Sérgio Farina*
I. INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é apresentar os aspectos de maior relevância do Projeto de Emenda Constitucional de nº 41 (“Projeto”), encaminhado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional, no último dia 30 de abril de 2003 (“PEC nº 41/2003”), que visa promover alterações no Sistema Tributário Nacional.
Com o intuito de facilitar a leitura, dividiremos o trabalho em tópicos, indicando os principais tributos objeto do Projeto, na seguinte ordem: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”), Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (“ITR”), Imposto sobre Transmissão causa mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (“ITCMD”), Imposto sobre Transmissão inter vivos de Bens Imóveis (“ITBI”), Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (“CPMF”), Imposto sobre Grandes Fortunas (“IGF”), além de outras relevantes alterações.
II. ICMS
Certamente, o ICMS foi o tributo que sofreu maiores modificações estruturais no Projeto submetido à discussão e votação na Câmara dos Deputados. A principal intenção do Projeto foi a de reduzir os efeitos da chamada “guerra fiscal” entre os Estados Federados. Em linhas gerais, os principais aspectos do Projeto são:
– A “Federalização” do ICMS, mediante a uniformização das 27 (vinte e sete) legislações estaduais atualmente em vigor. A competência dos Estados e do Distrito Federal ficará restrita à fiscalização e arrecadação do imposto;
– A limitação às prerrogativas e poder de atuação do Conselho Nacional de Política Fazendária (“CONFAZ”), dos Estados e Distrito Federal, ou seus agentes, que poderão sofrer sanções por descumprimento à nova legislação do ICMS.
– O ICMS passará a ter 5 (cinco) alíquotas, uniformes em todo o território nacional, que serão fixadas mediante Resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República, de um 1/3 dos Senadores ou dos Governadores, aprovada por 3/5 dos seus membros;
– O ICMS, salvo exceções expressas, será devido ao Estado de origem. Como forma de compensação à cobrança do ICMS no Estado de origem, consta no Projeto uma sistemática de repartição de receitas. Essa sistemática, em síntese, consistirá na posterior disponibilização ao Estado de destino de parte do tributo arrecadado(1);
– O ICMS passa a ser devido nas operações com petróleo, lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, cabendo integralmente o imposto ao Estado de destino. Lei Complementar a ser editada pelo Governo Federal definirá aqueles combustíveis e lubrificantes passíveis de uma única incidência do ICMS;
– Nas operações com gás natural e seus derivados, bem como com lubrificantes e combustíveis que não sejam derivados de petróleo, o ICMS será repartido entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade das operações envolvendo outras mercadorias; e
– As operações de exportação passam a ser desoneradas da cobrança do ICMS. Essa alteração visa proporcionar a maior competitividade dos produtos nacionais no mercado externo, bem como possibilitar o aproveitamento e a manutenção dos créditos gerados em operações e prestações anteriores.
No que diz respeito à sistemática da não-cumulatividade do ICMS, o atual Projeto outorga à Lei Complementar a competência para (i) vedar a compensação do tributo com aquele exigido nas operações anteriores; e (ii) condicionar ao pagamento do tributo a apropriação de créditos fiscais a ele relacionados.
Além do mais, o Projeto passa a conferir a possibilidade de aproveitamento e manutenção dos créditos fiscais gerados nas operações anteriores isentas.
Por outro lado, pelo Projeto atual, o ICMS não poderá mais ser objeto de concessão ou prorrogação de qualquer incentivo ou benefício fiscal/financeiro que implique sua redução, exceto para favorecer as empresas de pequeno porte com sede e administração no País. Caberá à Lei Complementar fixar prazos máximos de vigência para incentivos e benefícios fiscais, definindo também as regras do sistema vigente à época da concessão que permanecerão aplicáveis.
Outra alteração importante, em relação às operações interestaduais, refere-se à necessidade de efetiva saída do bem ou mercadoria do Estado de origem para o Estado do destinatário, como pré-requisito para que a operação seja considerada interestadual. Essa alteração visa acabar com as denominadas operações simbólicas.
