A grande família de filhos de ministros do STF e STJ

Filhos de ministros advogam em 525 ações no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça

Júlia Duailibi e Rubens Valente

Filhos de ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal) atuam ou atuaram como advogados em 525 processos nos tribunais em que seus pais trabalham.

A atuação impressiona pela naturalidade com que ocorre: um terço dos ministros do STJ tem filhos advogando no tribunal (10, do total de 31) e quase a metade dos ministros do STF vive a mesma situação (5, do total de 11), segundo levantamento da Folha de S.Paulo.

Quando um processo do filho cai em suas mãos, o ministro se declara impedido, seguindo as regras previstas no Código de Processo Civil. Não há lei que proíba a atividade dos filhos de ministros. O projeto de lei nº 3.881/2000, há três anos em tramitação no Congresso, tenta impedi-la.

Comparados aos cerca de 250 mil processos em tramitação no STF e no STJ, os 525 processos dos filhos de ministros podem parecer ínfimos. Mas é um número que poucas estrelas da advocacia ostentam. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, por exemplo, tem, como advogado, 44 processos no STF e 57 no STJ registrados em seu nome. A ministra do STJ Eliana Calmon, crítica da situação desde 2000, decidiu: filho seu não atuará no tribunal (leia texto abaixo).

“Há filhos e filhos, há papas e papas”, argumenta o ministro do STJ Sálvio de Figueiredo Teixeira, que tem dois filhos advogando no tribunal. “A gente não pode raciocinar com a má-fé. Em princípio, o que existe é a boa-fé.”

A família do ministro Vicente Leal — investigado no STJ por suposto tráfico de influência — é a campeã em número de processos no STJ: seus dois filhos, Paulo, 34, e Renato Guanabara Leal de Araújo, 28, têm responsabilidade sobre 98 processos. Parte dos processos de Renato se refere à sua atuação como procurador do Distrito Federal, onde a dupla função é permitida por lei.

“Quando me procuram para advogar, eu exijo ter sempre a procuração nos autos”, disse Renato Leal de Araújo. Ele se refere à prática da advocacia sem procuração, em que o tribunal não registra oficialmente a contratação de determinado advogado para dar “conselhos” ou algo semelhante sobre o andamento do processo — canal perfeito para o tráfico de influência.

“Eu já tive conhecimento de pessoas terem dito a um cliente” que nós estávamos no processo quando, na verdade, nós não estávamos. Quer dizer, nós já fomos “vendidos'”, revelou um dos filhos do presidente do STJ, Nilson Naves, o advogado Pedro Henrique Menezes Naves, 26. Ele soube do boato e pediu explicações. Mas, em outras vezes, não pôde reagir, por não saber a origem do boato.

O debate sobre a atuação de filhos de ministros nos tribunais ganhou força com reportagem da Folha sobre suposto esquema de negociação de decisões no STJ investigado pela Polícia Federal, que pôs sob suspeita o advogado Erick José Travassos Vidigal, 28, filho do ministro Edson Vidigal.

Advogados em Brasília comentam que não é raro clientes procurarem escritórios de filhos de ministros para tentar forçar a saída do processo de magistrados que seriam contrários a seu pedido.

Em cerca de 20 anos de advocacia, o filho do ministro do STF Carlos Velloso, Carlos Mário Velloso Filho, 40, já atuou em 116 processos no tribunal. Vice-presidente da OAB do Distrito Federal, Velloso Filho afirmou que poderia ter um escritório maior, caso aceitasse qualquer ação que corre no STF. “Eu seleciono muito as questões em que vou atuar.” Velloso Filho acha que o PL-3.881 pode levar advogados a atuarem sem procuração nos autos.

Aos 33 anos de idade e 12 de profissão, o advogado Marcelo Lavocat Galvão, filho do ministro do STF Ilmar Galvão, representa em Brasília dez escritórios de advocacia de diversos Estados. Quando o processo chega a Brasília, Galvão assume a causa.

Já atuou ou atua em 64 processos no STF e em 178 no STJ. Indagado se a sua proximidade com o pai e outros ministros, colegas de seu pai, não o deixa numa situação privilegiada em relação aos demais advogados, Galvão responde: “Os bons advogados de Brasília também têm esse contato [com os ministros]. Eu ganho e perco causas na mesma proporção, como qualquer outro”.

Marcelo Galvão participa, como integrante do Conselho Federal da OAB, das discussões acerca do projeto de lei 3.881. Sua opinião ainda não está fechada. “Do ponto de vista ético, seria uma solução, até que se pense numa saída mais criativa. Mas, do ponto de vista jurídico, tenho dúvidas”.

Os ministros do STJ Carlos Alberto Direito, Felix Fischer, Fernando Gonçalves, Jorge Scartezzini, José Augusto Delgado e Laurita Hilário Vaz também disseram não ver problemas na atuação dos filhos no tribunal, desde que os advogados ajam com ética. Os ministros do STF Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Sepúlveda Pertence não foram encontrados para comentar o assunto. Para Nelson Jobim (STF), o número de processos (quatro) de seu filho, Alexandre, “é irrisório”.

Transcrito da Folha de S.Paulo
Júlia Duailibi é repórter da Folha de S.Paulo
Rubens Valente é repórter da Folha de S.Paulo

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