O decreto presidencial nº 4.733, de 10 de junho de 2003, sobre políticas públicas para o setor de telecomunicações, traz importantes mudanças nas regras associadas à prestação de serviços de telefonia fixa comutada de âmbito local. Em particular, gera as condições para a redução do poder de monopólio das operadoras detentoras do acesso aos usuários dos serviços na chamada “última milha” e para o incremento da competição local, permitindo, portanto, a queda das tarifas locais destes serviços a médio e longo prazo.
Apesar dos inegáveis avanços provocados com a privatização do setor de telecomunicações no Brasil, notadamente por intermédio da introdução e aumento da competição em diversos segmentos do mercado de serviços de telecomunicações, os serviços de telefonia fixa local permanecem praticamente monopolizados pelas operadoras concessionárias locais tradicionais (Telemar, Brasil Telecom e Telefónica, as chamadas teles).
Tais “quase-monopólios” (mais de 95% dos mercados de serviços de telecomunicações fixos locais são controlados pelas teles) não somente inviabilizam a liberação (e a queda) dos preços dos serviços locais de telecomunicações no futuro, como também inibem o desenvolvimento da competição em inúmeros outros serviços que dependem do acesso local às residências e às empresas para serem viabilizados.
A base destes “quase-monopólios” locais é o controle, por parte das teles, da rede de telefonia fixa comutada local, construída ao longo de décadas de monopólio estatal. Esta rede não somente é a base física que suporta a oferta de serviços de telefonia fixa de âmbito local, mas também a única forma de acesso economicamente viável, na maior parte dos casos, ao ambiente do usuário final por parte de outras empresas que competem com as operadoras locais tradicionais em outros segmentos de mercado, como nos serviços de comunicação de dados.
Em outras palavras, as empresas competidoras das Teles precisam interconectar (ligar) suas redes próprias de telecomunicações com as redes locais de telefonia fixa, com o objetivo de “chegar” ao usuário final, posto ser impossível para elas, do ponto de vista econômico, duplicar as redes locais controladas pelas Teles (imagine-se o custo de passar fios e cabos de cobre por toda a cidade de São Paulo, por exemplo).
Para contornar os problemas criados pelo quase-monopólio estrutural das teles nas redes locais de telefonia fixa e viabilizar a plena competição nos serviços de telecomunicações locais e nos demais serviços que dependem do acesso ao usuário final por meio da rede local de telefonia fixa, é preciso, a exemplo do que fizeram outros países, como os EUA e a Inglaterra, introduzir, por meio de dispositivos legais, um conjunto de medidas que impeçam o exercício do poder de monopólio das operadoras locais.
Basicamente, tais medidas, contempladas pelo citado decreto, são a desagregação dos elementos da rede local de telefonia fixa, a portabilidade do número do telefone e a determinação das tarifas de interconexão com base no modelo da empresa eficiente (ou de custos incrementais de longo prazo).
A desagregação dos elementos da rede local de telefonia fixa nada mais é do que a obrigação, por parte das Teles, de ofertar as suas novas competidoras o compartilhamento de sua rede local. A desagregação, portanto, torna possível que o usuário tenha acesso a diversos serviços de outra operadora concorrente, sem prejuízo para o serviço telefônico prestado pela operadora local.
A experiência internacional mostra que a obrigatoriedade, por parte de uma operadora dominante no serviço local, de proporcionar a desagregação de sua rede local a um novo concorrente é considerada a maneira mais rápida e eficiente de compensar o poder de monopólio derivado da condição praticamente monopolística de que desfrutam essas prestadoras locais.
A portabilidade numérica implica que qualquer assinante dos serviços de telefonia fixa local pode manter o seu número caso opte pelos serviços de uma outra operadora. Isto gera uma a redução das barreiras à entrada nestes mercados, pois reduz os custos de mudança associados à troca de operadora. De fato, a existência de tais custos produz, na ausência de portabilidade, um efeito de “lock in” dos usuários em relação às operadoras tradicionais, dificultando ou mesmo impedindo o surgimento da plena competição.
Finalmente, a determinação das tarifas de interconexão com base no modelo da empresa eficiente é um importante mecanismo indutor de eficiência econômica e de redução dos custos de interconexão. Isto porque as operadoras locais são obrigadas a cobrar das demais operadoras que com elas competem um valor que supõe a existência de uma empresa eficiente. Desta forma, tais operadoras teriam incentivos a buscar a eficiência de suas redes, por meio de investimentos adequados, sob pena de incorrer em prejuízos na interconexão.
A determinação do preço da interconexão com base no modelo da empresa eficiente — combinada com a obrigação, já presente na Lei das Telecomunicações, de não discriminação no valor cobrado para interconexão com suas redes locais —, evita que as teles adotem práticas anticompetitivas contra novos entrantes no mercado de serviços de telecomunicações locais e contra empresas que com elas competem em outros mercados, mas que dependem do uso das redes locais tradicionais para acessar o usuário final.
Em resumo, as medidas do decreto nº 4.733 são extremamente saudáveis para a promoção da competição não somente no mercado de serviços de telecomunicações locais, mas também no mercado de telecomunicações como um todo. Trata-se, portanto, da adoção de dispositivos regulatórios, já implementados em outros países, que visam a consecução dos objetivos do programa de privatização do setor, voltado para a geração de benefícios para os usuários dos serviços de telecomunicação, por meio da geração de um ambiente competitivo, na forma de maior oferta, menores preços e maior qualidade dos serviços
Jorge Fagundes é doutor em economia pelo IE/UFRJ.