'Impostos devem incidir sobre renda, consumo e imóveis.'

Kiyoshi Harada *

1. Introdução

Logo que implantado o novo Sistema Tributário Nacional, com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, o governo federal já passou a cogitar uma reforma tributária. E essa pregação pela reforma, invariavelmente, resultou em remendos na legislação tributária, no final de cada ano. As razões invocadas, nesses casos, para aumentar a arrecadação, foram as mais variadas, algumas delas, estapafúrdias.

Até a conjuntura internacional serviu como musa inspiradora, para a implantação gradativa, porém, perceptível para os argutos, de um processo de transferência para o setor público, de forma cada vez mais crescente e preocupante. Foi assim que chegamos, hoje, a uma arrecadação tributária que ultrapassa 36% do PIB, o que coloca o nosso país em segundo lugar no ranking mundial, em termos de imposição tributária, só perdendo para Suécia e Alemanha, apesar de manter um serviço público de Uganda, sem querer menosprezar o brioso povo ugandês.

Assim, a crise mexicana, a crise tailandesa e a crise russa, entre outras, serviram como fontes de alimentação de um processo de retirada compulsória, sem precedentes, que descambou para o canibalismo tributário. Só que os criadores desse monstro chamavam-no de programa de ajuste fiscal, como se o termo ajuste devesse significar unicamente maior arrecadação. Até agora, ninguém pensou em diminuir as despesas (inúteis ou desnecessárias), mas, só em aumentá-las, muitas vezes, destruindo o que já existe, só pelo prazer de refazê-lo. O Presidente da República deve ficar atento às ações de seus Ministros. Do contrário, não haverá reforma capaz de sustentar as ações do Estado.

Interessante notar que, quanto maior a facilidade no aumento e na arrecadação tributária (agora com auxílio dos dados da CPMF), maior é o desperdício de verbas públicas.

2. A pretendida reforma de 1995

Depois de transformar o Sistema Tributário em um verdadeiro manicômio jurídico-tributário, tomando de empréstimo a expressão do lúcido Augusto Becker, o governo central resolveu patrocinar a reforma tributária, que resultou na PEC 175-A/95, com as alterações propostas pelo Relator, no Congresso Nacional.

Na exposição de motivos dessa PEC, consta os objetivos de simplificar o sistema, de facilitar o combate à sonegação, de diminuir o Custo-Brasil e de promover a justa distribuição do encargo tributário. Esses objetivos foram intensamente divulgados, com auxílio da mídia, não só pelos integrantes da Comissão de Reforma, como também, pelos que apoiavam aquela reforma. Fez-se tanto barulho em torno dela, que até parecia um parto da montanha.

No final, ela não aconteceu, tal qual a batalha de Itararé. Ainda bem que não vingou, pois, ela era exatamente o oposto do que se pregava: complexa, imprecisa, vaga, incompleta e centralista ao mesmo tempo. Mantinha os privilégios fiscais, fonte inesgotável de permanente corrupção, além de responsáveis por guerras tributárias; abria um campo enorme para atuação do Executivo, em prejuízo do universal princípio da legalidade tributária. De prático só havia a extinção do IPI, incorporado ao novo, complexo e confuso ICMS estadual e federal.

A Comissão de Reforma Tributária, constituída pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) — para analisar a PEC 175-A/95, por determinação do sr. Presidente daquele Sodalício, foi por nós presidida. A Comissão analisou cada um de seus dispositivos, resultando em propositura de emendas supressivas, aditivas e modificativas. O trabalho final, após aprovado pelo Egrégio Conselho do Iasp, foi enviado ao Congresso Nacional e publicado no Diário da Câmara dos Deputados, do dia 9-10-99, p. 47979-47991.

A PEC 175-A/95 era tão ruim, que o próprio governo retirou o seu apoio, fazendo com que aquela proposta fosse sepultada de vez, diga-se de passagem, para o bem de todos. Registre-se, por uma questão de justiça, o grande esforço feito pelo ilustre Presidente da Comissão de Reforma Tributária, o então combativo e inteligente Deputado Federal, Germano Rigoto. Porém, o esforço foi em vão; não conseguiu colocar a reforma nos trilhos.

3. Necessidade de levantar causas

Agora, depois de depauperar a classe média, por meio de tantos tributos formais e informais ou, ainda, inominados, volta o governo central a pregar necessidade de reforma tributária, para preparar o crescimento econômico e promover as reduções das desigualdades sociais que, em tese, não é dado a ninguém, em sã consciência, discordar. Só que quer fazer tudo a toque de caixa, o que, já é suficiente para retirar dessa proposta de reforma, a seriedade e a serenidade necessárias. Só se for para fazer alguns ‘remendinhos’ paliativos.

