Comportamento humano não pode ser desprezado em exame

Assunto inesgotável, e ainda pouco explorado em Direito do Trabalho, é o assédio moral, que, no âmbito das relações trabalhistas, pode ser singelamente conceituado como a perseguição implacável de um colega de serviço por outro.

Já opinamos no sentido de que se aplica por analogia a todos os trabalhadores da iniciativa privada, o conceito contido no parágrafo único do artigo 1º da lei municipal paulistana n. 13.288, de 10/01/02 (“todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços”).

Em outros estudos abordamos, entretanto, a insuficiência de regulamentação específica desse fenômeno que, apesar de tão antigo quanto as relações de trabalho, só veio a ser melhor investigado com a catarse científica que marcou o século XX. A partir de outras ciências, como a psicologia e a psiquiatria, é que o tema foi amadurecido a ponto de, só então, interessar mais recentemente ao Direito.

Esse é um exemplo da importância da interdisciplinaridade, pois de outras ciências humanas, como a psicologia e a psiquiatria, é que surgiram os primeiros estímulos a que o Direito voltasse a sua atenção para o flagelo do assédio.

O desenvolvimento das ciências se dará em maior ou menor rapidez na medida em que se abrirem para outras disciplinas concorrentes. As especialidades que se fecharem em seus próprios “mundos” evoluirão menos do que as que se submeterem à catarse do confronto com outros enfoques sobre o mesmo objeto estudado.

Nessa mesma trilha, em outro bom exemplo, Lídia Reis de Almeida Prado combinou os conhecimentos de suas duas especialidades para elaborar uma excelente obra que analisa o ofício de julgar sob o ponto de vista psicológico (O Juiz e a Emoção – aspectos da lógica da decisão judicial, Ed. Millenium, 2a. ed.), dedicando o primeiro capítulo, não por acaso, à exposição e compreensão da interdisciplinaridade. A abertura de cada disciplina para as demais, de molde a provocar influências recíprocas e renovadoras, é apenas um dos ingredientes ou nuanças dessa nova maneira de fazer ciência.

“A ênfase dada ao método científico e ao pensamento racional, estendida para as ciências ditas humanas, gerou uma dificuldade de compreensão do mundo. O homem, que aprendeu a dissecar o objeto de sua observação para entendê-lo, tornou-se um especialista em partes, mas ignorante em relação à totalidade” (ob. cit. pág. 1). É com esse tom que principia a monografia, de maneira afiada, da psicóloga e procuradora do Município de São Paulo.

“Assim”, continua, “a interdisciplinaridade é considerada como a mais recente tendência da teoria do conhecimento, decorrência obrigatória da modernidade, possibilitando que, na produção do saber, não se incida nem no radical cientificismo formalista (objetivismo), nem no humanismo exagerado (subjetivismo). Tal saber caracteriza-se por ser obtido a partir da predisposição para um encontro entre diferentes pontos de vista (diferentes consciências), o que pode levar, criativamente, à transformação da realidade”, e que possibilita “a superação de um tipo de saber feito de especialidades formais, o saber em migalhas (Hilton Jupiassu, Interdisciplinaridade e patologia do saber, Rio, Imago, 1976), o saber sem sabor, que provoca a perda da visão da totalidade. Conforme a concepção sistêmica, até mesmo nas ciências da natureza (como nos mostram, por exemplo, as conquistas da Física moderna), inexiste distinção entre parte e todo, porque cada sistema é simultaneamente todo e parte, dependendo do ponto de referência” (idem, pág. 3).

Quem ousa estudar o assédio moral pressente a necessidade de interdisciplinaridade, porque é impossível captar minimamente o fenômeno somente com a ciência do Direito.

Isto explica, em parte, porque as obras até agora mais consideradas sobre o assédio, de Marie-France Hirigoyen (Assédio Moral – A violência perversa no cotidiano, Bertrand Brasil, Rio), não venham das cadeiras jurídicas. Ao Direito cabe a normatividade desse e de outros tantos assuntos relevantes para a sociedade. Desde o momento pré-legislativo, em que se destacam da fenomenologia condutas humanas repetidas, até o momento de se interpretar e aplicar (bem) as leis que já existem baseadas naqueles modelos, é preciso cada vez mais emprestar dessas outras “consciências” do saber.

