"Anamatra não defende somente interesses corporativos"

Por Marcos da Silva Porto
Nos últimos anos acompanha-se a tramitação de diversas propostas visando “reformar” o Poder do Judiciário e até o momento o desfecho de nenhuma delas aconteceu. As entidades de classe da magistratura sempre defenderam uma reforma verdadeira, que de fato mudasse a cara do Judiciário, que o tornasse mais transparente e desse significado concreto ao conceito de “efetividade”.

Adquiriu-se neste tempo a consciência de que a reforma verdadeira não veio porque nunca interessou ao governo, ao grande capital e aos seus representantes. Em momentos agudos, onde se colocou em risco o Poder Judiciário e o valor supremo da magistratura — a sua independência — a Anamatra posicionou-se defensivamente. Quem não se lembra da célebre proposta de incorporação da Justiça do Trabalho à Justiça Federal?

Muitas vezes a Anamatra foi acusada, ora por segmentos da mídia, ora por vozes de dentro dos demais Poderes e ora por entidades da sociedade civil, de defender interesses corporativos, enfim, de nunca assumir postura propositiva. Mas, como cantarolava a inesquecível Elis Regina, as entidades foram “vivendo e aprendendo a jogar, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”.

Há muito a Anamatra vem se organizando e enfrentando batalhas na defesa da democracia, do Estado de Direito e da dignidade do trabalhador. Sua postura se mostra cristalina, por exemplo, no trabalho árduo de sua comissão legislativa, que inúmeros projetos apresentou ao Parlamento e em tantos outros palpitou. O mesmo se diga em relação a diversas outras iniciativas.

Assumindo de vez este papel irradiador dos valores morais da magistratura trabalhista brasileira, a Anamatra começa 2004 com a ousada posição de defender a criação de um instrumento capaz de representar um primeiro e largo passo em direção à verdadeira reforma do Judiciário. Por força de encaminhamento da diretoria e deliberação do seu Conselho de Representantes, a Anamatra adotou posicionamento favorável à criação de um Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de governo do Judiciário brasileiro, composto por magistrados de todos os graus de jurisdição e representantes da sociedade civil.

A discussão foi aberta a partir das primeiras conclusões de que todas as propostas de reforma do Judiciário trouxeram ínsita alguma forma de controle do Poder. É possível identificar um anseio da sociedade na criação de algum mecanismo desta natureza, ainda que como reflexo da propagação de falsas e deturpadas idéias a respeito da Justiça e dos juízes. É preciso reconhecer que a estrutura atual do Judiciário é desprovida de instrumentos eficazes de autogoverno, sobretudo no que toca às áreas de planejamento estratégico, políticas de aperfeiçoamento da função jurisdicional, gestão e orçamento.

Os juízes do trabalho constataram que um organismo composto democraticamente, que resguarde a independência do juiz no exercício da função jurisdicional e seja gerido de forma transparente, pode significar gigantesco avanço para que, enfim, se democratizem os Tribunais, bem assim para a melhor qualificação dos magistrados e para a melhoria da prestação jurisdicional em todos os níveis.

Em síntese, o reconhecimento de que um CNJ constitui moderno e eficiente instrumento de aperfeiçoamento e transparência da instituição como um todo. Não se trata, por certo, de simples submissão à idéia de instituição de um “controle externo”, mas sim da construção de um novo modelo de administração da Justiça, calcado na independência da magistratura, na gestão transparente dos recursos públicos e na eficiência dos serviços.

Os juízes do trabalho ficam na expectativa de que esta iniciativa possa ser difundida no ano de 2004 e, mediante debate aprofundado com a sociedade, representar o embrião da construção de um novo Judiciário.

Marcos da Silva Porto é juiz do trabalho da 15ª Região e secretário-geral da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

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