Nos termos do Projeto, deverá ser mantida a exigência do ICMS sobre bens ou mercadorias importados por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto. Foi acrescentado ao texto do artigo 155, § 2º, inciso IX, alínea “a”, da Constituição Federal, a expressão “a qualquer título”, a fim de possibilitar a tributação de qualquer bem importado, tentando evitar, assim, eventual questionamento judicial acerca do tema.
III. ITR
A competência para a instituição do ITR passará da União para os Estados. O imposto será disciplinado por Lei Complementar. Por outro lado, permanecerá a determinação de que 50% do produto da arrecadação do ITR pertencerá aos Municípios em que se localizam os imóveis.
Ademais, foi proposta a inclusão da progressividade do ITR, que será orientada como forma de desestimular a propriedade improdutiva. Ressalte-se que essas alterações, pelo Projeto, somente terão efeito a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao da promulgação da Lei Complementar mencionada acima.
IV. ITCMD< O Projeto prevê que o ITCMD, de competência estadual, será progressivo com relação ao valor da herança ou da doação. As alíquotas máximas deverão ser definidas por meio de Lei Complementar. V. ITBI O Projeto prevê a progressividade do ITBI(2), imposto de competência municipal, em função do valor do imóvel, além de sua cobrança por alíquotas diferentes em razão da localização e do uso da propriedade. VI. CPMF Segundo o Projeto, a CPMF, atualmente prevista como contribuição provisória nos artigos 84 e 85 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ("ADCT"), e pela Lei nº 9.311, de 24.10.1996 ("Lei nº 9.311/96"), será uma das fontes permanentes de custeio da seguridade social previstas no artigo 195 da Constituição Federal. De acordo com o Projeto, a CPMF terá alíquota máxima de 0,38%, já prevista na Lei nº 9.311/96, e mínima de 0,08%, sendo facultado, ainda, ao Poder Executivo, reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nas condições e limites a serem fixados em lei. Em relação às normas de transição, o Projeto menciona que, enquanto não vigente a CPMF com a nova redação dada ao artigo 195 da Constituição Federal, permanecerá em vigor a Lei nº 9.311/96, e suas alterações, que aplicam a alíquota de 0,38%. Ressalte-se, quanto a esse aspecto, que não foi fixado limite temporal para a vigência da Lei nº 9.311/96, e suas alterações. VII. IGF O IGF, previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal, cuja competência tributária é da União, também foi alterado pelo Projeto no que tange à necessidade da edição de Lei Complementar para a sua instituição. O Governo Federal, ao suprimir a expressão "nos termos de lei complementar" do artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal, pretende instituir o IGF mediante a edição de mera Lei Ordinária. Entretanto, mesmo com essa alteração, pode o Governo Federal enfrentar alguns obstáculos, em face do disposto no artigo 146 da Constituição Federal(3). VIII. - Outros Pontos Importantes do Projeto (A) Contribuição sobre a Folha de Salários A inclusão do parágrafo 12º ao artigo 195, busca conferir à legislação ordinária a competência para substituir total ou parcialmente a contribuição sobre a folha de salários, por uma contribuição sobre a receita ou faturamento de natureza não-cumulativa. Essa alteração vem atender pedidos de vários setores da sociedade, e tem como objetivo principal desonerar a carga tributária vinculada à contratação de mão-de-obra e, conseqüentemente, gerar mais empregos. (B) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social ("COFINS") Ficou confirmada a intenção do Governo Federal, por meio do parágrafo 13º, do artigo 195, de conferir à COFINS a natureza de contribuição não-cumulativa, assim como ocorreu com a Contribuição ao Programa de Integração Social ("PIS"), por ocasião da edição da Medida Provisória nº 66, de 29.8.2002 (convertida na Lei nº 10.637, de 30.12.2002) (C) Contribuição Social sobre o Lucro ("CSL") De acordo com o parágrafo 15º, incluído no artigo 195 da Constituição Federal, a CSL das instituições financeiras não poderá ser inferior à maior das alíquotas do mesmo tributo previstas para as demais empresas. (D) Repartição de Receitas Tributárias Por fim, vale destacar que o