Desta forma é que, tomando-se o que já se investigou a respeito do assédio moral, ele poderia ser confundido com várias situações limítrofes. Uma delas, que já abordamos em outro estudo, é a natural pressão decorrente do mercado cada vez mais competitivo do mundo globalizado, ou o exercício regular do direito do empregador exigir produtividade de seus empregados (“Não se pode confundir assédio com natural pressão”, www.conjur.com.br, “Perseguição implacável no trabalho”, www.saraivajur.com.br).

Maria José Gianella Cataldi, em monografia sobre O Stress no Meio AMbiente de Trabalho (LTr, São Paulo, 2002) lembra a globalização e a evolução tecnológica como dois fatores que contribuem para o surgimento de stress ocupacional. “Os empresários e os trabalhadores (…) estão expostos a novos desafios. As empresas nacionais estão expostas a uma pressão competitiva muito mais forte. Elas enfrentam os riscos de serem absorvidas pelos grandes líderes do mercado mundial. Por sua vez, os trabalhadores se submetem à grande pressão, em razão da exigência de maior produtividade e da necessidade de manter o emprego” (pág. 21).

Sobre a evolução tecnológica, mais precisamente a “cultura do computador” tem levado a patologias epidêmicas que, no Japão por exemplo, recebeu o nome de Karoshi, e que “está se tornando um fenômeno mundial. A introdução da tecnologia computadorizada acelerou significativamente o ritmo e o fluxo da atividade no local de trabalho, forçando milhões de trabalhadores a se adaptarem à cultura do nanossegundo, nome que se dá à definição de tempo menor que um segundo, linguagem bastante utilizada no computador” (pág. 28). “A atual cultura do computador opera numa medida de tempo menor que o segundo, uma unidade de duração tão minúscula que nem mesmo pode ser experimentada pelos sentidos humanos” (pág. 27). (…) “Até o próprio computador está se tornando uma fonte de stress, à medida que usuários impacientes exigem respostas cada vez mais rápidas. Um estudo concluiu que o tempo de resposta de um computador, de mais de 1,5 segundo, poderia provocar impaciência e estresse no usuário” (pág. 28).

Sendo o stress um sintoma possível na vítima de assédio, mas que pode ter inúmeras outras causas não dolosas, é preciso tomar todo cuidado para não se presumir a causa pelos seus efeitos. Pode uma pessoa assediada apresentar stress, mas nem todo stress é decorrência de assédio moral.

O assédio moral é necessariamente doloso, não uma decorrência natural das condições de trabalho, mas de uma conduta pessoal e reiterada entre pessoas que trabalham juntas, uma objetivando aniquilar psicologicamente a outra, o que se convencionou resumir emblematicamente na expressão assassinato psíquico (Hirigoyen, ob. cit., pág. 9): “um processo perverso pode ser ocasionalmente utilizado por todos nós. Ele só se torna destrutivo quando usado com freqüência e com a sua repetição no tempo. Todo indivíduo “normalmente neurótico” apresenta, em determinados momentos, comportamentos perversos (por exemplo, em um momento de raiva), mas ele também é capaz de passar a outros tipos de comportamento (histérico, fóbico, obsessivo…), e a seus movimentos perversos segue-se um questionamento. Um indivíduo perverso é permanentemente perverso; ele está fixado neste modo de relação com o outro e não se questiona em momento algum” (idem, pág. 11). Noutro trecho dessa fantástica obra, volta-se a este aspecto: “Toda pessoa em crise pode ser levada a utilizar mecanismos perversos para defender-se. Os traços narcísicos de personalidade são muito comumente encontráveis (egocentrismo, necessidade de ser admirado, intolerância à crítica). Não são por si só patológicos. (…) O que nos distingue dos indivíduos perversos é que esses comportamentos ou sentimentos não foram mais que reações ocasionais, e foram seguidos de remorso ou arrependimento. Um neurótico assume sua unidade através de conflitos internos. A noção de perversidade implica uma estratégia de utilização, e depois de destruição do outro, sem a menor culpa” (pág. 139).