É óbvio que nenhuma reforma de envergadura, em regime de normalidade jurídica, poderá ser feita da noite para o dia. Tudo indica tratar-se de mero aumento da carga tributária, tal qual aquela prevista para a reforma da Previdência, em que a maioria dos trabalhadores que, hoje, paga R$171,60 passará a pagar R$264,00. Isso dá uma diferença de R$1.108,80 por ano. Em outras palavras, é uma reforma que mais exclui do que inclui. Só que essa massa de trabalhadores, diariamente bombardeada, pela mídia, com dados incorretos ou incompletos, só irá perceber esse fato muito tardiamente.

Fazer reformas com base no diagnóstico do que existe é um equívoco. Tudo tem causas e conseqüências. Se os 36% do PIB não são suficientes para sustentar o Estado, a solução não é aumentar para 40%, 50% ou 60% do PIB. É preciso diagnosticar as causas e extirpá-las, de vez, para que a Nação possa se libertar dessa pressão tributária terrível, que vem sufocando o desenvolvimento econômico e, por conseguinte, atravancando o desenvolvimento social.

Não é muito difícil detectar as causas do permanente desequilíbrio orçamentário entre nós. Para não nos alongarmos, citemos as frases, ainda, atuais, de Marcus Tullius Cícero, proferidas em 55 aC:

O orçamento nacional deve ser equilibrado;

As dívidas públicas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada;

Os pagamentos a governos estrangeiros devem ser reduzidos, se a Nação não quiser ir a falência;As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver por conta pública’.

Na época de Cícero não havia Lei de Responsabilidade Fiscal. Nós a temos. Por que não aplicá-la, por exemplo, conjugadamente com a Lei nº 10.028/00, que definiu os crimes contra as finanças públicas? Por que apenas a Lei nº 8.137/90, que define os crimes contra a ordem tributária, vem sendo aplicada até mesmo com rigor excessivo? É que leis contra agentes públicos, entre nós, não pegam; contra agentes políticos, então, nem pensar, como disse George W. Bush em relação ao pretendido retorno dos inspetores da ONU.

4. Momento inoportuno

Fazer uma reforma para aumentar a arrecadação, em um momento de recessão econômica, é um grande erro. Na recessão, deveria ocorrer a redução da carga tributária, para permitir a recuperação e o fortalecimento dos fatores de produção, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. É deixar a economia crescer para que a arrecadação tributária, inclusive, a previdenciária possa crescer com ela, sem necessidade de reformas.

Manter uma taxa de juros de 26,5%, substituindo a economia produtiva, pela economia especulativa, em nome de uma discutível tese de contenção da inflação que, sabidamente, não é de demanda, é claro que a receita tributária só poderia tender à diminuição. Aumentar a transferência compulsória em época de recessão, fazendo exatamente o contrário do que fazem os países desenvolvidos, só poderia encontrar base na política suicida do tribute antes que acabe, o que, certamente, não é e nem poderia ser o desejo do nosso governo democrático.

O certo é fazer com que a economia deslanche com os instrumentos, já existentes no ordenamento jurídicos vigente. Ficar inventando novos instrumentos ou ficar afinando os já existentes, sem vontade de tocá-los, de nada adiantará. E aqui, é oportuno invocar as sábias palavras do saudoso jurista Geraldo Ataliba:

‘Só iremos fazer o bem para o Brasil no momento em que paramos com a mania de reformar, de mudar e começarmos a trabalhar, a construir o País, para fazer o País funcionar’. Geraldo Ataliba (Anais do IX Congresso de Direito Tributário in Revista do Direito Tributário, Vol. 62, p. 208).

Uma reforma para tapar buracos não se justifica. É melhor aguardar o fortalecimento da expressão nacional do poder econômico, debilitada por ataques especulativos internacionais para, ao depois, construir as bases de uma verdadeira reforma tributária. De qualquer forma, a reforma tributária deve ser precedida por uma profunda reforma do Estado, diminuindo o seu tamanho, de sorte que a Nação consiga sustentá-lo. Não é possível manter um Estado maior que o PIB.

Só depois de substituído o Estado neoliberal, paquidérmico, lento e emperrado por um Estado moderno, progressista, ágil e enxuto é que se deve cuidar de reforma tributária. Indispensável mensurar as despesas de um Estado moderno para, ao depois, buscar as fontes de seu custeio, por meio de tributos. Do contrário, a reforma tributária entrará em um círculo vicioso.

