Por Nehemias Gueiros Jr.
A televisão é, essencialmente, a exibição, em residências e outros estabelecimentos, de imagens em movimento com som sincronizado, a partir da recepção de sinais por uma tela de raios catódicos. Mas por trás desta aparentemente simples explicação técnica, a televisão é, antes de mais nada, um negócio como outro qualquer, visando ao lucro, e preferencialmente dirigido ao consumidor em geral, quer em sua forma aberta (gratuita), ou fechada (por assinatura). Os aspectos internos dos negócios da televisão envolvem diversos personagens, desde os profissionais das emissoras, os criadores dos programas, as estratégias de marketing das produções resultantes, a mídia publicitária anunciante e o papel preponderante da audiência, representada pelos milhões de pessoas que são os telespectadores. Os negócios da televisão são bastante dinâmicos e acenam com uma expectativa de grande crescimento no século XXI.
Desde seu advento em escala mundial, há cerca de 60 anos, a televisão tem sido objeto de mudanças dramáticas, em sua grande maioria determinadas pela evolução da tecnologia e pela expansão global do comércio capitalista. As primeiras bases da televisão foram lançadas no final do século XIX, quando Graham Bell pela primeira vez apresentou ao mundo o telefone, desencadeando séries de reportagens em revistas e magazines da época sobre o possível desdobramento em imagens da nova invenção, bem como frenéticos estudos científicos para materializar a transmissão de sons sem fios. Algumas décadas depois, o rádio e as possibilidades de transmissão de ondas sonoras através da atmosfera, veio se juntar ao telefone para acelerar os estudos técnicos que viriam a viabilizar a televisão na década seguinte.
Por volta de 1930, engenheiros da RCA norte-americana (Radio Corporation of América), conseguiram criar uma tela com resolução de 60 linhas, resultando em uma sofrível imagem final. Uma década depois, surgia a tela com 440 linhas, melhorando consideravelmente a qualidade da imagem e, finalmente, em 1941 foi aprovado o formato de 525 linhas que continua em uso até hoje nos Estados Unidos e em diversos outros países, incluindo o Brasil. Com a adoção da televisão em escala comercial e a iminente transferência dos programas mais populares do rádio para o novo meio de comunicação, as grandes empresas do mercado descobriram um novo filão publicitário para os seus produtos, passando a investir regularmente em programas, especialmente os esportivos e os musicais.
As emissoras de televisão passaram a trabalhar em estreita aliança com as agências de propaganda, objetivando alcançar a maior audiência possível. As comédias do cotidiano (situation comedies ou sit-coms) e os noticiários, começaram a ganhar força na programação, sedimentando a pluralidade de estilos e segmentos que formam a televisão contemporânea. No início, a programação era limitada a apenas algumas horas por dia, devido a vários fatores, principalmente os custos, as limitações tecnológicas e a escassez de aparelhos em poder do público, mas este quadro foi mudando rapidamente na esteira da evolução dos acontecimentos mundiais, da tensão da Guerra Fria e da expansão demográfica dos grandes centros urbanos, que resultou numa explosão de talentos e formatos até alcançar o “24-hour broadcast” ou transmissão 24hs, que hoje é comum em várias emissoras.
No Brasil a situação não foi diferente, tendo a primeira transmissão ocorrido em 1950, através da TV Tupi de Assis Chateaubriand, que reinou absoluta durante mais de 10 anos. As duas primeiras décadas da televisão brasileira acompanharam de perto o formato americano, com musicais, chanchadas, programas de auditório, noticiários e filmes em geral, mas não foi senão no limiar dos anos 60 que começaram a surgir concorrentes como a TV Rio e a TV Record e, posteriormente, a TV Globo.
Do início da década de 50 até meados da de 70, os negócios da televisão atraíam pouco interesse de pessoas e empresas fora do métier e envolviam apenas um pequeno número de executivos, funcionários, produtores e alguns artistas contratados especificamente. As emissoras de TV, todas híbridas de antigas estações de rádio e/ou grandes jornais, não eram objeto de muita especulação no mercado, devido à limitada opção de canais disponíveis.
Mas foi realmente na metade da década de 70 que alguns fatores fundamentais modificaram definitivamente a paisagem dos negócios da televisão nos Estados Unidos, acabando por influenciar o mercado do resto do mundo, em forma gradual posterior. Um dos mais importantes, foi a liberação, pela FCC (I.Federal Communications Commission.) – o poderoso órgão regulador das comunicações americanas – da televisão a cabo, também chamada de TV por assinatura ou fechada, que deu origem às grandes redes de cabo, como HBO, Cinemax, Discovery Channel, CNN, ESPN e o Comedy Channel, entre outros.