Governo Federal pretende abrir mão de 2% do produto da arrecadação do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas ("IRPJ") e do Imposto sobre Produtos Industrializados ("IPI"), para a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, cujos recursos serão aplicados em regiões menos desenvolvidas do País. IX. Conclusão Os contribuintes aguardavam ávidos por uma verdadeira Reforma Tributária, e não uma mera alteração de dispositivos constitucionais. Uma Reforma Tributária efetiva demandaria uma profunda alteração na estrutura do atual Sistema Tributário Nacional. Por essa razão, a aprovação desse Projeto pelo Congresso Nacional, na forma como proposto pelo Governo Federal, não atenderá aos anseios das empresas, do mercado financeiro e da sociedade em geral. Por questões políticas, acabaram ficando de fora do Projeto alguns temas relevantes e que geraram muita polêmica. Entre outros, não constaram do Projeto de Emenda Constitucional (i) a substituição do ICMS e ISS por um imposto federal sobre o valor agregado ("IVA"); (ii) uma melhor elucidação no texto constitucional, e não via Lei Complementar, acerca da cobrança do ICMS nas operações interestaduais (origem/destino); (iii) a cobrança de contribuição social única sobre o faturamento ou lucro bruto, em substituição à COFINS, PIS, CSL e CPMF e (iv) a desoneração do processo produtivo mediante a eliminação da incidência "em cascata" de todos os tributos. Por outro lado, destacamos aqui a tímida tentativa do Governo Federal de fazer justiça fiscal e distribuição de renda por meio da (i) imposição de alíquotas progressivas, de duvidosa constitucionalidade, para a cobrança do ITR, ITBI e ITCMD; (ii) definição de menores alíquotas do ICMS para os produtos integrantes da cesta básica; e (iii) sinalização da implantação do IGF, que ainda dependerá de definição legal. Também merecem destaque as propostas de alteração em relação ao ICMS, que têm como finalidade precípua, dentre outras: (i) a desoneração das exportações; (ii) o fim da "guerra fiscal" entre os Estados Federados; e (iii) a uniformização das legislações estaduais. Frise-se que alguns pontos do Projeto, relacionados aos itens (ii) e (iii) indicados acima, acabaram, no nosso entendimento, por violar um dos fundamentos da Constituição Federal de 1988, qual seja, a autonomia dos estados membros e, por via de conseqüência, a forma federativa da República do Brasil, que, por disposição expressa do parágrafo 4º, inciso I, do artigo 60, da Constituição Federal, não pode, nem por Emenda Constitucional, ser objeto de deliberação. Além disso, outros pontos de duvidosa constitucionalidade, tais como a (i) progressividade do ITR, do ITCMD e do ITBI; (ii) instituição do IGF por Lei Ordinária, ao invés de Lei Complementar; e (iii) outorga à Lei Complementar da prerrogativa de restringir o regime constitucional da não-cumulatividade do ICMS, também poderão ser objeto de questionamento judicial, caso as propostas venham a ser aprovadas integralmente na forma como encaminhadas ao Congresso Nacional pelo Governo Federal. Entretanto, apesar do esforço do Governo Federal para aprová-las de maneira bem célere, as propostas terão, necessariamente, que percorrer os trâmites das duas casas legislativas e poderão, neste caminho, sofrer várias alterações. Este Memorando foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. Notas de rodapé 1- Correspondente à diferença entre a aplicação da alíquota interna e a interestadual. 2- Muitos Municípios, no passado, tiveram suas legislações questionadas por cobrarem o ITBI de forma progressiva em função do valor do imóvel. À época, o Supremo Tribunal Federal ("STF") entendeu que tais legislações não encontravam amparo Constitucional. Agora, visando evitar futuros questionamentos sobre o tema, propõe o Governo a reforma da Constituição para que a autorização para a instituição deste imposto com alíquotas progressivas conste expressamente do texto constitucional 3- De acordo com o referido dispositivo constitucional, cabe à Lei Complementar dispor sobre conflitos de competência tributária e estabelecer normas gerais em legislação tributária, tais como a definição dos tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Sérgio Farina é advogado do Pinheiro Neto Advogados