5. Os contornos da reforma pretendida

Por ora, as propostas do governo central para a propalada reforma tributária se resumem nos seguintes itens:

1) unificação da legislação do ICMS, cujas alíquotas em número de cinco, seriam fixadas por lei complementar;

2) fim dos incentivos tributários em relação ao ICMS;

3) substituição de 50% da contribuição previdenciária patronal por uma contribuição sobre o valor agregado;

4) fim da cumulatividade da Cofins;

5) progressividade do imposto sobre herança e doação;

6) transferência do ITR para a competência impositiva dos Estado membros;
7) transformação da CPMF em tributo permanente;

8) previsão constitucional de uma renda mínima para pessoas pobres, por meio de convênios entre União, Estados membros e Municípios;

9) desvinculação de 20% da receita tributária da União.

Analisemos a proposta ensaiada pelo governo.

A unificação da legislação do ICMS é positiva e pode trazer benefícios a todos, desde que não mais insista na sua tributação no destino, uma retórica vazia e inconseqüente. Não se deve desprezar a experiência de mais de 35 anos, nem ignorar o papel de equilíbrio, desempenhado pelo Senado Federal, ao longo das décadas. Para acabar com o incentivo tributário do ICMS não se precisa de reforma. Basta não mais concedê-lo contra a letra do art. 151, I da CF, aplicável, por simetria, nos âmbitos regional e local.

No que se refere à contribuição previdenciária, ao invés da substituição parcial da contribuição patronal, deveria unificar as contribuições do art. 195 da CF, e não complicar mais do que já está.

O fim da cumulatividade da Cofins independe de reforma, pois, a medida já está prevista na Lei nº 10.637, de 30-12-02, que chegou a fixar prazo para que o Executivo envie projeto de lei ao Congresso Nacional, até o dia 31-12-2003, tornando aquela contribuição em tributo de natureza não-cumulativa.

A progressividade do imposto sobre a herança e doação é medida salutar, porém, ela pode ser decretada com base no art. 145, § 1º da CF, independentemente de reforma.

A transferência do ITR para os Estados membros contraria velha tradição de utilizar esse imposto como instrumento regulatório das políticas agrícola e fundiária. Os Estados membros não poderão conferir extrafiscalidade a esse imposto, sob pena de extravasar de suas atribuições constitucionais, a menos que se abra uma exceção.

O ITR deverá assumir feição exclusivamente arrecadatória. Talvez seja até melhor assim, desde que tributado com moderação, de sorte a não estrangular o setor agrícola, de capital importância na nossa economia, inclusive, para equilibrar a nossa balança comercial. Se for permitir, excepcionalmente, ao Estado membro conferir função extrafiscal a esse imposto, deverá prever não apenas a progressividade como está na proposta, mas também, a regressividade para punir e premiar, respectivamente, o bom produtor, conforme está na legislação vigente.

A CPMF passa a ser um tributo definitivo, na verdade, um imposto novo, que o Leão Federal o transformou em um imposto-meio (instrumento de fiscalização por meio de dados bancários). Agora, passa a ser, ao mesmo tempo, um imposto-fim para custear a Seguridade Social, o que, afronta o art. 167, IV da CF. O pior é que o lob dos Estados membros acabará exacerbando a alíquota desse imposto anômalo, que poderá vir a reforçar as receitas dos entes políticos regionais.

A instituição de renda mínima para atender pessoas pobres nem é matéria de Direito Tributário. Trata-se de uma questão social, na verdade, importante, mas, que está ligada ao direcionamento de despesas públicas, assunto que se insere no âmbito do Direito Financeiro.

Finalmente, o maior feito dos autores dessa PEC consiste na silenciosa recriação do Fundo de Emergência Social, instituído pela Emenda de Revisão nº 1, de 1º-3-94, para atender a uma situação emergencial, decorrente da crise político-institucional, que resultou no impedimento do senhor Presidente da República. Esse Fundo corresponde a 20% do produto de arrecadação de tributos federais, o que dá uma bagatela de R$66.684 bilhões aproximadamente . Significa uma carta em branco para o governo gastá-los à sua discrição, sem possibilidade de efetivo controle e fiscalização pelo Legislativo, com auxílio do Tribunal de Contas.

Representa insubmissão aos princípios da fixação e da legalidade das despesas (art. 167, II e VII da CF), que expressam a vontade média da população, representada pelo Parlamento, que aprova a Lei Orçamentária Anual. Por isso, a Constituição Cidadã de 1988 extinguiu, sob condição, todos os fundos até então existentes (art. 36 do ADCT) e submeteu a criação de novos fundos à rígida disciplina prevista em seu art. 165, § 9º, II in fine, o qual, até hoje, nunca foi observado, nem disciplinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, como deveria ter sido.

