J. A. Almeida Paiva *
De um lado, Eduardo Couture ditou o decálogo do advogado, como sendo: estuda; pensa; trabalha; luta; sê leal; tolera; tem paciência; tem fé; esquece e ama tua profissão.
Por outro, Carnelutti ditou os mandamentos do juiz: sê honesto; sê sóbrio; sê paciente; sê trabalhador; sê imparcial; sê respeitoso; sê justo; ama o direito; sê independente e defende a liberdade.
A vocação do advogado ditada por Rui Barbosa, em sua “Oração aos Moços”, desenvolve uma missão de paz, amor à pátria, e respeito aos postulados sagrados do direito:
“Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos. Não desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia. Não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínio a estes contra aqueles. Não servir sem independência à justiça, nem quebrar a verdade ante o poder.
Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniqüidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem a das perigosas, quando justas. Onde for apurável um grão, que seja, de verdadeiro direito; não regatear ao atribulado o consolo do amparo judicial. Não proceder, nas consultas, senão com imparcialidade real do juiz nas sentenças.
Não fazer da banca, balcão, ou da ciência, mercância. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem”.
A vida do advogado é um sacerdócio. Antes do juiz da causa ele desenvolve uma espécie de magistratura, serena, imparcial, equânime e justa.
O advogado deve agir segundo os ditames que o próprio Couture lembrou aos juízes, quando disse que o juiz tem de se ater ao processo, em que atua como uma partícula de substância humana, com dignidade, hierarquia espiritual, independência, autoridade e responsabilidade, princípios basilares da função judicante.
Independência, para que suas decisões não sejam uma conseqüência da fome ou do medo; autoridade, para que suas decisões não sejam simples conselhos, divagações acadêmicas capazes de atender a simples caprichos; e, responsabilidade, para que a sentença não seja um ímpeto de ambição, do orgulho ou da soberbia e sim da consciência do homem frente ao seu próprio destino. (COUTURE, in “Las garantias constitucionales deI processo civil”).
Por imperativo constitucional “o advogado é indispensável à administração da justiça” (CF/88, art. 133), motivo pelo qual a OAB não mantém qualquer vínculo de subordinação ou hierarquia com quem quer que seja (EOAB, art. 44, § 2º).
A função do advogado “é defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas” (EOAB, art. 44, II).
O advogado é o primeiro guardião da democracia, do Estado de direito, da ordem e das garantias constitucionais e como tal deve se fazer respeitar e ser respeitado, acima de tudo. Ninguém tem poder ou direito de barrar a missão do advogado, quando age em defesa dos postulados legais.
O primeiro advogado, segundo Rui Barbosa, foi o primeiro homem que, com a influência da razão e da palavra defendeu os seus semelhantes contra as injustiças e violência, a fraude e a arbitrariedade.
Já com grande ênfase, o desembargador André Faria Pereira, responsável pela criação da OAB (Dec 19.408, de 18/11/1930) em pronunciamento anterior à própria criação da OAB vaticinou:
“A instituição da Ordem virá assim proclamar o privilégio da inteligência, da dignidade, da sabedoria e da independência, que são os títulos distintivos da nobre classe dos advogados brasileiros”, cabendo a nós advogados, a árdua missão de sustentar esta bandeira e conservá-la, para que sejam preservadas não só nossas garantias, mas e principalmente a de todo o povo brasileiro.
Por isso é que se impõe a necessidade da coexistência pacífica, harmoniosa, respeitosa e digna entre advogados e juízes, que lutam pelo mesmo ideal de Justiça, lembrando a título de amostra, a finura de trato com a qual o grande jurista, desembargador Rafael de Magalhães, professor de Direito e presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais teceu sobre os advogados:
“O advogado precisa da mais ampla liberdade de expressão para bem desempenhar o seu mandato. Os excessos de linguagem que porventura comete na paixão do debate, lhe devem ser relevados. São, muitas vezes, recursos de defesa que a dificuldade da causa justifica ou pelo menos atenua. O juiz deve ter a humildade necessária para ouvir com paciência as queixas, reclamações e réplicas que a parte oponha a seus despachos e sentenças. Apontar os erros do julgador, profligar-lhe os deslizes, os abusos, as injustiças em linguagem veemente é direito sagrado do pleiteante.
O calor da expressão há de ser proporcional à injustiça que a parte julgue ter sofrido. Nada mais humano do que a revolta do litigante derrotado. Seria uma tirania exigir que o vencido se referisse com meiguice e doçura ao ato judiciário e à pessoa do julgador que lhe desconheceu o direito. O protesto há de ser, por força da própria situação, em temperatura alta. O juiz é que tem de se revestir da couraça e da insensibilidade profissional necessárias para não perder a calma e não cometer excessos.”
Em resposta, outro grande jurista mineiro, o professor Milton Campos, parafraseando o grande juiz disse: “Se Rafael de Magalhães fosse um “bâtonnier”, o espírito franciscano o levaria a prestigiar o juiz em prejuízo do advogado, aconselhando a este: a veemência da defesa não exclui o acatamento que se deve ao juiz e sem o qual não teria forças para desempenhar sua árdua missão. Os erros se são do entendimento e não da vontade, devem ser reparados pelos recursos e não pelas más palavras.”
O advogado precisa ter a polidez necessária para praticar a censura sem excluir o respeito. Errar é humano e seria crueldade exigir do juiz que acertasse sempre. O erro é um pressuposto da organização judiciária que, por isso mesmo instituiu sobre a instância da sentença, a instância da revisão. Uma das partes há de estar descontente com o julgamento. E o advogado tem de se revestir da moderação e cortesia para não transformar a controvérsia em duelo de convívios e a pessoa do juiz em queixada de pugilista.
Noé Azevedo, lembrando a harmonia propugnada por Ruy Sodré, visando estabelecer normas artísticas de bem advogar e de boa convivência entre juiz e advogado, recorda, mais uma vez, Milton Campos: “Se o juiz procedesse com o pensamento na consideração devida ao advogado e se o advogado agisse com o espírito voltado para o acatamento devido ao juiz, a harmonia da vida forense seria perfeita e os textos poderiam ser dispensados”.
Por isso é que se pode concluir com Maurice Garçon: só o advogado regula a sua conduta e é o único árbitro de seu comportamento (L’ Avocat et la Morale), razão de ser da grande responsabilidade pela construção de uma sociedade cada vez mais justa e igualitária, velada pela eterna, altiva e constante vigilância dos advogados e protegida pela imparcialidade, equilíbrio e sobriedade dos juizes sob o manto sagrado do Judiciário.
J. A. Almeida Paiva é advogado em São Paulo, professor de Direito, pós-graduado em Direito Processual Civil, com mestrado na PUC-SP.