Certa feita, discorrendo judicialmente sobre o assédio moral, ressaltamos também que uma mesma atitude pode ser “recebida” de maneiras diferentes dependendo da pessoa. Há os que têm maior ou menor sensibilidade. Trata-se de um comportamento que pode ser constatado empiricamente, e certamente todos já nos defrontamos com situações assim. A mesma ordem, emanada da mesma pessoa a várias outras, será “sentida” com intensidades diferentes em cada um dos destinatários. Os mais sensíveis provavelmente poderão se sentir magoados, desestimulados ou infelizes de alguma maneira, dependendo da rigidez e da firmeza com que essa ordem foi externada. Note-se que estamos num contrato (o de trabalho) no qual a subordinação é essencial (artigos 2o. e 3o. da CLT). Portanto, não há como evitar que numa relação típica de emprego exista, dentre outros elementos, a chamada dependência jurídica. O vaticínio à hipersensibilidade, recomendado pelo senso comum, pode ser parafraseado da uma conhecida música popular: “Tudo é uma questão de manter / A mente quieta / A espinha ereta / E o coração tranqüilo” (Coração Tranqüilo, Walter Franco).

A propósito, uma outra obra recentemente lançada, e que já está se transformando num best seller, que tem título algo semelhante (Mentes Inquietas, Editora Gente, São Paulo, 2003, 8a. ed.), da brilhante psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, e que pode também contribuir para a investigação do assédio moral, ainda que esse não tenha sido o objetivo explícito dessa fascinante obra.

Baseada nos seus estudos, no Brasil e no exterior, e principalmente nas experiências clínicas acumuladas, a médica brasileira definiu o Distúrbio do Déficit de Atenção como uma disfunção cerebral (págs. 95 e seguintes), mas não propriamente decorrente de um cérebro “defeituoso” (pág. 20), que pode ser responsável por certas características de comportamento de algumas pessoas: alteração da atenção (pág. 20), impulsividade (pág. 23) e — a que mais nos pareceu interessar ao fenômeno do assédio moral, do ponto de vista da potencial vítima — a hiperatividade física e mental (pág. 26).

Os sinais do comportamento de um portador de DDA são típicos e se manifestam desde a infância. “É muito fácil identificar a hiperatividade física de um DDA. Quando crianças, eles se mostram agitados, movendo-se sem parar na sala de aula, em sua casa ou mesmo no playground. Por vezes chegam a andar aos pulos como se seus passos fossem lentos demais para acompanhar a energia contida em seus músculos. Em ambientes fechados, mexem em vários objetos ao mesmo tempo, derrubando grande parte deles no ímpeto de checá-los simultaneamente. São crianças que costumam receber designações pejorativas como: “bicho-carpinteiro”, “elétricas”, “desengonçadas”, “pestinhas”, “diabinhos”, “desajeitadas”, entre outros.

Nos adultos, essa hiperatividade costuma se apresentar de forma menos exuberante, o que acabou por fazer alguns autores no passado pensarem que tal alteração tendia a desaparecer com o término da adolescência. Hoje se sabe que isso não é verdade, o que ocorre é uma adequação formal da hiperatividade à fase adulta. Nesse sentido, pode-se observá-la nos adultos que “sacodem” incessantemente suas pernas, “rabiscam” constantemente papéis à sua frente, roem unhas, mexem o tempo todo em seus cabelos, “dançam” em suas cadeiras de trabalho, e estão sempre buscando algo para manter suas mãos ocupadas.

A hiperatividade mental ou psíquica apresenta-se de maneira mais sutil, o que não significa, em hipótese alguma, que seja menos penosa que sua irmã física. Ela pode ser entendida como um “chiado” cerebral, tal como um motor de automóvel desregulado que acaba por provocar um desgaste bastante acentuado. É o adulto que numa conversa interrompe o outro o tempo todo, que muda de assunto antes que o outro possa elaborar uma resposta, que não dorme à noite, porque seu cérebro fica agitado a tal ponto que não consegue desligar. Essa agitação psíquica é parcialmente responsável pela inaptidão social que muitos DDAs apresentam e se traduzem em problemas para fazer e conservar amigos.