O governo passado usou e abusou do Fundo de Emergência Social que, depois de desgastado, mudou de denominação para Fundo de Estabilização Social. Pelo jeito, esse fundo emergencial, a exemplo da CPMF, vai se incorporar definitivamente no nosso Direito Orçamentário.

Só que como está na proposta, esse Fundo apresenta nada menos que quatro impropriedades. Em primeiro lugar, desvincula, para o período de 2004 a 2007, de órgão, fundo ou despesa 20% dos impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, como se os impostos estivessem vinculados, ou pudessem estar vinculados.

Em segundo lugar, e isso é gravíssimo, promove desvio formal dos recursos da Seguridade Social, onde está inserida a Previdência Social, justamente em um momento em que se fala em rombo da Previdência. Isso é o mesmo que constitucionalizar o desvio de verbas, que deveria ser combatido.

Em terceiro lugar, descaracteriza-se a natureza intrínseca da contribuição social de intervenção no domínio econômico, implicando confissão de que não mais existe a situação fática, prevista na Constituição Federal, autorizadora dessa imposição. O caráter regulatório do tributo cede lugar ao caráter arrecadatório do tributo, assumindo feições de um imposto novo.

Em quarto lugar, o que é pior, a PEC não esclarece, e nem se descobre, no que vão ser gastos os 20% da receita tributária da União. Se for para implementar o Programa de Renda Mínima já existe o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, instituído pela EC nº 31/00.

Enfim, a situação emergencial, que surgiu na década passada, não pode estar perdurando. Se as leis orçamentárias anuais estão sendo regularmente votadas pelo Congresso Nacional não há porque não cumpri-las. O regime do cheque em branco atenta contra os princípios orçamentários, previstos na Carta Política e na LRF, não se compatibilização com o Estado Democrático de Direito.

Pelo exame sucinto dos itens propostos para a reforma, verifica-se que de reforma não se trata, não se justificando a anunciada convocação extraordinária do Congresso Nacional, que só serviria para gerar mais despesas a serem satisfeitas com novas fontes de custeio, dentre elas, o aumento de tributos.

Assim, a reforma, antes de sua implantação, já estaria causando mais aumentos tributários, da mesma forma que, a reforma previdenciária, só pelo seu teor anunciado, já vem causando grande estrago, com precipitação de aposentadorias precoces. Estamos convencido de que o verdadeiro objetivo dessa reforma está mais no campo do direito financeiro, e menos, no campo do direito tributário.

O fim último visado é desvincular 20% da arrecadação tributária da União, que saem do orçamento anual para satisfação de necessidades públicas, ainda não definidas, vale dizer, obtenção de um cheque em branco. A experiência tem demonstrado que esse regime não tem dado bons resultados, mesmo considerando a hipótese de que o governante tem melhor sensibilidade que o Parlamento, para detectar as necessidades básicas da população. O que nos assusta é o fato de o Congresso perder o controle das despesas da ordem de R$66.684 bilhões.

5. Características que deve conter uma reforma tributária justa

O Sistema Tributário vigente ostenta, dentre outras, as seguintes características marcantes:

a) distribuição desigual da fatia do bolo tributário entre os entes políticos, ensejando o dispendioso sistema de repasse parcial de impostos arrecadados por um ente político a outros entes políticos, conflitando com o regime federativo;

b) tributos altamente regressivos;

c) permite o uso abusivo de tributos ordinatórios, com fins meramente arrecadatórios, desregulando setores da economia que deveria regular;

d) propicia fraude sistemática ao princípio constitucional da discriminação de impostos, por meio de expedientes disfarçados de taxas, contribuições, preços ou tarifas, nem sempre detectáveis pelo Poder Judiciário;

e) permite aumento real da carga tributária por omissão (não correção da tabela do IR);

f) excessivo número de diplomas legais entre Emendas, leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias e demais instrumentos normativos de menor hierarquia.

A modificação do Sistema Tributário Nacional vigente, caracterizado pelo seu dinamismo caótico, com iterativa alteração de seus textos, provocando elevadíssimos custos para as partes da relação tributária, só teria sentido se resultasse na sua simplificação, eficiência e na justa distribuição do encargo tributário entre os diversos segmentos da sociedade, organizados ou não em forma de empresas.

Uma reforma com tais atributos deve partir de projeto elaborado com a participação dos representantes dos Estados membros, dos Municípios e dos seguimentos expressivos da sociedade e das entidades civis, e não, partir de um projeto elaborado ou patrocinado pela União. Uma reforma que não trouxesse qualquer benefício à sociedade, como um todo, não teria sentido algum.

