Por Vera Menezes
A Lei 7.428 de 16 de dezembro de 1985 instituiu a obrigatoriedade da concessão do vale-transporte, enquanto o inciso IX, § 1°, do artigo 2° do Decreto 4.840, de 17 de setembro de 2003, que regulamenta a Medida Provisória n°130/2003 e dispõe sobre a autorização para o desconto de prestações em folha de pagamento, admite expressamente a existência de auxílio-transporte pago em dinheiro.
Ainda que algumas Convenções Coletivas de Trabalho tivessem inserido cláusula facultando a concessão do VT em dinheiro, a maioria das empresas tem concedido o VT em forma de tíquete ou cartão, para resguardar a segurança de seus estabelecimentos. Já as empresas que se utilizam dessa forma de pagamento acabam sendo autuadas quando sofrem fiscalização, pois a Justiça entende que o pagamento em dinheiro no holerite caracteriza salário.
Por conseguinte, a empresa ficará em débito com as incidências salariais e indenizatórias (INSS / FGTS e 40% quando for o caso), por compor o pagamento da remuneração do empregado, pois o artigo 5o do Decreto nº 95.247, de 17 de dezembro de 1980, vedou ao empregador substituir o vale- transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento.
Porém, com a edição do Decreto 4.840 de 17 de setembro de 2003, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações decorrentes de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil a empregados regidos pela CLT, houve um reconhecimento expresso no inciso X, do § 1° do artigo 2° de que o vale-transporte, ainda que pago em dinheiro, não configura remuneração, ou seja, a verba foi enquadrada dentre aquelas que são pagas ao empregado, mas não poderão compor o percentual de 30% para o desconto e adimplemento à instituição financeira.
Dessa forma, o legislador reconheceu o instituto do pagamento do vale-transporte em dinheiro e o deixou de considerar como salário ou remuneração salarial, assim como as verbas correspondentes a diárias, ajuda de custo, adicional pela prestação de serviço extraordinário, gratificação natalina, auxílio-natalidade, auxílio-funeral, adicional de férias e auxílio-alimentação, mesmo se pago em dinheiro e parcelas referentes a antecipação de remuneração de competência futura ou pagamento em caráter retroativo.
Muitas empresas, que decidiram pagar o vale-transporte em dinheiro, após sofrerem autuação, têm insurgido judicialmente requerendo a concessão de liminar que lhes permita essa forma de pagamento e que estes não sejam reconhecidos como salário, quer por constar em Convenção Coletiva de Trabalho ou por problemas operacionais já sofridos, a exemplo de grandes empresas que no dia de entrega dos vales-transporte criam pesados esquemas de segurança para evitar assaltos.
Em outros casos, empresas têm questionado antes de efetuar o pagamento em dinheiro, para que o judiciário lhes permita essa modalidade de pagamento sem o ônus das incidências. O entendimento sobre a concessão de liminar permitindo este procedimento ainda é controvertido.
Com os crescentes problemas operacionais ocorridos nas empresas, tem aumentado o número de ações objetivando a concessão de liminar ou a antecipação de tutela para que estas se abstenham de proceder à incidência dos valores pagos em holerite, ao FGTS e à Previdência Social.
Conseqüentemente, tem-se notícia de decisões que concederam liminares em primeira e segunda instância, permitindo essa forma de pagamento até o julgamento do mérito e outras decisões que no mérito foram favoráveis, mas os processos ainda se encontram em grau de recurso.
Enquanto tais liminares estiverem em vigor, é certo que as empresas poderão conceder o vale-transporte em dinheiro, porém, não se pode afastar a possibilidade que em grau recursal este posicionamento seja revertido e tenham que pagar todas as incidências sobre os valores pagos mensalmente a este título, consistentes em férias + 1/3, 13º salários, FGTS (+40%), INSS e aviso prévio.
Feitas estas considerações, acredito que o Decreto 4.840 de 17 de setembro de 2003 reforce o embasamento legal utilizado judicialmente pelas empresas, pois reconhece expressamente a prática do pagamento em dinheiro do vale-transporte e o exclui da remuneração básica dos empregados, permitindo o questionamento judicial que autorize o pagamento do benefício em dinheiro, sem as incidências mencionadas anteriormente.
Considerando a hipótese da empresa decidir questionar judicialmente esse pagamento, recomendamos que seja feita uma “reserva de valor”, pois apesar de todos os indícios favoráveis de se obter uma liminar que permita o pagamento em dinheiro, sem incidências, esta decisão poderá ser cassada ou tornada sem efeito quando julgado o mérito da ação e com esta providência a empresa terá recursos para satisfazer eventual contingência gerada no período.
Vera Menezes é especialista em direito trabalhista e sócia-diretora de Vera Menezes Sociedade de Advogados