O segundo, necessariamente, foi a adoção da televisão em cores, tornando a diversão muito mais real e atraente, modalidade que está completando 31 anos no Brasil (chegou em 1972). Por último foi o advento do videocassete – que assumiu uma parcela de quase 70% de telespectadores em todo o mundo e consolidou em forma definitiva o consumo da televisão a partir de meados dos anos 70 e agora já vai sendo rapidamente envolvido pela explosão mundial do DVD – Digital Versatile Disk, o substituto tecnológico natural dos vídeos.
A televisão brasileira modificou radicalmente o comportamento da mídia e da população nas duas últimas décadas, criando histórias de sucesso e fracasso, grandes novelas e seriados e vitoriosos programas de auditório. Atualmente as emissoras possuem grandes efetivos humanos em sua estrutura interna, bem como todo um cast de atores e atrizes, produtores de luz, som, imagem e efeitos especiais, sem falar na miríade de serviços terceirizados que são contratados para o desempenho das funções diárias.
A década seguinte, de 1980, transformou ainda mais o mercado da televisão no mundo, principalmente em função dos grandes negócios de compra e venda de emissoras, que passaram a mudar mais freqüentemente de mãos, fundados numa política mais liberal da FCC e do governo americano. No Brasil, no final dos anos 60, assistimos ao ocaso da TV Rio e dos Diários e Emissoras Associados e à expansão e surgimento de novas emissoras como a TV Globo, a Bandeirantes e a Manchete com gradual e sólido predomínio das organizações do jornalista Roberto Marinho, que aproveitou sobremaneira as oportunidades que apareceram ainda no tempo da ditadura para entronizar uma emissora de ponta, líder de audiência no país e com grande poder de formar opiniões.
Em nosso país a televisão a cabo somente se firmou no mercado no início da década de 90, impulsionada pelo vigoroso crescimento experimentado nos EUA e pela progressiva melhora do poder aquisitivo da população brasileira após o Plano Real. O crescimento exponencial do número de telespectadores vem alimentando rapidamente o crescimento do nosso setor da televisão por assinatura, hoje já bastante competitivo em relação à maioria dos mercados mundiais, tanto do ponto de vista da qualidade dos programas como dos preços praticados pelas emissoras. O futuro dos negócios da televisão está diretamente ligado às novas tecnologias, à acirrada competição entre os vários sistemas de distribuição existentes e os potenciais, bem como da capacidade de desregulamentação por parte do governo.
A legislação brasileira ainda é fraca e incompleta nesse sentido, deixando a desejar em diversos aspectos, principalmente no que respeita à concessão de canais e à liberdade de competição. O atual domínio das redes de TV a cabo vem sendo gradualmente ameaçado pela transmissão direta por satélites (DBS ou direct-broadcast satellite) e a tecnologia está diminuindo cada vez mais as dimensões dos componentes necessários à sua utilização, tornando prática e desonerosa essa modalidade de escolha. Fibras óticas são capazes de transmitir centenas de canais de televisão, bem como dados e voz, pavimentando o caminho para uma breve utilização única dos cabos, que possibilitará a combinação da televisão com o telefone e computador nos ambientes doméstico e comercial.
Simultaneamente, a televisão digital, que ainda é objeto de estudos sobre que modelo deve ser aplicado em nosso mercado (americano, europeu ou japonês) e já oferece para venda aparelhos com altíssima resolução de até 1.000 linhas por aparelho, ainda deve ser uma realidade restrita aos bolsos mais afortunados pelo menos nos próximos três a cinco anos. No Brasil do terceiro milênio, espera-se que com a consolidação dos sistemas e regulamentos resultantes da privatização das telecomunicações, o mercado nacional deverá experimentar um boom nunca visto nos negócios da televisão nos próximos anos, com a criação de um grande número de empregos e atividades acessórias, enriquecendo e perpetuando a nossa cultura com talento e qualidade.
E essa explosão de negócios necessariamente revelará a necessidade fundamental da atuação dos advogados e juristas, ciosos em atender os seus clientes na formatação dos contratos de distribuição de programação e utilização de obras intelectuais bem como de protegê-los da má-fé e da incompetência de agentes do setor.
Nehemias Gueiros Jr. é advogado especialista em Direitos Autorais e CyberLaw, professor da Fundação Getúlio Vargas – FGV-RJ e Membro do escritório Tostes, Schver & Associados no Rio de Janeiro