Dentro dessa linha de raciocínio, a divisão do bolo tributário no novo Sistema Tributário dar-se-ia levando-se em conta a renda, o consumo e a propriedade que seriam tributados pela União, pelos Estados membros e pelos Municípios, respectivamente. O montante da arrecadação necessária poderia ser ajustada com a variação, tanto da base de cálculo, como da alíquota.

Dessa forma, a reforma tributária, a ser feita no momento oportuno, deve preencher os seguintes requisitos mínimos;

a) Redução do número de impostos. Essa redução pode ser compensada com a expansão da base tributária;

b) Aos impostos deve-se reservar o papel fundamental de prover o Estado com os recursos financeiros indispensáveis ao cumprimento estrito de suas finalidades genéricas. A atribuição indiscriminada do caráter regulatório, invariavelmente, descamba para desvios e abusos. Eventual regulação da economia, por via de instrumento tributário, deve ser feita por meio de outras espécies tributárias, notadamente, por intermédio da contribuição de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias econômicas ou profissionais.

Ademais, cada Poder Público já dispõe de instrumentos administrativos para regular as matérias nas respectivas esferas de atuação. Ressalvam-se os impostos sobre o comércio exterior que, por sua natureza, têm função ordinatória. Mesmo assim, às vezes, aumentos repentinos têm sido decretados com finalidade fiscal, o que configura burla à norma constitucional, excepcionadora do princípio da legalidade.

c) Os impostos devem ser presididos pelos princípios da universalidade e da generalidade, ou sejam, todos os bens, serviços e rendas devem ser gravados, bem como, todas as pessoas devem pagar, ressalvadas as hipóteses de imunidade outorgadas em função do regime federativo e dos direitos e garantias fundamentais. Desoneração de um, implica oneração de outro. Onde todos pagam, todos pagam pouco.

Os incentivos tributários atentam contra os princípios da isonomia, da transparência e da justiça fiscal que, por sua vez, exige respeito ao princípio da capacidade contributiva. Os incentivos tributários só se legitimam, se outorgados única e exclusivamente para promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país, e não, para aprofundar o abismo que separa uma região da outra, como vem acontecendo.

d) O sistema tributário como um todo deve harmonizar-se com o Estado Democrático de Direito, proclamado no art. 1º da Constituição Federal. A invocação das razões de Estado, muito a gosto de governos totalitários ou oportunistas, não pode implicar desrespeito aos direitos e garantias individuais, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, conquistados, a duras penas, ao longo dos séculos.

A nova ordem tributária há de observar, rigorosamente, os princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da segurança jurídica. A observância deste último princípio implica, ipso fato, afastamento da Medida Provisória em matéria tributária.

6 Nossa proposta de reforma tributária

Em vista do exposto nos itens anteriores, propomos a elaboração de um sistema tributário com as seguintes características:

I – Impostos fundados na tributação da renda, do consumo e da propriedade imóvel.

I.1 Caberia à União a competência privativa do imposto sobre a renda, que ficaria, ainda, com os impostos regulatórios do comércio exterior (importação e exportação).

1.2 Caberia aos Estados membros o imposto sobre o consumo, representando pelo IVA, mantendo a tributação na origem. Ao Senado Federal caberia apenas a fixação de alíquotas interestaduais para correção de desigualdades regionais.

I.3 Caberia aos Municípios o Imposto predial e territorial urbano, bem como, o imposto territorial rural, ambos despidos de função regulatória, que só tem trazido confusões e abusos. A função social da propriedade urbana deve ser buscada por instrumentos urbanísticos. E as glebas rurais improdutivas devem ser desapropriadas pela União.

II Contribuição social do atual art. 149 da CF, bem como, empréstimo compulsório continuariam sendo privativos da União, que continuaria com a competência tributária residual, nos termos do atual art. 154, I da CF.

III As atuais contribuições de seguridade social (art. 195 da CF) seriam reduzidas a uma só, adotando-se uma base tributária expandida e sem o caráter cumulativo.

IV As taxas de serviços e de polícia, assim como, a contribuição de melhoria continuariam como estão, isto é, cada ente político seria o titular dessas exações, relativamente à sua atuação específica.

V Cada ente político instituiria a contribuição previdenciária para custeio da previdência pública, tendo como contribuintes os servidores exercentes de cargos efetivos.

Kiyoshi Harada é professor de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário, conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo, ex-procurador-chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site: www.haradaadvogados.com.br

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