O “chiado” de seus cérebros muitas vezes os impede de interpretar corretamente as “deixas” sociais que são tão necessárias no estabelecimento e na manutenção das relações humanas. É como se sua vida tivesse transcorrido, desde a sua infância, num redemoinho de atividades e pensamentos, que não lhes deram tempo nem capacidade de sintonia para aprender a difícil arte de interpretar os outros.

“A energia hiperativa de um DDA pode causar-lhe incômodos cotidianos, principalmente se ele precisar adequar-se ao ritmo não tão elétrico dos não-DDAs. Para um DDA hiperativo, até mesmo uma escada rolante pode tornar-se sinônimo de tortura (…)” (págs. 26/27).

Interessante, aqui, o paralelo que pode ser feito com a “cultura do computador” a que se referiu Maria José Gianella Cataldi na obra já citada sobre stress.

Os DDA’s, dependendo do tipo (hiperativos, impulsivos etc.) podem apresentar, segundo Ana Beatriz, os seguintes sintomas: “constante sensação de inquietação ou ansiedade. Um DDA sempre tem a sensação de que tem algo a fazer ou pensar, de que alguma coisa está faltando”; “tendência a estar sempre ocupado com alguma problemática em relação a si ou com os outros. São as pessoas que ficam “remoendo” sobre suas falhas cometidas, ou ainda sobre os problemas de amigos ou conhecidos” (ob. cit. pág. 29). Já os DDA´s do tipo impulsivos, por exemplo, costumam apresentar “baixa tolerância à frustração. Quando quer algo que não consegue esperar, se lança impulsivamente numa tarefa, mas, como tudo na vida requer tempo, tende a se frustrar e desanimar facilmente” (pág. 29); “costuma provocar situações constrangedoras, por falar o que vem à mente sem filtrar o que vai ser dito. Durante uma discussão, um DDA pode deixar escapar ofensas impulsivas” (pág. 30); “impaciência marcante no ato de esperar ou aguardar por algo. Filas, telefonemas, atendimento em lojas ou restaurantes podem ser uma tortura” (idem); “reage irrefletidamente às provocações, críticas ou rejeição. É o tipo de pessoa que explode de raiva ao sentir-se rejeitada” (idem); “hipersensibilidade. O DDA costuma melindrar-se facilmente. Uma simples observação desfavorável sobre a cor de seus sapatos é suficiente para deixá-lo internamente arrasado, sentindo-se inadequado” (idem) etc.

Ainda segundo a psiquiatra brasileira, os DDA´s desenvolvem baixa autoestima porque, tendo sido crianças “pestinhas”, foram bastante reprimidas e/ou rejeitadas na infância: “em geral o DDA sofre desde muito cedo uma grande carga de repressões e críticas negativas. Sem compreender o porquê disso, ele tende, com o passar do tempo, a ver-se de maneira depreciativa e passa a ter como referência pessoas externas e não ele próprio” (pág. 31).

Esse distúrbio já pode, segundo a renomada psiquiatra, ser comprovado biologicamente. “Em 1990, Alan Zametkin (do National Institute of Mental Health) constatou que havia uma “ciranda” bioquímica diferente nos cérebros de pessoas DDAs. Seus estudos abriram as portas para um entendimento mais acertado, científico e, principalmente, justo, para milhares de pessoas que, em vez de serem corretamente identificadas e tratadas, eram “discriminadas” pela desinformação do comportamento DDA. Através de um exame chamado PET-SCAN – uma espécie de tomografia cerebral sofisticada que utiliza material radioativo -, Zametkin pôde avaliar o metabolismo cerebral, durante a realização de tarefas que testavam a atenção e a vigilância em indivíduos com comportamento DDA. Ele observou uma redução na captação de glicose radioativa no cérebro dessas pessoas. Sabendo-se que a glicose (açúcar vindo dos alimentos) é a principal fonte de energia das células cerebrais, tem-se que a redução de seu aproveitamento significa uma diminuição na atividade energética dos cérebros DDAs.

