Princípio da publicidade no processo administrativo tributário

Coexistem harmonicamente os institutos do sigilo fiscal e da publicidade do processo administrativo tributário. O sigilo fiscal é direcionado às informações obtidas pelo agente público; a publicidade é relacionada ao próprio crédito tributário

Dênerson Dias Rosa

Um dos princípios da Administração Pública é o da publicidade, contido no caput do art. 37 da Carta Magna, abaixo transcrito.

“Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade.”

Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “A publicidade, como princípio de administração pública (CF, art. 37, caput), abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também, de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes. Tudo isto é papel ou documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interessado, e dele pode obter certidão ou fotocópia autenticada para os fins constitucionais.”

A Constituição, em seu art. 5º, inc. LX, abaixo transcrito, estabelece que os atos processuais são públicos, salvo quando a lei restringir a sua publicidade.

“LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;”

Este dispositivo apresenta-se como contrapartida ao princípio da publicidade para a administração. Enquanto a Administração é obrigada a dar publicidade a todos os seus atos, aos cidadãos é garantido o acesso aos documentos relativos a atos praticados por aquela.

Somente a lei federal pode restringir a publicidade dos atos processuais, e não em qualquer situação, mas somente quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Relativamente ao processo administrativo tributário, inexiste lei restringindo a publicidade do mesmo, conseqüentemente, está enquadrado este na situação estabelecida no art. 5º, LX, da Carta Magna de 88.

Comprova-se a publicidade do processo administrativo tributário quando se constata que o seu julgamento é público. Em processos que correm em segredo, o acesso ao seu julgamento é permitido somente às partes interessadas.

Contudo, é possível, em uma análise primária, entender-se ser o processo administrativo tributário um processo de natureza sigilosa, em razão do disposto no art. 198 do Código Tributário Nacional, Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966, abaixo transcrito.

“Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de qualquer informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades.”

Do processo administrativo tributário, depois de julgado e inscrito em Dívida Ativa, é extraída Certidão que fundamenta a execução fiscal, processo judicial este sobre o qual não pairam dúvidas sobre a sua publicidade; contudo, quando solicitado pelo juiz, pelas partes ou pelo Ministério Público, cópias daquele são apresentadas e apensadas aos autos da execução, conforme art. 41 da Lei de Execuções Fiscais, Lei n.º 6.830, de 22/09/1980, in litteris.

“Art. 41. O processo administrativo correspondente à inscrição de Dívida Ativa, à execução fiscal ou à ação proposta contra a Fazenda Pública será mantido na repartição competente, dele se extraindo as cópias autenticadas ou certidões, que forem requeridas pelas partes ou requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público.
Parágrafo único. Mediante requisição do juiz à repartição competente, com dia e hora previamente marcados, poderá o processo administrativo ser exibido, na sede do juízo, pelo funcionário pra esse fim designado, lavrando o serventuário termo de ocorrência, com indicação, se for o caso, das peças a serem transladadas.

Caso fosse o processo administrativo tributário um processo que corresse em segredo estaríamos, neste momento, diante de uma excrescência jurídica, visto que quando copiado e apensado aos autos de execução fiscal receberia caráter de público, estando, conseqüentemente, quebrado o pretenso “sigilo fiscal” alegado para negar a publicidade do processo administrativo.

Para que não se estabeleça confusão, é importante distinguir a publicidade do processo administrativo tributário do sigilo em relação às informações sobre a situação econômica ou financeira do contribuinte, visto que as duas normas coexistem e não se apresentam incoerentes entre si.

A fiscalização tributária, conforme disposto no art. 195 do CTN, tem poderes para examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos contribuintes.

“Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da obrigação deste em exibi-los.”

Em um procedimento fiscalizatório, o agente da Administração tem acesso a toda a documentação fiscal/comercial do contribuinte fiscalizado, o que possibilita conhecimento sobre a real situação econômica ou financeira do mesmo, todavia, essas informações obtidas devem ficar restritas ao âmbito de divulgação estabelecido pela lei.

Sobre o assunto, leciona o doutrinador Ricardo Abdul Nour “Em última análise, embora muitas vezes utilizado no mesmo sentido, o sigilo de que trata o dispositivo é funcional e não fiscal, ou seja, o agente deve manter sigilo sobre as informações que objete para atingir seu fim (que é apurar o tributo devido), e não manter sigilo sobre o próprio tributo apurado.” (negrito inexistente no texto original)

Ou seja, coexistem harmonicamente os institutos do sigilo fiscal e da publicidade do processo administrativo tributário, pois o sigilo fiscal é direcionado às informações obtidas pelo agente público para poder determinar o crédito tributário, enquanto a publicidade é relacionada ao próprio crédito tributário, bem como ao processo administrativo a este relativo.

Quando analisada a natureza do processo administrativo tributário, fica clara a impossibilidade de entendimento diverso, pois, ao apurar-se débito do contribuinte, apura-se crédito da Fazenda Pública, revestindo-se conseqüentemente de natureza pública o respectivo processo, dado o próprio interesse coletivo envolvido.

Dênerson Dias Rosa, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda de Goiás é consultor tributário da Tibúrcio, Peña & Associados S/C.

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