
c) o procedimento dos Juizados Especiais deve ser sumaríssimo, sendo, pois, incompatível com dilações temporais desnecessárias e com a prática de atos instrutórios mais complexos, como a perícia;
d) desse modo, declarando-se viciado o agente ou admitindo o uso de substância psicoativa por período prolongado de tempo, é imprescindível a realização, no Juízo Comum, de exame pericial para constatação da capacidade plena de entendimento do caráter ilícito do fato e/ou de autodeterminação conforme esse entendimento;
e) realizada a verificação da situação pessoal do agente, será determinada a medida adequada à espécie, viabilizando-se o oferecimento de proposta específica de transação penal, no Juízo Comum.
Notas de rodapé
(1) “Em havendo declarado o paciente, tanto na fase inquisitorial quanto na fase judicial, sua condição de dependente por longo período de tempo, não pode o juiz omitir-se em apreciar o pedido da defesa no sentido da realização do exame de dependência toxicológica. A questão da inimputabilidade do réu não comporta preclusão à luz da lei processual penal em vigor, devendo, como deve, o juiz de ofício determinar o exame que possa excluí-la ou diminuí-la (artigo 149 do CPP). O exame de dependência, a exemplo do exame de sanidade mental, pode ser realizado em qualquer etapa do processo, incluidamente no segundo grau da jurisdição. Ordem concedida.” (STJ, HC nº 9.966/RS, 6ª Turma, rel. min. Hamilton Carvalhido, j. 06.06.00, v.u., DJU 04.09.00, pp. 195/196).
(2) Cf. Renato Flávio Marcão, a Lei n. 10.409/01 estabelece, sem qualquer distinção, que o dependente e o usuário de produtos, substâncias ou drogas ilícitas, que causem dependência física ou psíquica, relacionados pelo Ministério da Saúde, podem ser submetidos à internação ou tratamento ambulatorial, estabelecendo o parágrafo 1º do art. 12 da referida Lei que “o tratamento do dependente ou do usuário será feito de forma multiprofissional, e sempre que possível, com a assistência da família”. Tanto o dependente quanto o usuário sujeitam-se, pois, à possibilidade de tratamento ambulatorial ou internação, exatamente conforme a Lei n. 6.368/76, mesmo com a vigência da Lei 10.409/2002, que nada alterou de substancial quanto a referidas “medidas” (Mundo das drogas – Lei antitóxicos contribui para tumulto processual, Revista Consultor Jurídico, MACROBUTTON HtmlResAnchor www.conjur.com.br, 13.12.02).
(3) A palavra vício, do latim vitium, significa “defeito grave que torna uma pessoa ou coisa inadequadas para certos fins ou funções; costume de proceder mal; desregramento habitual; conduta ou costume censurável ou condenável; libertinagem, licenciosidade, devassidão; costume prejudicial; costumeira; defeito que pode invalidar um ato jurídico” (Aurélio Buarque de Holanda, dicionário eletrônico, verbete “Vício”).
(4) DEMERCIAN, Pedro Henrique e MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 263.
(5) Lei n. 10.406/02, art. 4o: “São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: … II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; …”. Estas pessoas estão sujeitas à interdição e para que os negócios jurídicos por elas praticados não sejam anulados precisam estar assistidas por um curador.
(6) DEMERCIAN, Pedro Henrique e MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 264.
(7) CARVALHO, Roldão Oliveira e CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Comentário à Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Ed. Bestbook, p. 183.
(8) PRADO, Geraldo. Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais comentada e anotada. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. 268 (em comentários ao art. 77, § 2º).
(9) TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 77.
(10) Tendo em vista as circunstâncias do caso, efetua-se a remessa ao Juízo comum (art. 77, § 2º, da Lei n. 9.099/95). Acerca da imperatividade do comando cumpre destacar: “(…) o procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95 somente é aplicável às hipóteses em que as circunstâncias do caso permitirem o imediato oferecimento da denúncia oral. Havendo complexidade ou necessidade de novas diligências, as peças devem ser encaminhadas ao juízo comum competente para a espécie, para adoção do rito previsto no CPP. A expressão ‘poderá’ utilizada pelo texto em questão não significa que se trate de simples faculdade do MP, mas de imperativo legal: ou há oferecimento de denúncia oral ou, não sendo isso possível, o encaminhamento se fará automaticamente” (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 169).
(11) STF – HC 79.865/RS – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 20.04.2001, p. 144, in Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, coordenação: Alberto Silva Franco, Rui Stoco, 7ª. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 1917/1918.
(12) “Art. 139º Propaganda do suicídio. Quem, por qualquer modo, fizer propaganda ou publicidade de produto, objecto ou método preconizado como meio para produzir a morte, de forma adequada a provocar suicídio, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias”.
(13) Ainda segundo a lição de Ada Pellegrini Grinover e outros, uma vez encaminhados os autos para diligências, a competência passa automaticamente para a justiça comum: “É claro o dispositivo comentado sobre a incompatibilidade entre o procedimento sumaríssimo e a necessidade de obtenção de outros elementos para a formulação da denúncia, mesmo que se trate de infração incluída na competência dos Juizados. Se o promotor não dispõe de todos os dados para oferecer desde logo a denúncia oral, deverá requerer a devolução à polícia para realização de inquérito, ou mesmo pedir diretamente a peça faltante, mas, em qualquer caso, o rito procedimental passará a ser o comum, perante o juízo competente”, destacando-se, ainda, a seguir, que “nenhum prejuízo outro advirá da remessa das peças ao juízo comum para seguir-se o procedimento previsto no CPP.” (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 167).
Dagmar Nunes Gaio é promotora de Justiça titular do Juizado Especial Criminal de Curitiba, mestre em direito pela Universidade Federal do Paraná e professora universitária