O dado mais importante nesse estudo foi a constatação de que a redução metabólica era maior na região frontal do cérebro = a parte do cérebro a que os leigos chamam de “fronte”. Considerando-se que o lobo frontal é o grande “filtro” inibidor do cérebro humano, pode-se entender que muitos dos sintomas DDAs surgem por uma redução parcial do lobo frontal em bloquear e filtrar estímulos e respostas impróprias vindas das diversas partes do cérebro com o objetivo de elaborar uma ação apropriada no comportamento humano. Assim, se o filtro “falha”, a ação final será mais intensa ou precipitada do que deveria ser. Daí a impulsividade e/ou a hiperatividade no funcionamento desse cérebro tão sem freio quanto veloz.

(…) Em estudos posteriores realizados por H. C. Lou, este chegou às mesmas conclusões de Zametkin sobre a diminuição do fluxo sangüíneo (marcado com glicose) nas regiões frontais dos cérebros DDAs. No entanto, os estudos de H. C. Lou acrescentaram um pequeno e fundamental detalhe, demonstrando que a redução da captação da glicose radioativa transportada pelo fluxo sangüíneo era maior e mais bem definida no hemisfério direito do que no hemisfério esquerdo do cérebro.

(…) A correção recente entre DDA e região frontal direita evidenciada por tomografias sofisticadas cria um território favorável a que se pense na existência de uma assimetria funcional entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro dessas pessoas” (págs. 95/97).

O cruzamento de todos esses estudos sugere que um portador de DDA pode ser potencialmente, do ponto de vista da sua hiperatividade, tanto um agente quanto uma vítima de assédio moral; e do ponto de vista específico de sua tendência à baixa autoestima, alguém “vocacionado” a se vitimar numa relação perversa.

Da comparação desse perfil DDA desenvolvido por Ana Beatriz, com o comportamento dos chamados “pré-depressivos” descrito na obra de Hirigoyen, se pode chegar à mesma perplexidade: “Os pré-depressivos conseguem o amor do outro entregando-se, pondo-se à disposição do outro, e experimentam uma grande satisfação em prestar-lhe serviço ou proporcionar-lhe um prazer. E os perversos narcisistas aproveitam-se disso.

“Essas pessoas têm dificuldade de suportar os mal-entendidos e as negligências, que elas tentam corrigir. Em caso de dificuldade, eles redobram seus esforços, sobrecarregando-se, sentem-se ultrapassados pelos acontecimentos, culpam-se, trabalham cada vez mais, cansam-se, tornam-se menos eficientes e, em um círculo vicioso, culpam-se cada vez mais, o que pode chegar até a auto-acusação: “É por falha minha que meu parceiro não está contente ou é agressivo”. Se um erro é cometido, eles tendem a atribuir-se a culpa. Essa consciência exagerada está ligada ao medo de falhar, pois a pressão da falta, o remorso, neles dão margem a um sofrimento demasiado grande.

“São igualmente vulneráveis aos juízos do outro e as suas críticas, mesmo infundadas, o que os leva a permanentemente justificar-se. Os perversos, percebendo essa falha, têm o maior prazer em implantar neles a dúvida: “Será que eu não fui mesmo, inconscientemente, culpado daquilo que me acusam?” Embora as acusações não tenham fundamento, essas pessoas não estão definitivamente seguras quanto a isso e perguntam-se se não deveriam, apesar de tudo, assumir o erro.

(…) Sob outro ponto de vista, nelas encontramos um sentimento de inferioridade subjacente, que chegam em geral a compensar, desde que não tenham ocasião de sentir-se em erro. Essa vulnerabilidade à culpa constitui uma fragilidade diante da depressão. Não constitui um estado depressivo, marcado pela tristeza e lassidão; é, ao contrário, um estado que leva a pessoa a tornar-se hiperativa, em forte interação com a sociedade” (ob. cit., pág. 159).

Todas estas elucubrações não passam de especulações atrevidas de advogado, sem conhecimentos em psicologia ou psiquiatria, e, portanto, sujeitas a erros como em toda leitura leiga. Mas valem pela provocação, e como ilustração dos benefícios da interdisciplinaridade a que nos referimos desde o início.

Uma coisa, entretanto, pode ser dada como certa: o conhecimento produzido por todas essas ciências dedicadas à investigação da natureza e comportamento humano não pode ser desprezado no exame de um possível caso de assédio moral.

Mário Gonçalves Júnior é advogado do Demarest & Almeida Advogados, pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho

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