O artigo 93, V da Constituição Federal trata da remuneração da magistratura. Determina que os subsídios dos magistrados, nos níveis federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária da magistratura nacional, serão fixados em lei, sendo certo que a diferença entre as diversos níveis não poderá ser superior a 10% ou inferior a 5%, nem exceder a 95% do subsídio mensal dos ministros dos Tribunais Superiores, observado o disposto no artigo 37, XI e 39, § 4º, também da Constituição.
Não há dúvida quanto ao paralelismo fixado pelo constituinte, no que respeita às carreiras da magistratura, nos Estados e na União. Por exemplo, se os juízes dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho recebem 95% do que ganham os ministros do STJ e do TST, respectivamente, aos desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados deverá ser assegurada retribuição mensal no mesmo patamar dos integrantes do segundo grau de jurisdição dos outros segmentos do Judiciário.
O parecer do relator José Pimentel, apresentado na última quinta-feira, golpeia de morte a salutar regra. Na esteira da proposta encaminhada pelo governo (PEC 40/03), propõe que os desembargadores tenham os seus subsídios limitados a 75% do que recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal. A proposta é absurda.
Hoje, os membros dos órgãos de segunda instância da Justiça da União recebem 90,25% do subsídio dos ministros do STF. Se é assim, que fundamento ideológico poderia indicar no sentido da distinção proposta? Por que razão os desembargadores, que integram o segundo grau de jurisdição da Justiça Estadual, devem receber 15,25% a menos do que os seus correspondentes da Justiça da União?
Os juízes sempre defenderam a fixação do teto remuneratório do serviço público, por reconhecer os eu caráter moralizador. Mas nunca concordaram com a discriminação, tentada no governo FHC, que se pretende, agora, perpetrar.
O Poder Judiciário organiza-se nacionalmente e é um só. A divisão em duas vertentes, na União e nos Estados, e em segmentos especializados visa à divisão competencial para a otimização da prestação jurisdicional.
Juízes da União e juízes estaduais gozam das mesmas garantias e se submetem às mesmas restrições, que são muitas. Nada autoriza o tratamento diferenciado, em matéria remuneratória, a não ser o intuito de desestabilização do Poder Judiciário que orienta, entre outros aspectos igualmente graves, a distorcida visão do Estado que os atuais governantes revelam.
Além de absurda, a fixação do subteto para a magistratura nos termos apresentados pelo relator José Pimentel representa quebra da palavra e desprezo por compromissos firmados com as entidades que representam a magistratura nacional, eis que já ajustada a alteração do percentual de 75% para 90,25%, dado que chegou a constar do parecer do relator distribuído minutos antes do anúncio de seu voto no plenário da Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Entre honrar o compromisso e barganhar com os governadores, preferiram, como sempre, o segundo caminho.
Aliás, causa espécie a cisma dos governadores com este aspecto. A fixação do limite em 90,15% não trará qualquer conseqüência relevante sob o ponto de vista do Orçamento e, como se sabe, o Judiciário Estadual tem dotação orçamentária própria. Não custa mencionar que todos os argumentos aqui lançados se aplicam à distinção remuneratória que haverá, caso aprovada a PEC, no âmbito do Ministério Público.
Naturalmente, juízes e membros do Ministério Público não irão assistir, impassíveis, à tentativa de desmonte de suas carreiras, que estão na base do Estado Democrático de Direito. Na próxima segunda-feira definirão, em seus fóruns de deliberação, a estratégia de luta para barrar a reforma, que hospeda outras distorções de igual jaez, como a distinção de regras para aposentadoria dos atuais e futuros juízes, que será examinada em outro momento.
Não se deixarão intimidar por bravatas do Executivo. Não se deixarão abater pela subserviência de boa parte dos parlamentares. A unidade da magistratura, já demonstrada em outras memoráveis lutas, certamente fará prevalecer o bom senso e a regularidade constitucional
Hugo Cavalcanti Melo Filho é juiz do trabalho, diretor da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).