Novo Refis altera regras de punição para crimes tributários

Por Leonardo Alonso
No dia 30 de maio de 2003 entrou em vigor a Lei Federal 10.684, que trouxe alterações na legislação tributária, dispondo sobre o parcelamento de débitos junto à Receita Federal, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Instituto Nacional do Seguro Social.

Diante da nova possibilidade de parcelamento de débitos tributários, com condições mais favoráveis do que aquelas usualmente oferecidas pelos órgãos arrecadadores federais, a lei em questão passou a ser chamada de “novo Refis”, ou “Refis II”, fazendo uma alusão ao programa de parcelamento de débitos fiscais instituído pela Lei 9.964/00, cuja adesão, à época, foi maciça.

Referida Lei 10.684/03 trouxe disposições também em matéria de direito penal, especificamente em seu art. 9º, ao prever que nas hipóteses dos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/90 (Crimes Contra a Ordem Tributária) e nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal (Crimes Previdenciários), no período em que a pessoa jurídica estiver incluída em seu regime, ficará suspensa a pretensão punitiva do Estado, o que, em outras palavras, significa que serão suspensos todos os procedimentos, judiciais ou administrativos, que tenham como objetivo a apuração de tais crimes em face das pessoas físicas responsáveis pelas empresas, ficando suspensa também a prescrição (§ 1º, do referido artigo 9º).

Essa previsão é exatamente idêntica àquela contida no primeiro Refis, sendo que neste havia um limite para que a adesão ao programa surtisse tais efeitos, isto é, desde que a adesão se desse anteriormente ao recebimento da denúncia (petição inicial da ação penal), condição esta que inexiste na nova lei.

O art. 9º da lei que instituiu o “novo Refis”, em seu parágrafo segundo, tratou também de estabelecer que em caso de pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, e seus respectivos acessórios, será extinta a punibilidade do agente, ou seja, mesmo que, em tese, tenha se praticado crime, não mais haverá o direito estatal de punir o agente, acarretando, assim, o encerramento das ações penais e procedimentos administrativos, como o inquérito policial e a representação fiscal para fins penais.

De acordo com a disciplina específica do art. 34, da Lei 9.249/95, nos chamados crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/90), a extinção da punibilidade em decorrência do pagamento do tributo devido se dará apenas caso este seja efetivado antes do recebimento da denúncia.

Já, nos casos de apropriação indébita previdenciária, o parágrafo 2º, do art. 168-A, do Código Penal, estabelece como limite para a extinção da punibilidade pelo pagamento o início da ação fiscal, cuja conceituação, aliás, está longe de ser uniforme perante a doutrina (na prática, a maioria dos juízes e promotores têm entendido que o início da ação fiscal se dá com a lavratura, pela fiscalização, do chamado TIAF – Termo de Início da Ação Fiscal).

Desde logo se pode perceber o verdadeiro emaranhado de disposições legais a tratar da concessão desse benefício, deixando o contribuinte sem saber ao certo quando o pagamento trará o benefício desejado na esfera penal.

Pois bem, para aqueles que aderiram ao “novo Refis”, nos parece claro que após 30 de maio desse ano, o pagamento integral dos débitos tributários e acessórios, de forma parcelada ou não, não importando se efetuado antes ou depois do início da ação fiscal ou do recebimento da denúncia, acarretará a extinção da punibilidade, pela aplicação do já mencionado § 2º, do art. 9º, da lei 10.684/03.

A problemática, no entanto, gira em torno daqueles que efetuaram o pagamento anteriormente à edição da mencionada lei, sob um regime disciplinador da extinção da punibilidade pelo pagamento mais gravoso.

Uma das espinhosas questões pertinentes à aplicação do “novo Refis” diz respeito à sua aplicabilidade nos casos de não recolhimento de contribuições previdenciárias relativas à parte dos empregados.

A Lei 10.684/03 exclui a possibilidade de parcelamento para débitos relativos às contribuições previdenciárias relativas à parte do empregado, contudo, o já mencionado art. 9º, faz referência expressa ao art. 168-A do Código Penal, que trata da matéria.

Diversa não poderá ser a solução a este dilema, que não a interpretação literal do art. 9º da Lei do “novo Refis”, sob pena de se conferir tratamento diverso para questões idênticas, ficando claro que o legislador excluiu do “novo Refis” o devedor das contribuições ao INSS – parte empregado – apenas no âmbito administrativo, mantendo os efeitos das disposições penais, até porque o não recolhimento da parte correspondente ao empregador não constitui crime, o que tornaria inócua a presença do art. 168-A do Código Penal no rol do mencionado art. 9º.

Outro grande problema recai sobre aqueles que já efetuaram o pagamento, nos casos de crime de sonegação fiscal, após o recebimento da denúncia, e nos crimes de apropriação indébita previdenciária, posteriormente ao início da ação fiscal, e se viram, ou vêem-se, às voltas com um procedimento criminal que poderá levar a uma sentença penal condenatória e seus efeitos nefastos.

Melhor esclarecendo, imagine-se a seguinte situação: uma empresa que, antes de 30 de maio de 2003, quitou seus débitos junto ao INSS de forma espontânea e imediata, à vista, e, para tanto, foi obrigada a confessar referido débito, tendo sido lavrado o TIAF anteriormente, teria seus representantes legais submetidos ao grave constrangimento de sofrerem uma ação penal, podendo ser condenados, ou ter, na hipótese menos grave, a aplicação de pena de multa ou a não aplicação da pena, o que ficaria a critério do juiz, não deixando de existir uma condenação, enquanto que outra empresa, não tendo quitado seus débitos até então, cujos representantes são réus em processo criminal já em fase adiantada, poderia efetuar o pagamento do débito, eliminando, assim, o risco e as conseqüências de uma condenação penal quase certa.

Fica claro, portanto, que o sistema dá ensejo a uma inadmissível desigualdade de tratamento, podendo prejudicar, e muito, àqueles que, portadores da maior boa-fé, efetuaram o pagamento do tributo antes de 30 de maio deste ano, e, por força do procedimento legal não poderão ser beneficiados, enquanto que outros, em situação semelhante ou até mais desfavorável, que propositadamente optaram por não pagar, se o fizeram após a mencionada data serão favorecidos.

Para tanto, deverá prevalecer princípio constitucional, também presente no Código Penal, segundo o qual a lei penal mais benéfica ao réu deverá ser aplicada também para aqueles fatos ocorridos antes de sua edição.

Esse princípio é totalmente consagrado, sendo indiscutível a sua aplicação no caso da Lei 10.684/03, sob pena de persistir uma situação de desigualdade também vedada por outro princípio constitucional.

Todavia, vale ressaltar que, por se tratar de legislação relativamente nova, essa questão ainda será enfrentada por nossos tribunais, cujo posicionamento, espera-se, seja o de respeito à Constituição Federal e combate à desigualdade de tratamento que decorre do grande número de dispositivos legais a tratar da matéria.

Leonardo Alonso é advogado do escritório Reale Advogados Associados

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