Paulo Henrique Araújo Santiago Reis*
O desenvolvimento vertiginoso da internet implicou no surgimento de negócios jurídicos até então desconhecidos, que foram denominados de “virtuais” [1], em contraponto aos do mundo “real”. Quando se trata de transações efetivadas no chamado “mundo real”, a lei brasileira impõe a tributação da renda e/ou dos lucros resultantes dos negócios realizados por pessoas jurídicas, tanto as sediadas, ou “residentes” no país quanto aquelas que, mesmo sediadas no estrangeiro, tenham, no Brasil, filiais, sucursais, agências ou representações, e ainda os mandatários ou comissários de comitentes situados no exterior, quanto aos resultados das operações aqui realizadas.
Podem ser identificadas, pelo menos, três situações sujeitas a tributação: 1-) as pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil e independentemente da origem da fonte pagadora, têm o lucro submetido à incidência do imposto de renda, mesmo quando decorrente das atividades de uma filial situada no exterior; 2-) as não domiciliadas e não atuantes no país, não sofrem a tributação do lucro, porém da renda oriunda de fonte pagadora brasileira, e 3-) as não domiciliados no Brasil, porém atuantes no mercado brasileiro, que são tributadas pelo lucro auferido no país, qualquer que seja a origem da fonte pagadora – nacional ou estrangeira. Daí que a lei brasileira adota os critérios da “residência” e da “fonte”, conforme se apresentem as situações ora descritas.
Entretanto, no chamado “mundo virtual”, o consumidor tem acesso a produtos e serviços ofertados num “site” [2] qualquer sem que saiba, nem precise saber, necessariamente, a origem daquele produto ou serviço pelo qual se interessa. Assim, a questão da presença física da pessoa jurídica, ou de uma filial, ou de um representante, no Brasil, é prescindível. Portanto, as entidades que atuam no “mercado virtual”, sejam elas nacionais ou estrangeiras com ou sem filial, representante, ou comissário no país, estão, basicamente, em igualdade de condições, não havendo situações diferentes entre residentes ou não-residentes.
Por outro lado, embora o legislador tenha considerado o critério da origem da fonte pagadora ao tratar dos “não-residentes”, escolheu, porém, como elemento de conexão para a incidência do I.R., a existência de um estabelecimento (filial, representante, agente, comissário) situado no país.
Ocorre que, pelo sistema atual de tributação do IR no “mercado real”, justifica-se um tratamento diferenciado quando se trata de residentes e não-residentes, posto que estão em situações diferentes as pessoas jurídicas nacionais e as estrangeiras. Mas, no mercado virtual, ambos estão em situação de igualdade. Por que, então, instituir tratamento diferenciado? Por que o “residente” recolhe pela totalidade da renda líquida (feitas as deduções), e o “não-residente” recolhe pela renda bruta quando auferida de fonte pagadora nacional?
Para resolver a questão, parte da doutrina vem entendendo ser adequado o do local onde se constitui a obrigação, conforme sugere Luís Eduardo Schoueri [3]. Isto porque as “obrigações constituídas no país implicam negócios aqui celebrados, sujeitando-se à tributação dos lucros como os residentes; obrigações constituídas no exterior, por refletir negócios celebrados em condições diversas, podem receber outro tratamento tributário”.
Quando um produto ou serviço é exposto à venda num “site” ao qual alguém se conecta e finaliza uma transação para adquirí-lo, assume este um conjunto de obrigações onde desponta a do pagamento. Dessa forma, é razoável concluir que o recolhimento do imposto seja submetido ao critério do local onde tal obrigação foi constituída, ou seja, o da residência do adquirente, pelo que se reduzem os riscos da bi-tributação ou da não-tributação.
Ressalte-se, por fim, que o sistema tributário nacional deve estar atento às modificações do mercado oriundas das transações feitas por intermédio da Internet. A velocidade nas trocas de informações e a facilidade de se adquirir novos produtos e serviços através de um “click” no mouse ainda é algo de inusitado, que cobra do operador do direito especial atenção. Impõe-se ao Estado uma regulamentação adequada, produzida de forma clara e objetiva, apta a dirimir as dúvidas geradas pelas perguntas “a quem se deve pagar” e “como se deve pagar”. Porquanto, a questão tributária, nesse momento, não será fator de repulsa aos empreendedores que aqui desejarem investir seu capital.
Notas de rodapé:
[1] Realidade virtual: ambiente simulado por computador, muito próximo da realidade (utilizado para treinar astronautas, para jogos de vídeo, etc.), que transmite ao operador a impressão de que faz parte desse ambiente e lhe dá a possibilidade de intervir, através de um equipamento especial criado para esse fim. (Dicionário Universal)
[2] Posição, lugar, terreno (Dicionário Michaelis Inglês-Português)
[3] “Imposto de Renda e o Comércio Eletrônico”, in “Internet, o Direito na Era Virtual”, 2ª ed., RJ, Forense, 2001, p. 53).
Paulo Henrique Araújo Santiago Reis é acadêmico de Direito da Faculdade de Ciências Humanas de Pernambuco e estagiário do Contencioso Tributário de Martorelli Advogados em Recife/PE.